5061
Views
Open Access Peer-Reviewed
Revisão

Microinfusão de medicamentos na pele (MMP®): uma visão geral, revisão de indicações e perfil de segurança

Luisa Preisler1; Luciana Gasques de Souza2; Marisa Gonzaga da Cunha2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201241469

Data de recebimento: 10/09/2020
Data de aprovação: 01/12/2020
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
Trabalho realizado em Clínica Privada, São Paulo (SP), Brasil
Agradecimentos: À Dra. Ludmilla Cardoso Gomes pela leitura e revisão do artigo


Abstract

A microinfusão de medicamentos na pele (MMP®) é uma técnica descrita por Arbache em 2013, que utiliza uma máquina de tatuagem para infundir medicações na pele com intuito de tratar doenças. Este trabalho visa a revisar a literatura e elencar as indicações já publicadas bem como as drogas utilizadas no procedimento e seu perfil de segurança. Apesar de ser amplamente difundida entre os dermatologistas atualmente, a microinfusão de medicamentos na pele (MMP®) requer análise criteriosa, pois muitas indicações carecem de literatura científica. Mesmo sendo uma técnica promissora, maiores estudos são necessários para consolidar as indicações e avaliar o perfil de segurança.


Keywords: Pesquisa e Novas Técnicas; Tatuagem; Vias de Administração de Medicamentos


INTRODUÇÃO

A introdução de princípios ativos na derme ainda é um obstáculo. As medicações de uso tópico têm penetração variável de acordo com a espessura da camada córnea e, apesar de a infiltração intralesional ser um método eficiente (pois rompe a barreira cutânea e entrega as substâncias diretamente no local desejado), apresenta alguns pontos negativos, como a aplicação técnico-dependente (dificuldade de aplicação em microdoses, dificuldade em uniformizar a quantidade e a profundidade da aplicação do princípio ativo), difícil tratamento de áreas extensas ou muito superficiais e dor.1

Alguns autores propuseram métodos visando à solução destas adversidades. Shelley na década de 90 sugeriu o tratamento de verrugas com aplicação de bleomicina seguida de múltiplas puncturas com agulha no local com boa resposta terapêutica.2 España e posteriormente Naeini aventaram o uso de bleomicina seguida de puncturas com agulha em queloides e cicatrizes hipertróficas3,4, também com bom resultado. Sadeghinia em 2012 teve sucesso no tratamento de queloides com aplicação de 5-fluorouracil pré e pós-puncturas com agulha.5

O primeiro caso descrito de uso da técnica de MMP® foi com a microinfusão de bleomicina em lesões queloideanas.1 Depois disso, surgiram diversos outros relatos, como uso da técnica para tratamento de alopecia androgenética6, leucodermia gutata7 e psoríase8, dentre outros (Quadro 1).

Este trabalho tem por objetivo fazer uma revisão de literatura com as indicações já publicadas, drogas utilizadas e perfil de segurança desta nova modalidade de tratamento.

 

MMP®: UMA VISÃO GERAL

A microinfusão de medicamentos na pele (MMP®) é uma técnica descrita por Arbache e Godoy em 2013, que utiliza uma máquina de tatuagem para infundir medicações na pele, com intuito de tratar diversas doenças. Sua realização demanda o uso de máquina de tatuagem, biqueiras e agulhas. Existem centenas de modelos, uma delas com certificação da ANVISA para uso médico. São alimentadas por fontes de energia simples, muitas com velocidade de operação ajustável. As agulhas são disponibilizadas em embalagens lacradas e esterilizadas e são constituídas por número variável de microagulhas maciças de diâmetro fino, dispostas paralelamente entre si ou de forma circular. O comprimento das agulhas é ajustável de 0,1 a 2mm, na dependência da espessura da epiderme e da condição a ser tratada. Quando a máquina está ligada, as agulhas entram em rotação em um movimento de “vai e vem” que permite a aspiração do medicamento; tangido pela capilaridade, o mesmo fica acumulado em um recipiente superior à ponteira de aplicação. O desenho da extremidade distal das agulhas permite que o médico aplicador trate precisamente áreas arredondadas e pequenas ou áreas lineares de grandes dimensões. Quando as agulhas, embebidas pelo medicamento, penetram a pele, o mesmo é “empurrado” para o meio intercelular, tangido pela força de cisalhamento. O espaço entre as agulhas permite que haja áreas de pele sã entre locais de pele tratada, favorecendo a reepitelização, semelhante ao que ocorre em um fracionamento delicado.1

A droga injetada percutaneamente tem potente efeito local e obtém resposta terapêutica, evita o metabolismo de primeira passagem hepática e atinge a circulação sistêmica em concentração baixa indetectável.8

 

REVISÃO DAS INDICAÇÕES

Arbache e Godoy publicaram em 2013 um estudo para o tratamento de queloides comparando MMP® com soro fisiológico e bleomicina. No primeiro caso, a lesão foi dividida em três segmentos; no da esquerda infundiu-se bleomicina; no central não foi feito qualquer tratamento; e no da direita fez-se infusão de soro fisiológico a 0,9%. Foram feitas duas infusões com intervalo de 30 dias. No segundo caso, dividiu-se a lesão em dois segmentos; no da direita infundiu-se bleomicina e no da esquerda, soro fisiológico a 0,9%, sendo realizada apenas uma infusão. Em ambos os casos, pôde-se observar visualmente e à palpação a melhora na espessura das lesões, sendo que na área tratada com bleomicina a redução foi mais significativa. As biópsias das áreas tratadas demonstraram microscopicamente superioridade na redução da espessura do queloide nas áreas tratadas com bleomicina comparativamente às com soro fisiológico.1

Contin em 2016 descreveu dois casos de tratamento de alopecia androgenética com a técnica de MMP®; em um foi infundido minoxidil 0,5% (solução injetável estéril) e no outro foram feitas apenas as micropuncturas. Para os procedimentos, foi utilizado o aparelho para tatuagens da marca Cheyenne® (Alemanha Anvisa: 80281110016), e cartucho com 17 microagulhas enfileiradas. A profundidade foi regulada manualmente em 1,5mm, sendo o procedimento finalizado com observação de orvalho sangrante em toda a área tratada. O paciente que recebeu a MMP® juntamente com o minoxidil foi submetido a quatro sessões mensais e o paciente que recebeu apenas a MMP® foi submetido a três sessões. Houve resposta parcial e cosmeticamente satisfatória em ambos os casos, sem significância estatística.6

Okita et al descreveram em 2018 quatro casos de tratamento de psoríase com MMP® utilizando metotrexato ou ciclosporina (dois com cada medicação). Trataram-se pacientes com psoríase de moderada a severa e lesões resistentes a outras terapias. O trabalho demonstrou boa tolerabilidade sem efeitos colaterais, com resposta rápida e eficácia tanto nas lesões tratadas quanto à distância, em lesões que não receberam a aplicação.8

Arbache et al em 2018 reportaram a análise preliminar de oito pacientes que completaram o ensaio clínico randomizado para o tratamento de leucodermia gutata com MMP® e 5-fluorouracil (5-FU). A intervenção foi realizada com a máquina de tatuagem Cheyenne®. No estudo, as lesões localizadas em uma perna foram tratadas com a técnica de MMP® com placebo (soro fisiológico) e na outra perna com a mesma técnica, porém com uso de 5-FU. Houve repigmentação nas lesões de ambas as pernas, porém naquela tratada com 5-FU, a repigmentação foi estatisticamente mais significante (75,3% de repigmentação no grupo do 5-FU vs. 33,8% no grupo placebo, P <.001). Dois pacientes foram submetidos à biópsia 40 dias após o procedimento, que demonstrou numerosos melanócitos na área tratada com 5-FU.7

Wambier em 2018 descreve também uma série de casos, todos tratados com máquina de tatuagem e cartuchos de agulhas descartáveis, variando o uso das agulhas de duas fileiras de 27 agulhas (magnum-27) para grandes superfícies até uma única agulha para tratamento de maior precisão. A unidade de energia foi ajustada para 140Hz, e as agulhas foram mantidas úmidas pela inserção repetida no líquido utilizado para cada caso. Este artigo relatou uma série de casos de uso do MMP® combinado com as seguintes medicações para tratamento das respectivas patologias: cinco casos de uso de 5-FU para tratamento de leucodermia gutata (foi realizada uma sessão, com avaliação dois meses após), dois casos de tratamento de verrugas com bleomicina (uma sessão, com avaliação dois meses após), dois casos de vitiligo com uso de acetato de triancinolona (uma sessão, com avaliação dois meses após), cinco casos de alopecia androgenética com uso de dutasterida e minoxidil (três sessões mensais, avaliação após três meses), três casos de cicatrizes superficiais tratadas com 5-FU (uma sessão, avaliação dois meses após), dois casos de estrias rubras desencadeadas por prótese mamária, tratadas com ácido hialurônico (três sessões mensais, avaliação após três meses), todos com boa resposta.9

Arbache et al descreveram em 2019 um caso de repigmentação de cicatriz acrômica decorrente de remoção de tatuagem a laser com uso da MMP® combinada com 5-FU. Foram realizadas cinco sessões, com intervalos mensais, com repigmentação completa da cicatriz, com resposta sustentada na reavaliação do caso após três anos.10

 

PERFIL DE SEGURANÇA

Uma das principais questões com relação à segurança da técnica MMP® é a quantificação da medicação que é entregue quando se utiliza este procedimento. Apesar de diferenças relatadas na literatura, um estudo recente (2019) de Arbache et al estimou que o valor médio seja de 1,175µg/cm2. Isto demonstra a superioridade da técnica, ao permitir injetar uma quantidade tão pequena de medicação em uma superfície de 1cm2, com relação ao uso de seringas. Com relação à farmacocinética das drogas injetadas na pele, seja por seringas, dispositivos de tatuagem, rollers ou laser de CO2 fracionado, a absorção sistêmica destas é inegável, embora possam existir diferenças no trajeto percorrido pela mesma (sanguínea ou linfática) que é dependente da técnica, natureza química e peso molecular da droga. Um critério fundamental a ser considerado na escolha de uma medicação para ser utilizada no drug delivery é se a mesma e o seu respectivo veículo possuem respaldo para aplicação sistêmica e intradérmica.11

 

DISCUSSÃO

Uma nova técnica de drug delivery vem se difundindo na prática dermatológica atualmente: a MMP®. Nesta técnica, as agulhas da máquina de tatuagem transferem, ao invés de tinta, medicamentos para dentro da pele. Neste caso, o microagulhamento e a infusão ocorrem simultaneamente. A profundidade da agulha é ajustada gradualmente até que um orvalho sangrante brando seja obtido, o que é uma indicação de que a derme foi alcançada.7 Esta técnica promissora se adequa ao tratamento de várias condições dermatológicas, superando a barreira mecânica córnea que prejudica a aplicação tópica do medicamento (espalhamento superficial) e os efeitos indesejados do bolus de medicamento obtido com a infiltração intralesional.9 Patologias como leucodermia gutata, xantelasma, verrugas virais, vitiligo, alopecia androgenética, cicatrizes superficiais, estrias e psoríase são descritas com resultados que motivam estudos futuros.8,9

Apesar de amplamente difundida entre os dermatologistas atualmente, a microinfusão de medicamentos na pele (MMP®) requer uma análise criteriosa já que algumas indicações realizadas rotineiramente na prática carecem de literatura com evidência científica. O que existe são relatos de casos sobre o tratamento de queloides, verrugas virais, vitiligo, alopecia androgenética, psoríase, estrias, cicatrizes superficiais, cicatrizes acrômicas bem como a análise preliminar de um estudo clínico randomizado7 para tratamento de leucodermia gutata com oito pacientes.

Em se tratando de segurança da técnica, existe apenas um estudo11 publicado por Arbache et al em 2019, que discorre sobre o volume de medicação que é entregue a cada cm2 pela MMP®, porém ainda não existem estudos que demonstrem e quantifiquem a segurança e farmacocinética sistêmica das drogas utilizadas.

 

CONCLUSÃO

A microinfusão de medicamentos na pele (MMP®) é uma técnica promissora, porém são necessários mais estudos para consolidar as suas indicações. Poucos foram publicados até o momento, não havendo por enquanto uma padronização dos medicamentos a serem utilizados, de sua dose total e da profundidade de aplicação. Há ainda uma discussão sobre o que realmente funciona: se é simplesmente o trauma causado pelas puncturas, a infusão do medicamento ou ambos.

Além destas questões, são muito pertinentes as considerações sobre possíveis contraindicações, complicações relacionadas à técnica e aos medicamentos e sobre a absorção sistêmica e eliminação das drogas utilizadas durante o procedimento.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Luisa Preisler | 0000-0002-1600-9953
Contribuição no artigo: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Luciana Gasques de Souza | 0000-0001-5160-7572
Contribuição no artigo: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Marisa Gonzaga da Cunha | 0000-0002-4186-0643
Contribuição no artigo: Concepção e planejamento do estudo.

 

REFERÊNCIAS

1. Arbache S, Godoy C. Microinfusão de medicamentos na pele através de máquina de tatuagem. Surg Cosmet Dermatol. 2013;5(1):70-74.

2. Shelley WB, Shelley ED. Intralesional bleomycin sulfate therapy for warts. Arch Dermatol. 1991;127(2):234-6.

3. España A, Solano T, Quintanilla E. Bleomycin in the treatment of keloids and hypertrophic scars by multiple needles punctures. Dermatol Surg. 2001;27(1):23-7.

4. Naeini FF, Najafian J, Ahmadpour K. Bleomycin tattooing as a promising therapeutic modality in large keloids and hypertrophic scars. Dermatol Surg. 2006;32(8):1023-30.

5. Sadeghinia A, Sadeghinia S. Comparison of the efficacy of intralesional triamcinolone acetonide and 5-fluorouracil tattooing of the treatments of keloids. Dermatol Surg. 2012;38(1):104-9.

6. Contin LA. Alopecia androgenética masculina tratada com microagulhamento isolado e associado a minoxidil injetável pela técnica de microinfusão de medicamentos pela pele. Surg Cosmet Dermatol. 2016;8(2):158-61.

7. Arbache S, Roth D, Steiner D, Breunig J, Michalany NS, Arbache ST, et al. Activation of melanocytes in idiophatic guttate hypomelanosis after 5-fluorouracil infusion using a tattoo machine: preliminary analysis of a randomized, split-body, single blinded, placebo controlled clinical trial. J Am Acad Dermatol. 2018;78(1):212-15.

8. Okita AL, Arbache S, Roth DMP, Souza LG, Colferai MMT, Steiner D. Tratamento de psoríase vulgar pela microinfusão de medicamentos na pele (MMP®) usando ciclosporina e metotrexato. Surg Cosmet Dermatol. 2018;10(1):80-4.

9. Wambier C. Dermatologic treatments with microinfusion of drugs into the skin with tattoo equipment: teaser series. J Am Acad Dermatol. 2018;79(3 Suppl 1):AB103.

10. Arbache S, Roth D, Arbache ST, Hirata SH. Original method to repigment achromic laser tattoo removal scars. Case Rep Dermatol. 2019;11(2):140-4.

11. Arbache S, Mattos EDC, Diniz MF, Paiva PYA, Roth D, Arbache ST, et al. How much medication is delivered in a novel drug delivery technique that uses a tattoo machine? Int J Dermatol. 2019;58(6):750-5. Epub 2019 Mar 3.


Licença Creative Commons All content the journal, except where identified, is under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International license - ISSN-e 1984-8773