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Relato de caso

Extenso queloide vulvar pós-tratamentos para condilomas genitais: relato de caso

Mariana de Oliveira Trintinalha1; Gabriele Belniowski Mendes1; Fernanda Villar Fonseca2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201241421

Data de recebimento: 07/07/2019
Data de aprovação: 02/11/2020

Trabalho realizado no Hospital Erasto Gaertner, Curitiba (PR), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.
Agradecimentos: Agradecimento especial ao paciente relatado, cujo caso trouxe a oportunidade de estudo e pesquisa sobre um assunto de grande importância.


Abstract

A infecção genital pelo papilomavírus humano ocorre em 65% das vezes após contato com pele e mucosa contaminadas. A maioria das pessoas elimina o vírus através do sistema imune. Fatores individuais, como tabagismo, idade, multiparidade, uso prolongado de contraceptivos hormonais, comportamento sexual e infecção por outras doenças sexualmente transmissíveis, ocasionam perpetuação viral e lesões genitais, em sua maior parte, assintomáticas. As regiões mais afetadas são anogenitais. O tratamento deve ser individualizado. O tratamento agressivo pode ocasionar distúrbios cicatriciais. Relatamos um caso de múltiplos tratamentos para retirada de condiloma genital com consequente formação de extenso queloide vulvar.


Keywords: Cicatriz; Cicatriz Hipertrófica; Condiloma Acuminado; Queloide


INTRODUÇÃO

O papilomavírus humano (HPV) é uma doença sexualmente transmissível (DST) muito prevalente. Os subtipos 6 e 11 causam verrugas genitais e apresentam baixo potencial para malignidade.1 O risco de transmissão de lesões verrucosas pelo contato sexual é de 65%. Após o contato com o vírus, a maioria das pessoas o elimina, porém, em alguns indivíduos, há perpetuação viral, decorrente de fatores como tabagismo, idade, multiparidade, uso prolongado de contraceptivos hormonais, comportamento sexual e infecção por outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs).2 As formas subclínicas e o desconhecimento sobre manifestações da doença aumentam o potencial de transmissão.3,4 Após contato com o HPV, há três formas de infecção: latente (detecção do DNA viral), subclínica (alteração microscópica) e clínica (visíveis, verrucosas e frequentemente em regiões anogenitais). A não manifestação macroscópica e o não conhecimento das lesões levam a potenciais transmissores.3,4 O diagnóstico implica cuidados psicológicos. O paciente pode apresentar-se culposo, punitivo, evitando o tratamento ou realizando-o exacerbadamente.2 O tratamento é individualizado e busca remoção da lesão. Deve-se orientar medidas de redução da transmissibilidade4, posteriormente medicamentos, cirurgias e imunoterapia. Condilomas vulvares podem ser tratados com o ácido tricloroacético 70 a 80% (coagulação química), podofilina (efeito antimitótico em lesões menores que 10cm2) ou imiquimode (efeito antiviral e antitumoral para lesões limitadas).8 Lesões extensas e recidivantes são tratadas, preferencialmente, cirurgicamente.5 A vaporização com laser de CO2 lesiona o tecido por meio da vaporização celular e é efetiva para lesões extensas do trato genital inferior com resolutividade de até 71%.6 Lesões volumosas que necessitam de exame histopatológico são retiradas por excisão cirúrgica.7 Tratamentos múltiplos são frequentemente empregados, o que se justifica, dadas as altas taxas de recorrência (25%). Contudo, estes podem levar a processos cicatriciais prolongados, após área extensa de solução de continuidade. Uma de suas consequências é a formação de cicatrizes queloidianas (aspecto avermelhado, irregular, pigmentado e sem respeito às margens prévias da região).7 A fisiopatogenia do queloide ainda não é esclarecida. Sabe-se que há hiperproliferação de colágeno e fibroblastos da derme, originando cicatrização exacerbada.8 Entre os fatores de risco estão raça negra/amarela, idade entre 10 e 30 anos, sexo feminino, hipertensão arterial e manipulação cirúrgica excessiva. Os locais mais afetados são abdome superior, lóbulo da orelha e região esternal. Tais cicatrizes são livres de anexos dérmicos, com aspecto liso e brilhante.8,9 Relatamos um caso de hipertrofia cicatricial após inúmeros tratamentos para exérese de condiloma genital, com formação de extenso queloide vulvar e sequelas físicas e emocionais para a portadora.

 

RELATO DO CASO

TLB, 22 anos, branca, nuligesta, em uso de anticoncepcional hormonal combinado e condom masculino, sem comorbidades, foi admitida em consultório ginecológico com história de condilomatose vulvar extensa tratada com cauterização química e termocauterização. Evoluiu com lesão vulvar pruriginosa e dolorosa. Ao exame físico vulvar, apresentava lesão fibrótica extensa, em placa, sobre clitóris, 5cm de diâmetro, estendendo-se para grandes lábios (endurecidos e fixos), e obliteração do clitóris, visto na Figura 1. Hipótese diagnóstica de queloide vulvar extenso, confirmada por biópsia, sugerindo sequela de múltiplos tratamentos. Prescrito corticosteroide de alta potência e programação de vulvectomia simples com infiltração local de grandes lábios com triancinolona injetável 20mg/ml. Ressecada lesão, sob anestesia locorregional, sem possibilidade de sutura da ferida cirúrgica devido à localização e extensão, deixando ferida cruenta para cicatrização por segunda intenção, sob cuidados de higiene e curativo oclusivo com loção oleosa, conforme visto na Figura 2. Permaneceu dois dias internada para analgesia e aprendizado dos cuidados. Ao 13º dia de pós-operatório: sem queixas, satisfeita, sem dor e apresentando ferida de boa evolução. No local, foi observada boa granulação da ferida cirúrgica, sem sinais de infecção e sem formação de novo queloide, diminuição do endurecimento dos grandes lábios e da obliteração do clitóris. No 25º dia de pós-operatório, observou-se ferida com boa evolução, diminuição do diâmetro e profundidade de área cruenta (Figura 3). No pós-operatório de 75 dias: área de tecido jovem sob a antiga ferida operatória, melhora do espessamento de pele em região de grandes lábios (Figura 4) e queixa de prurido local. Foram prescritas corticoterapia tópica e hidratação. Após 105 dias apresentava-se satisfeita, área cruenta totalmente epitelizada e cicatriz de 1,5cm na região, sem relevo, cor discretamente mais rosada que a pele original, melhora do endurecimento ao redor do clitóris e grandes lábios, boa individualização dos pequenos e grandes lábios. A paciente encontra-se no momento em seguimento clínico há três anos, sem sinais de recidiva do queloide ou dos condilomas e satisfeita com resultados finais do tratamento.

 

DISCUSSÃO

O papilomavírus humano (HPV) é uma doença sexualmente transmissível, cuja infecção ocorre pelo acesso do vírus à membrana basal epitelial por microtraumas durante a relação sexual ou entrada do vírus na zona de transformação do colo uterino.1 Pacientes diagnosticadas com infecção pelo HPV encontram-se fragilizadas emocionalmente, apresentando medo, culpa e raiva devido aos estigmas sociais da DST.10 Isso pode provocar desejo de punição, evitando-se o tratamento ou realizando-o de maneira exacerbada.3 A paciente, em menacme e uso de contraceptivo hormonal oral, fatores de risco para perpetuação viral, realizou tratamento para condilomatose vulvar, com cauterização química e eletrocauterização, e evoluiu com lesão vulvar extensa.3 A eletrocauterização destrói o tecido pelo calor. Entre seus efeitos adversos estão o processo cicatricial, a perda da pilificação, as retrações e a hipocromia local.8 A paciente assim evoluiu, biópsia confirmou tecido queloidiano, necessitando tratamentos para exérese da cicatriz e satisfação pessoal. Gomes et al afirmam que a regressão espontânea é possível e presente em até 30% dos casos em até três meses de observação.10 Já o tratamento agressivo pode causar um processo cicatricial anormal. A paciente apresentava como fatores de risco idade, sexo feminino e manipulação cirúrgica excessiva.5,6,8

 

CONCLUSÃO

O HPV está presente na maior parte da população sexualmente ativa, a maioria das pessoas eliminando-o pelo sistema imune. A recidiva deve ser tratada de forma cautelosa. A manipulação exagerada da região é fator de risco para cicatrização inadequada e formação de queloides. Ressalta-se o acompanhamento psicológico necessário para muitas pacientes.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Mariana de Oliveira Trintinalha | 0000-0002-4471-5695
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.

Gabriele Belniowski Mendes | 0000-0002-9787-6230
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.

Fernanda Villar Fonseca | 0000-0002-01629893
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

 

REFERÊNCIAS

1. Yanofsky VR, Patel RV, Goldenberg G. Genital warts: a comprehensive review. J clin aesthet dermatol. 2012.5(6):25-36.

2. Coser J, Boeira TR, Wolf JM, Cerbaro K, Simon D, Lunge VR. Cervical human papillomavirus infection and persistence: a clinic-based study in the countryside from South Brazil. Braz J Infect Dis. 2016;20:61-68.

3. Barros SKC, Oliveira FL, Carvalho KS, Costa NJA. Condiloma acuminado: qual o reflexo desta DST em adolescentes do sexo masculino? Adolesc Saúde, 2012;9(3),72-5.

4. Naud PSV, Matos JCD, Hammes LS, Vettorazzi J. Infecção pelo papiloma vírus humano (HPV). Revista HCPA. 2000;20(2):138-42.

5. Sociedade Portuguesa de Ginecologia. Consenso sobre infecção HPV e lesões intraepiteliais do colo, vagina e vulva. [Acessed 08 de abril 2019]. Coimbra: 2011. Available from: http://www.spginecologia.pt/uploads/consenso_definitivo.pdf.

6. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Manual de orientação trato genital inferior. Condiloma. 2010;10:122-8.

7. Bras F, Sardinha R, Pacheco A. Modalidades terapêuticas no tratamento dos condilomas acuminados. Acta Obstet Ginecol Port, 2015;9(5):383-92.

8. Ferreira C, D'Assumpção EA. Cicatrizes hipertróficas e quelóides. Rev Bras Cir Plást. 2006;21(1):40-48.

9. Hochman B, Locali RF, Oliveira LQR, Ferreira LM. Disfunções cicatriciais hiperproliferaticas: quelóide. Estima. 2004.4(4):33-9.

10. Gomes CM, Rades E, Zugaib M. Como devem ser tratados os condilomas genitais durante a gestação? Rev Assoc Méd Bras. 2006;52(5):286-7.


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