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Relato de caso

Abordagem cirúrgica do tumor de Köenen: relato de um caso e revisão da literatura

Amanda Bertazzoli Diogo; José Roberto Pegas; Mariana de Freitas Valente; Cristina Santos Ribeiro Bechara

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201241506

Data de recebimento: 20/12/2019
Data de aprovação: 25/08/2020

Trabalho realizado no Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos, Garulhos (SP), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.
Agradecimentos: Aos nossos preceptores, em especial à Maria do Rosário Vidigal, pelos ensinamentos e incentivo.


Abstract

Os tumores de Köenen são fibromas ungueais que constituem um dos principais critérios diagnósticos da esclerose tuberosa. Caracterizam-se por pápulas alongadas e afiladas, firmes, de superfície lisa, base alargada, levemente eritematosas e de tamanhos variados, mais comuns nas unhas dos pododáctilos. As lesões são consideradas um problema estético e funcional, podendo ocasionar deformidades, dor e sangramento. Quanto ao tratamento, existem diversas opções, entretanto não há consenso na literatura sobre a melhor delas. Relatamos um caso tratado cirurgicamente, com ótimo resultado, e descrevemos as vantagens e desvantagens de cada modalidade terapêutica atual.


Keywords: Esclerose Tuberosa; Fibroma; Procedimentos Cirúrgicos Dermatológicos; Unhas


INTRODUÇÃO

Também conhecida como epiloia ou facomatose de Pringle-Bourneville, a esclerose tuberosa (ET) é uma doença neurocutânea genética rara e multissistêmica, que pode cursar com hamartomas em pele, sistema nervoso central, rins e pulmões.1

No contexto dessa doença autossômica dominante, sabe-se que metade das famílias acometidas está ligada ao cromossomo 9q34, com mutações inativadoras dos genes supressores tumorais da proteína hamartina (TSC1), e, a outra metade, ao cromossomo 16p13, causando mutações inativadoras dos genes supressores tumorais da proteína tuberina (TSC2). O complexo hamartina-tuberina é um importante inibidor do crescimento tumoral e sua ausência desencadeia a perda da inibição sobre a proliferação e a migração celular.2

Entre as alterações cutâneas mais comuns estão os angiofibromas faciais, placas fibróticas (placas de Shagreen), fibromas periungueais (tumores de Köenen), máculas hipocrômicas em formato de folhas (ash leaves) e placa fibrosa frontal.1,2 Muitos pacientes apresentam como única manifestação cutânea da doença os fibromas ungueais, de modo que sua presença no exame físico dermatológico deve levantar a suspeita clínica da doença.3

Além do tumor de Köenen (TK), são descritas outras alterações ungueais na ET, tais como: hiperceratose subungueal, leuconíquia longitudinal avermelhada e esbranquiçada, estilhaços hemorrágicos e sulcos longitudinais. Acredita-se que a presença de estrias longitudinais avermelhadas e/ou esbranquiçadas, além dos fibromas ungueais, aumenta muito a suspeição de ET.4

Outros achados importantes incluem convulsões, retardo mental, nódulos subependimais, hamartomas retinianos e de outros órgãos.2 Apesar da excisão cirúrgica ser preferível para os fibromas ungueais5, há outras terapêuticas disponíveis. Entretanto, há poucos estudos comparando a eficácia e as desvantagens das diferentes modalidades terapêuticas.

 

RELATO DO CASO

Paciente de 38 anos, feminino, queixava-se de lesões ungueais de crescimento progressivo nas unhas das mãos e dos pés desde a segunda década de vida, ocasionando sangramentos locais após mínimos traumas, dor e deformidades, impossibilitando o uso de calçados fechados e a manipulação de objetos. Negava comorbidades e relatava pai com ET.

As lesões ungueais apresentavam-se como pápulas alongadas e afiladas, firmes, de superfície lisa, base alargada, levemente eritematosas e tamanhos variados, em todos os pododáctilos e alguns quirodáctilos (Figuras 1-3). Quanto à localização, a maioria possuía implantação na dobra proximal e uma pequena parte, nas dobras laterais. Algumas lâminas ungueais demonstravam linhas longitudinais e depressões canaliculares de extensão variável, com algumas finas estrias esbranquiçadas (Figura 1). Nos membros, havia múltiplas manchas hipocrômicas em formato de folha (ash leaves), além de lesões lenticulares homocrômicas, em confete. Na face, notavam-se pápulas achatadas, normocrômicas, isoladas e coalescentes, especialmente nas regiões malares e de dorso nasal, sugestivas de angiofibromas. Na região abdominal e dorsal, apresentava máculas hipocrômicas, medindo até cerca de 20cm.

O anatomopatológico das lesões ungueais foi compatível com fibroqueratomas digitais; na face, com angiofibromas; e as manchas hipocrômicas do tórax, com nevos acrômicos. A tomografia computadorizada (TC) do crânio mostrou displasias e fibromas corticais, sem outras alterações. Portanto, diante das lesões cutâneas e ungueais, dos exames complementares e da história familiar, o diagnóstico de ET foi estabelecido.

Optou-se pela exérese cirúrgica das lesões ungueais, sendo retirados quatro tumores em cada tempo cirúrgico. Foram abordadas as unhas das mãos e do pé esquerdo. Os fibromas localizados na dobra posterior foram excisados através do rebatimento da lâmina ungueal por meio de duas incisões paralelas ao nível da junção das dobras posterior e lateral. Uma vez rebatida, foi visualizada a origem da implantação tumoral, procedendo-se ao descolamento das mesmas, com auxílio de espátulas dentárias, até sua total remoção. No pós-operatório (Figura 4), a paciente seguiu as orientações quanto a repouso, limpeza e curativos, evoluindo satisfatoriamente, com bons resultados estético e funcional (Figuras 5-7). A paciente mantém seguimento para continuidade do tratamento cirúrgico.

 

DISCUSSÃO

Os TKs são hamartomas ungueais localizados principalmente nos pododáctilos, mais comuns no sexo feminino e com surgimento principalmente a partir da segunda década de vida. Podem aumentar em tamanho progressivamente, comprimindo a matriz ungueal e ocasionando alterações como depressões ungueais longitudinais.1 São classificados em peri ou subungueais, sendo os primeiros mais comuns.6 Trata-se de uma manifestação benigna cutânea da ET, presente em cerca de 50% dos pacientes.7 Traumas e pressão exercida pelos calçados são fatores desencadeantes, o que justifica a localização mais comum nos pés.3

As diversas opções de tratamento incluem exérese cirúrgica, laser de CO2, shaving seguido de fenolização7, rapamicina tópica8 e até mesmo amputação ungueal.2 Há divergências na literatura sobre qual a melhor opção terapêutica.7 Cada modalidade apresenta vantagens e desvantagens e, em relação à taxa de recorrência após os tratamentos propostos, não há dados consistentes na literatura, embora acredite-se que técnicas que preservam a matriz possam apresentar recorrências significativas.7

Para a escolha do tratamento ideal, deve-se considerar a localização do tumor (mãos ou pés), idade do paciente, queixa principal (dor, desconforto ou alteração cosmética), ciclo de vida do tumor (primário ou recorrente), quantidade de lesões presentes e comorbidades.7

A excisão cirúrgica das lesões é efetiva e de baixo custo, não necessitando de aparelhos específicos. Esse tratamento é preferível em pacientes com baixo risco cirúrgico, tumores recorrentes, grandes e múltiplos, sobretudo nos pés. O resultado estético costuma ser satisfatório.7 Diante do exposto, a cirurgia foi escolhida no caso descrito devido ao risco cirúrgico mínimo, presença de lesões grandes e múltiplas, principalmente nos pés, além de deformidades ungueais e necessidade de resolução funcional.

Em relação às demais modalidades terapêuticas, tem-se o laser de CO2, que direciona feixes de ondas de luz até a completa vaporização do tumor. Possui baixo risco de sangramento, curta duração (cerca de 10 segundos por lesão), além de resultado estético satisfatório e ótima cicatrização. Pode ser uma boa escolha para pacientes com contraindicação cirúrgica, lesões pequenas e em moderada quantidade, sobretudo nas mãos.4,5

A excisão em shaving seguida de fenolização envolve a retirada da porção protuberante do tumor e aplicação do fenol na base da lesão. Esse método permite a preservação da matriz e da placa ungueal, sendo mais utilizado em pacientes com alto risco cirúrgico, que priorizam o resultado estético, e em portadores de tumores pequenos e preferencialmente localizados nas mãos.7 Complicações possíveis são necrose, infecção e deformidades da dobra e placa ungueal, que são raras.9 Não escolhemos essa opção devido ao alto risco de agravar a distrofia ungueal.

Para TKs agressivos, recorrentes e com alto grau de morbidade, a amputação dos aparelhos ungueais e a reconstrução por enxerto cutâneo de espessura total apresenta possibilidade de resultado efetivo.2

Outra opção é a rapamicina, que pertence à classe dos imunossupressores. Essa medicação atua inibindo a mTOR (mammalian target of rapamycin), suprimindo os fatores de crescimento vascular e destruindo células tumorais. O seu uso tópico apresenta bons resultados para o tratamento dos fibromas subungueais. É considerado seguro e bem tolerado, com rápida involução da lesão. Foi descrito o seu uso duas vezes ao dia, propiciando melhora inicial do quadro clínico em apenas dois meses e desaparecimento total das lesões após seis meses.8

 

CONCLUSÃO

Até o momento, não há tratamento padrão-ouro na literatura para o TK.7 A decisão deve ser baseada nas vantagens e desvantagens de cada método. Citamos o caso de uma paciente tratada com sucesso após abordagem cirúrgica dos fibromas, apresentando cicatrização, resultados estético e funcional excelentes, sem complicações e sem recidiva das lesões nos oito primeiros meses de seguimento.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Amanda Bertazzoli Diogo | 0000-0002-2708-3139
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

José Roberto Pegas | 0000-0002-2541-6008
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Mariana de Freitas Valente | 0000-0002-6798-7116
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Cristina Santos Ribeiro Bechara | 000-0002-7723-2980
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

1. Rodrigues DA, Gomes CM, Costa IM. Tuberous sclerosis complex. An Bras Dermatol. 2012;87(2):185-97.

2. Oliveira GB, Rossi NCP, Cury DO, Coura MGG, Antonio, CR. Tumores de Köenen exuberantes: tratamento efetivo com amputação do aparelho ungueal e reconstrução com enxerto de pele de espessura total. Surg Cosmet Dermatol. 2017; 9(2):187-9.

3. Aldrich CS, Hong CH, Groves L, Olsen C, Moss J, Darling TN. Acral lesions in tuberous sclerosis complex: insights into pathogenesis. J Am Acad Dermatol. 2010; 63(2):244-51.

4. Sechi A, Savoia F, Patrizi A, Sacchelli L, Neri I. Dermoscopy of subungueal red comets associated with tuberous sclerosis complex. Pediatr Dermatol. 2019;36(3):408-10.

5. Berlin AL, Billick RC. Use of CO2 laser in the treatment of periungual fibromas associated with tuberous sclerosis. Dermatol surg. 2002;28(5):434-6.

6. Nguyen QD, DarConte MD, Hebert AA. The cutaneous manifestations of tuberous sclerosis complex. Am J Med Genet C Semin Med Genet. 2018; 178(3):321-5.

7. Liebman, JJ, Nigro, LC, Matthews, MS. Koenen tumor in tuberous sclerosis. Ann Plast Surg. 2014;73(6):721-2.

8. Muzic JG, Kindle SA, Tollefson MM. Successful treatment of subungual fibromas of tuberous sclerosis with topical rapamycin. JAMA Dermatol. 2014;150(9):1024-5.

9. Mazaira M, del Pozo Losada J, Fernández-Jorge B, Fernández-Torres R, Martinez W, Fonseca E. Shave and phenolization of periungual fibromas, Koenen's tumors, in a patient with tuberous sclerosis. Dermatol Surg. 2008;34(1):111-3.


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