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Como eu faço ?

Criocirurgia intralesional em lesões vasculares benignas: boa opção para angioma rubi e hamartomas sobre mancha vinho do Porto

Flávia Trevisan1; Dâmia Kuster Kaminski Arida2; Laila Djensa Souza dos Santos2; Paola Tamara Silva Zakszewski2; Fernanda Beatriz Moutinho Zamuner Walger2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201241460

Data de recebimento: 07/10/2019
Data de aprovação: 09/02/2021
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
Trabalho realizado na Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná, Curitiba (PR), Brasil


Abstract

A criocirurgia é uma técnica de vasto conhecimento e uso entre dermatologistas. A aplicação intralesional já é utilizada no tratamento de queloides e tem como vantagem restringir a zona de ação das baixas temperaturas do nitrogênio líquido. O uso da criocirurgia de contato em lesões vasculares é relatado, mas não há publicações sobre a técnica intralesional nesses tipos de lesões. Aqui, relatamos dois casos: 1- Hamartomas sobre mancha vinho do Porto em um paciente de 61 anos; e 2 - Angioma rubi em um paciente de 70 anos, ambos tratados de forma satisfatória e segura com criocirurgia intralesional.


Keywords: Criocirurgia; Crioterapia; Hamartoma; Hemangioma; Mancha Vinho do Porto


INTRODUÇÃO

As lesões vasculares são motivos de consulta dermatológica por prevenção de sangramentos ou por questões estéticas. Podem ser congênitas ou adquiridas e podem ser classificadas em tumores e malformações.1,2

A mancha vinho do Porto (MVP) é uma lesão vascular congênita que se apresenta como manchas sólidas e placas unilaterais, de distribuição segmentar e demarcação na linha média, ou como pequenas manchas, em qualquer região do corpo, variando em tamanho, forma e diferentes tons de rosa, vermelho e violeta. Em alguns casos, hamartomas epiteliais ou mesenquimais podem desenvolver-se sobre a MVP.1,2

O angioma rubi é uma lesão vascular benigna, adquirida e extremamente comum, apresentando-se como pápulas vermelhas assintomáticas, de 1 a 15mm, geralmente em tronco, braços e cabeça, com crescimento lento, e que podem estar associadas ao avanço da idade, diabetes, altas temperaturas, exposição a produtos químicos, transplante de fígado, doença enxerto-versus-hospedeiro, gravidez e climatério.3,4

Dentre os tratamentos das lesões vasculares podem ser citados: pulsed dye laser, Nd-YAG laser, eletrocirurgia, exérese cirúrgica e criocirurgia de sonda aberta e de contato.2,5 Não há relatos publicados de tratamento de lesões vasculares cutâneas com criocirurgia intralesional.

A criocirurgia é uma modalidade de tratamento que utiliza baixas temperaturas do nitrogênio líquido para atingir efeitos no tecido decorrentes de ruptura das membranas celulares devido a formação de cristais de gelo intracelulares, dano às junções celulares endoteliais e estase sanguínea, causando então microtrombos, injúria vascular e, finalmente, necrose tecidual.6,7 Seu uso de forma intralesional tem sido aplicado a cicatrizes hipertróficas e queloides.6-9 Quando o nitrogênio líquido passa por dentro da agulha, uma zona letal é criada ao redor do dispositivo inserido na derme. Isso diferencia a crioterapia intralesional da crioterapia de contato, que forma uma zona letal situada principalmente na epiderme.7

O objetivo desse relato é sugerir a criocirurgia intralesional como opção terapêutica para lesões vasculares com componente tumoral, relatando o método e a evolução de dois casos: um hamartoma sobre uma MVP e um angioma rubi.

 

MÉTODOS

A técnica empregada foi bastante similar nos dois casos. As lesões foram submetidas à antissepsia com digliconato de clorexidina alcoólico 0,5% e anestesia local infiltrativa com lidocaína 2% com epinefrina 1:200.000. Após, com agulha descartável calibrosa de 18G (40x1,2mm), realizou-se a transfixação da lesão e, então, o acoplamento do dispositivo de criocirurgia. Para cuidado com o jato do spray, prevenindo prejudicar o paciente ou médico aplicador, pode ser colocado um anteparo, por exemplo uma gaze, a alguns centímetros do orifício perfurante da agulha. Após o tempo de congelamento de 30 a 60 segundos. Aguardou-se o descongelamento total para então retirar-se a agulha. Nesse estágio, pode ocorrer sangramento facilmente controlado com compressão por 5 a 10 minutos.

O primeiro paciente, masculino, 61 anos, tabagista, apresentava MVP no braço e antebraço direitos desde o nascimento. Há cerca de cinco anos, surgiram tumores e nódulos eritêmato-purpúricos de até 1,3cm sobre a mancha, assintomáticos, mas que causavam incômodo com o atrito das roupas nas lesões. Três lesões selecionadas para tratamento com criocirurgia intralesional foram submetidas, cada uma delas separadamente, a um ciclo de 30 segundos contínuos de congelamento, aguardando-se o completo descongelamento da lesão para a retirada da agulha (60 a 70 segundos). O procedimento foi finalizado com curativo oclusivo, mantido por 24 horas.

O segundo paciente, masculino, 70 anos, hipertenso controlado e ex-tabagista há 22 anos, apresentou-se à consulta com nódulo eritêmato-violáceo de 1cm na região temporal direita há quatro anos, de crescimento lento e assintomático no momento, mas com história de repetidos traumatismos ao pentear o cabelo. Após o preparo de antissepsia e anestesia, realizou-se a transfixação da lesão e, então, acoplamento do dispositivo de criocirurgia. Foi realizado um ciclo de 60 segundos contínuos de congelamento, aguardando-se o completo descongelamento da lesão para a retirada da agulha (190 segundos). Após o descongelamento, houve sangramento local, contido com compressão por 5 minutos. O procedimento foi finalizado com curativo oclusivo, mantido por 24 horas.

 

RESULTADOS

No primeiro paciente, as lesões evoluíram com necrose (Figura 1) e desprendimento em torno de dez dias após a realização. Não houve dor nem infecção secundária nos locais. Houve hipocromia residual discreta e de pequeno tamanho após a completa cicatrização (Figuras 2A, B, C e D).

No segundo caso, a lesão evoluiu com formação de pequena crosta por dez dias e cicatrização total em 20 dias, restando apenas mácula hipocrômica residual pequena no local.

 

DISCUSSÃO

A criocirurgia é um procedimento simples, seguro, barato e que produz resultados esteticamente aceitáveis. Pode ser utilizada para tratar diversas lesões benignas, pré-malignas e tumores malignos bem circunscritos.5 São contraindicações absolutas de crioterapia a intolerância ao frio, doença ou fenômeno de Raynauld, urticária ao frio, crioglobulinemia, pioderma gangrenoso, distúrbios autoimunes e infecções ativas no local.5

As lesões vasculares são suscetíveis à destruição por criocirurgia. A temperatura baixa promove vasoconstrição, estase e, de -15 a -40oC, dano endotelial. Com o descongelamento, há formação de microtrombos, edema, eritema e necrose tecidual. O mecanismo de necrose celular se dá por dano direto, pelas menores temperaturas observadas no centro da lesão, e, por dano indireto, pelo dano aos vasos sanguíneos.5

A forma intralesional da criocirurgia já está descrita para terapia de queloides, carcinoma espinocelular e carcinoma basocelular.6-10 Com este método, o congelamento é iniciado no núcleo da lesão e se espalha até sua superfície. Isso contrasta com o mecanismo de criocirurgia de contato ou spray, em que a lesão é congelada a partir da superfície da pele. Nas primeiras semanas após o tratamento, pode haver edema, leve a moderada dor local, formação de bolhas e necrose superficial.9

A vantagem deste procedimento é sua rapidez, a possibilidade de ser feito sob anestesia local, excelente custo/benefício, fácil cuidado com a ferida operatória, rápido aprendizado pelo médico e tolerabilidade pelo paciente.7,10 Uma outra vantagem é a menor área de cicatriz e menor hipopigmentação geradas com o método intralesional comparado à crioterapia de contato.7,9,10

Como desvantagem, a técnica impede a confirmação histológica em casos duvidosos ou que necessitem da confirmação de margem cirúrgica.9

 

CONCLUSÃO

Nesse relato aplicamos a criocirurgia intralesional para tratamento de dois tipos de lesões vasculares: hamartomas sobre MVP e angioma rubi, com sucesso. Após os procedimentos, houve edema e halo de eritema nas primeiras 48 horas, evoluindo com necrose e escurecimento nos sete a dez dias seguintes. O desprendimento das lesões ocorreu em torno do décimo dia, com cicatrização total entre 20 e 30 dias. Hipo ou acromia e discreta atrofia no local foram sequelas percebidas.

A técnica de criocirurgia na forma intralesional para tratamento de lesões vasculares como as relatadas aqui, além de simples, rápida e barata, é de boa resolutividade, com baixo risco, poucas sequelas cicatriciais e com resultados esteticamente satisfatórios.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Flávia Trevisan | 0000-0001-5855-3685
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Dâmia Kuster Kaminski Arida | 0000-0002-6350-245X
Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Laila Djensa Souza dos Santos | 0000-0002-5263-4094
Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.

Paola Tamara Silva Zakszewski | 0000-0002-5970-3320
Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Fernanda Beatriz Moutinho Zamuner Walger | 0000-0003-0500-1072
Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura. Abreviações dos autores: Trevisan F, Arida DKK, Santos LDS, Zakszewski PTS, Walger FBMZ

 

REFERÊNCIAS

1. Rozas-Muñoz E, Frieden IJ, Roé E, Puig L, Baselga E. Vascular stains: proposal for a clinical classification to improve diagnosis and management. Pediatr Dermatol. 2016;33(6):570-84.

2. Gontijo B, Pereira LB, Silva CMR. Malformações vasculares. An Bras Dermatol. 2004;79(1):7-25.

3. Pereira, JM. Hemangioma rubi no couro cabeludo. An Bras Dermatol. 2004;79(1):83-9.

4. Kim J, Park H, Ahn SK. Cherry hemangioma on the scalp. Case Rep Dermatol. 2009;1(1):82-6.

5. Zanini M, Machado CAS, Brandão JA, Timoner F. Criocirurgia na malformação venosa labial. Relato de Caso. Med Cutan Iber Lat Am. 2005;33(2):73-5.

6. Mourad B, Elfar N, Elsheikh S. Spray versus intralesional cryotherapy for keloids. J Dermatolog Treat. 2016;27(3):264-9.

7. Abdel-Meguid AM , Weshahy AH , Sayed DS , Refay AE , Awad SM. Intralesional vs. contact cryosurgery in treatment of keloids: a clinical and immunohistochemical study. Int J Dermatol. 2015;54(4):468-75.

8. Goldenberg G; Luber AJ. Use of intralesional cryosurgery as an innovative therapy for keloid scars and a review of current treatments. J Clin Aesthet Dermatol. 2013;6(7):23-6.

9. Leeuwen MCE, Bulstra AEJ, Ket JCF, Ritt MJPF, Leeuwen PAM, Niessen, FB. Intralesional cryotherapy for the treatment of keloid scars: evaluating effectiveness. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2015;3(6):437.

10. Har-Shai Y, Sommer A, Gil T, Krausz J, Gl-ou N, Mettanes EU, et al. Criocirurgia intralesional para o tratamento do carcinoma basocelular dos membros inferiores em idosos: um estudo de viabilidade. Int J Dermatol. 2016;55(3):342-50.


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