4027
Views
Open Access Peer-Reviewed
Diagnóstico por Imagem

Carcinoma basocelular originado de uma tatuagem: relato de dois casos

Emerson Henrique Padoveze1; Nilton Gioia Di Chiacchio2; Thais Cardoso Pinto2; Aarão Andrade Napoleão Lima2; Gabriel Lucchesi de Santana3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201243688

Data de recebimento: 24/08/2020
Data de aprovação: 26/11/2020
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
Trabalho realizado no Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil


Abstract

Carcinoma basocelular sobre a região da tatuagem foi pouco descrito na literatura, com um total de 13 casos. Todos descrevem o aspecto clínico da lesão e sua patogênese, porém não caracterizam a dermatoscopia. Descrevemos dois casos de carcinoma basocelular na tatuagem, com características clínicas e dermatoscópicas, tratados com a cirurgia micrográfica de Mohs. Houve dificuldade em estabelecer as margens clínicas e dermatoscópicas do tumor em decorrência do pigmento exógeno da tatuagem.


Keywords: Carcinoma basocelular; Dermoscopia; Tatuagem; Cirurgia de Mohs


INTRODUÇÃO

A arte de tatuar é uma prática antiga cada vez mais realizada, tanto para fins cosméticos quanto terapêuticos. Embora bem tolerada, não é isenta de riscos.1 Diversas complicações benignas e malignas podem resultar do processo de tatuagem segundo a literatura.1,2,3,4,5,6 Existem relatos de evolução neoplásica sob a forma de linfoma cutâneo, queratoacantoma, carcinoma espinocelular, melanoma e carcinoma basocelular.1,2,3

O carcinoma basocelular (CBC) já foi descrito em cicatrizes (queimaduras e pós-vacinação), porém o surgimento sobre uma tatuagem é incomum e de patogênese pouco esclarecida. Apenas 13 casos foram relatados na literatura, a maioria em áreas fotoexpostas e contendo pigmento preto.3 Existe a hipótese de o pigmento apresentar um efeito carcinogênico direto ou associado ao trauma e à exposição solar.1,3,5,6

A dermatoscopia é uma ferramenta complementar de alta sensibilidade e especificidade para o diagnóstico do CBC. Os achados mais comumente descritos são telangiectasias arboriformes, áreas brancas brilhantes e ninhos ovoides cinza-azulados.7 Os casos relatados não descrevem os achados dermatoscópicos do tumor sobre a tatuagem. Relatamos dois casos com as características clínicas e dermatoscópicas.

 

CASO 1

Paciente do sexo feminino, caucasiana, com 32 anos, apresentando nódulo único eritêmato-infiltrado medindo 1,4 x 2,0cm na região lombar direita há nove anos (Figura 1). A lesão encontrava-se sobre uma tatuagem realizada há 12 anos. A dermatoscopia revelou glóbulos cinza-azulados, ulceração, estruturas em folha de bordo e áreas brancas brilhantes (Figura 2). A histologia mostrou infiltração da derme por células basaloides atípicas, formando pequenos blocos com paliçada periférica, característica do CBC.

 

CASO 2

Paciente do sexo feminino, parda, com 50 anos, com placa eritêmato-infiltrada no dorso superior medindo 1,0 x 0,8cm, há um ano, sobre tatuagem realizada há seis anos (Figura 3). A dermatoscopia revelou telangiectasias arboriformes, glóbulos cinza-azulados e áreas brancas brilhantes (Figura 4). O exame anatomopatológico evidenciou infiltração de células basaloides atípicas, formando pequenos blocos, invadindo a derme com uma disposição periférica paliçada, compatível com o diagnóstico de CBC.

As duas pacientes foram submetidas à cirurgia micrográfica de Mohs e estão em acompanhamento clínico por quatro e três anos, respectivamente, sem recidiva da lesão.

 

DISCUSSÃO

A arte da tatuagem tem sido praticada há milênios com propósitos estéticos e terapêuticos. Inúmeras complicações médicas têm sido relacionadas a tatuagens, incluindo: dermatite liquenoide, pseudolinfoma, tétano, cancroide, sífilis, molusco contagioso, verrugas, HIV, hepatites, granulomas, micoses e reações de hipersensibilidade. Lesões malignas, embora raras, também foram descritas após a tatuagem, tais como dermatofibrossarcoma protuberans, queratoacantoma, leiomiossarcoma, melanoma e carcinoma celular escamoso.1,2,3

O primeiro relato de CBC sobre a região da tatuagem foi descrito em 1976, por Bashir, relatando dois casos.4 Desde então, apenas mais 11 pacientes foram descritos na literatura. Nenhum deles descreveu as características da dermatoscopia.

A patogênese ainda é incerta. A hipótese de trauma é considerada como um possível fator relacionado à sua carcinogênese, já que gera maior sensibilidade à exposição solar, devido a baixa vascularização e elasticidade do tecido lesado. Tais alterações, consequentemente, poderiam resultar em deficiência nutricional localizada, irritação crônica e liberação prolongada de toxinas, levando à mutação celular.1,5,6

As características dermatoscópicas mais comumente observadas no CBC são os vasos arboriformes (59%), estruturas brancas brilhantes (49%) e grandes ninhos ovoides cinza-azulados (34%).7 Em nossos casos, observamos áreas brancas brilhantes, glóbulos cinza-azulados e vasos arboriformes em apenas um deles.

É importante estabelecer as margens seguras do tumor, tanto clinicamente quanto com o auxílio da dermatoscopia, para a sua remoção completa. Em nossos casos, foi difícil estabelecer com precisão as margens tumorais devido ao pigmento, tanto clinicamente quanto com a dermatoscopia, resultando em um maior número de fases em que a cirurgia de Mohs foi realizada.

Embora nossos casos sejam os primeiros descritos com características dermatoscópicas, podemos concluir que a dermatoscopia não contribuiu para uma boa delimitação das margens do tumor.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Emerson Henrique Padoveze | 0000-0003-1106-0992
Contribuição no artigo: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Nilton Gioia Di Chiacchio | 0000-0001-5944-7737
Contribuição no artigo: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Thais Cardoso Pinto | 0000-0001-9907-6141
Contribuição no artigo: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Aarão Andrade Napoleão Lima | 0000-0003-0648-6884
Contribuição no artigo: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Gabriel Lucchesi de Santana | 0000-0001-6406-2831
Contribuição no artigo: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.

 

REFERÊNCIAS

1. Lee JS, Park J, Kim SM, Yun SK, Kim HU. Basal cell carcinoma arising in a tattooed eyebrow. Ann Dermatol. 2009;21(3):281-4.

2. Goldstein IV. Complications from tattoos. J Dermatol Surg Oncol 1979;5(11):869-78.

3. Doumat F, Kaise W, Barbaud A, Schmutz JL. Basal cell carcinoma in a tattoo. Dermatology. 2004;208(2):181-2.

4. Bashir AH. Basal cell carcinoma in tattoos: report of two cases. Br J Plast Surg. 1976;29(4):288-90.

5. Wiener DA, Scher RK. Basal cell carcinoma arising in a tattoo. Cutis 1987;39(2):125-6.

6. Paprottka FJ, Krezdorn N, Narwan M, et al. Trendy tattoos maybe a serious health risk? Aesthet Plast Surg. 2018;42(1):310-21.

7. Reiter O, Mimouni I, Dusza S, Halpern AC, Leshem YA, Marghoob AA. Dermoscopic features of basal cell carcinoma and its subtypes: a systematic review. J Am Acad Dermatol. Epub 2019 Nov 7.


Licença Creative Commons All content the journal, except where identified, is under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International license - ISSN-e 1984-8773