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Relato de caso

Condiloma acuminado na infância tratado com creme de imiquimode a 5%: relato de caso

Mayara Teixeira Cruz1; Nathalia Augusta Grigoli Zardo Alves1 Beatriz Poliseli Cernescu1; Cássio Rafael Moreira1; Lígia Márcia Mário Martin1,2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201242555

Data de recebimento: 25/03/2020
Data de aprovação: 12/11/2020

Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia, Autarquia Municipal de Saúde de Apucarana - Apucarana (PR), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.


Abstract

O condiloma acuminado é causado pelo DNA-vírus, que pertence ao grupo papovavírus. Em menores de três anos, a transmissão tende a não ser por abuso sexual, mas, sim, de maneira vertical. Não existe consenso para o tratamento das verrugas anogenitais em crianças. O método escolhido é individualizado para o paciente, sendo a preferência por tratamentos menos traumáticos, com menor sequela. Embora ainda existam algumas restrições ao uso do imiquimode em menores de 12 anos, estudos já mostram o sucesso desta terapêutica nesta faixa etária. Será descrito um caso tratado com imiquimode creme a 5%, com resolução das lesões preexistentes.


Keywords: Condiloma Acuminado; Infecções por Papillomavirus; Verrugas


INTRODUÇÃO

O condiloma acuminado é causado pelo DNA-vírus, que pertence ao grupo papovavírus, também conhecido como HPV.1 Está associado aos tipos virais 6, 11, 30, 42, 43, 44, 45, 51, 52, 54, sendo possível existir mais de um subtipo em uma lesão.2 No exame físico, é caracterizado como uma lesão vegetante, com pápulas sésseis (vistas na rafe do pênis), rosada, úmida, com projeções que podem lembrar uma couve-flor, localizada em região genital e perigenital, podendo acometer mucosa uretral, retal ou vaginal. Estudos mostram que a associação entre o HPV e abuso sexual aumenta diretamente com a idade, principalmente depois dos cinco anos.3

A maior parte dos estudos evidencia que infecção pelo HPV na infância não significa necessariamente contato sexual e devem ser consideradas outras formas de contaminação.4 Foi realizado um estudo com 42 crianças pré-púberes com condiloma anogenital mostrando que 28,6% delas adquiriram o HPV por transmissão vertical, 7,1% resultaram da autoinoculação de verrugas localizadas nas mãos, e apenas 4,8% associaram-se ao abuso sexual.3

O tratamento do condiloma acuminado na infância requer maior atenção, pois os procedimentos ablativos e as cirurgias a laser são dolorosos e, na grande maioria, necessitam de anestesia geral. Entre outras opções de tratamento encontra-se o imiquimode tópico a 5%, mesmo ainda não sendo totalmente definido seu uso na infância, diferente da população adulta que responde bem à terapêutica, tendo uma resolução favorável de suas lesões.5

 

RELATO DO CASO

Paciente masculino, um ano e seis meses. Acompanhante (mãe) refere lesões perianais e em escroto há seis meses, com aumento progressivo das mesmas em número e tamanho. Ao exame físico, foram observadas pápulas eritematosas em região escrotal e inguinal, outras confluentes formando uma placa de aspecto vegetante, com coloração rósea, acometendo região perianal (Figura 1). Nascido de parto normal, a termo e sem intercorrências. Mãe com história de câncer de ovário nega lesões genitais ou extragenitais. O pai e os dois irmãos foram avaliados também, sem evidências de lesões suspeitas. Foram solicitadas sorologias (sífilis, HIV, hepatites B e C) de paciente e dos pais, todas negativas. Em seguida, foram encaminhados ao médico-legista sendo descartado abuso sexual pelo mesmo. Paciente encaminhado ao cirurgião pediátrico para avaliação e realização de biópsia. Enquanto aguardava-se a consulta com o profissional, decidimos iniciar imiquimode creme a 5%, duas vezes por semana, e em três semanas já foi observada importante melhora da lesão vegetante e papulosa. Como efeito adverso, foi observado eritema moderado (Figura 2), sendo o tratamento realizado até completarem-se sete semanas (Figura 3).

 

DISCUSSÃO

O condiloma acuminado aparece em 10% dos casos de infecção sexualmente transmissível (IST). Quando encontrado na infância, terá que haver a suspeição de um indício de abuso sexual.3 Os casos de verrugas anogenitais estão tendo aumento progressivo em crianças, mas parece ser devido a um aumento de lesões nas mulheres adultas.4

Quando encontrado na faixa etária de crianças com menos de três anos, a transmissão tende a ser de outras formas, sendo a mais comum a de maneira vertical (passagem no canal do parto), já que o período de incubação descrito por alguns autores é de um a três anos, ou ocorrer por meio de uma infecção ascendente. Também há casos de auto e heteroinoculação e, ainda, por fômites. Mesmo não sendo a forma mais comum naquela faixa etária referida, não se deve deixar de afastar o abuso sexual em qualquer caso de condiloma acuminado.3,4 Na suspeita de abuso sexual, a abordagem deve ser realizada. Caso haja confirmação, o Conselho Tutelar terá que ser acionado junto à assistência social. É importante que o exame físico seja completo, tentando excluir verrugas em outras regiões.3

Em se tratando de condiloma acuminado, existem vários tipos de tratamentos, entre eles, a excisão cirúrgica e o laser de C02, além dos tratamentos tópicos com o uso de imiquimode creme 5%. Orienta-se a aplicação na área afetada três vezes por semana, até completarem-se 16 semanas, gerando uma irritação e inflamação, com resolução das lesões. Outro tratamento tópico utilizado é o creme de 5-fluorouracil a 5% que possui a recomendação do uso diário até surgir irritação. E ainda a podofilina 25%, que é aplicada sobre as lesões e lavada depois de quatro horas, sendo esta contraindicada em crianças e gestantes.6 Outras opções existentes seriam: cauterização química com ácido tricloroacético a 50-70%, criocirurgia e shaving com eletrocoagulação da base.7

Todos os tratamentos referidos anteriormente são realizados de forma efetiva e segura na população adulta, mas ao se tratar condiloma na infância o ideal seria que o mesmo tivesse um baixo custo, fosse efetivo e tivesse ausência de traumas, sendo que todas essas características ainda não são disponíveis a toda população pediátrica. Os tratamentos mais usados são a destruição química ou mecânica das lesões por meio da criocauterização, eletrocauterização ou alça diatérmica, todos dolorosos e, na grande maioria, exigindo anestesia geral. Alguns estudos mostram eficácia e segurança com o tratamento tópico com imiquimode creme a 5% em menores de 12 anos, mesmo ainda não sendo totalmente definido seu uso nesta faixa etária.7,8 O método escolhido é individualizado para cada paciente, tendo a preferência por tratamentos menos traumáticos, que evoluirão com menos sequelas. 8

O imiquimode é um imunomodulador tópico, agonista dos receptores toll like 7, que pode mediar a resposta imune inata e celular e estimular a produção do interferon (IFN) e citocinas que levam à destruição do colágeno. Além disso, tem ação nas células apresentadoras de antígenos, mostrando os antígenos do HPV com maior efetividade aos linfócitos T CD4+. Além de inibir a replicação do HPV em 90%, diminuindo assim a carga viral, evita recidivas por meio da liberação de citocinas, do fator de necrose tumoral alfa e do IFN-alfa.1

O efeito do imiquimode imita a resposta imune normal, aumentando a liberação do IFN, que é antiviral, tendo como efeito evitar a proliferação e a angiogênese, e também aumentar a quantidade de RNA mensageiro dos linfócitos T CD4+ no local. Ainda pode ter o efeito de memória imunológica anti-HPV, reduzindo assim, de forma significativa, as recidivas das lesões.1

Ao utilizar esta medicação tópica no período da infância, estes pacientes não terão desvantagens como a dor. Além disso, podem ter o tratamento realizado em suas próprias casas, sendo uma medicação com poucos efeitos adversos. Entre esses efeitos, é possível que surjam eritema, prurido, queimação, erosão e uma maior sensibilidade no local da aplicação. Ainda que bastante incomuns, os pacientes também poderão apresentar sintomas sistêmicos como: fadiga, febre, mialgia, alterações do sistema nervoso central e periférico e sintomas gastrointestinais.5

Em um estudo realizado, foi possível observar o sucesso no tratamento de crianças de seis meses e 19 meses após aplicação do imiquimode por três e oito semanas, respectivamente. Apesar de terem tido eritema ao redor das lesões com frequência, nenhum outro efeito adverso de importância aconteceu nestes casos, assim como neste caso relatado.5

Por meio deste caso de condiloma acuminado na infância, em que foi obtido o sucesso terapêutico com o uso do creme de imiquimode a 5%, mostrou-se ser esta uma boa alternativa aos tratamentos convencionais em que, na maioria das vezes, associam-se a dor e até mesmo sequelas e traumas às crianças tratadas.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Mayara Teixeira Cruz | 0000-0002-5069-0519
Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Nathalia Augusta Grigoli Zardo Alves | 0000-0003-1635-6493
Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

Beatriz Poliseli Cernescu | 0000-0001-5417-1815
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Cássio Rafael Moreira | 0000-0002-8781-1505
Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Lígia Márcia Mário Martin | 0000-0002-0891-0613
Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

1. Azulay RD, Azulay DR, Azulay-Abulafia L. Azulay Dermatologia. 6th ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2015. p. 447-8 e p. 1011.

2. Belda Júnior W, Di Chiacchio N, Criado PR. Tratado de dermatologia. 2nd ed. São Paulo: Atheneu; 2014. p. 1135 e p.1936.

3. Drezett J, Vasconcellos RM, Pedroso D, Toledo Blake MT, Oliveira AG, Abreu LC. Transmissão de verrugas anogenitais em crianças e associação com abuso sexual. J Human Growth Develop. 2012;22(1):1-11.

4. Hornor G. Ano-Genital warts in children: sexual abuse or not? J Pediatr Health Care. 2004;18(4):165-70.

5. Brandt HRC, Fernandes JD, Patriota RCR, Criado PR, Junior WB. Tratamento do papiloma vírus humano na infância com creme de imiquimode a 5%. An Bras Dermatol. 2009;84(5):549-53.

6. Moresi JM, Herbert CR, Cohen BA. Treatment of anogenital warts in children with topical 0,05% podofilox gel and 5% imiquimod cream. Pediatr Dermatol. 2001;18(5): 448-52.

7. Rehme MFB, Carvalho NS, Ihlenfeld MFK, Chuery ACS. Condiloma acuminado em crianças e adolescentes. Rev Bras Ginec Obst. 1998;20(7):377-80.

8. Veasey JV, Antonia MD, Miguel BAF, Mayor SAS, Campaner AB, Manzione TS. Anogenital condylomas in children: descriptive analysis of 20 cases. Surg Cosmet Dermatol. 2017;9(2):130-3.


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