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Relato de caso

A cirurgia micrográfica de Mohs no tratamento do câncer de pênis

Rachel de Avila Coelho1; Juliana Cristina Silva Fraga1; Pedro Romanelli de Castro2; Marco Aurelio Lima de Sousa Figueiredo3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201241314

Data de recebimento: 14/09/2019
Data de aprovação: 11/08/2020

Trabalho realizado no Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.
Agradecimentos: À equipe de Dermatologia, Urologia e Anatomia Patológica do Hospital da Polícia Militar.


Abstract

O câncer de pênis é um tumor raro, mas que apresenta grande impacto na qualidade de vida dos pacientes. No Brasil, a incidência é de 5,7 casos/100.000 homens/ano, representa 2% de todos os tipos de câncer que acometem homens no país e, em 2015, culminou em 402 mortes. O tratamento tradicional é a penectomia total com uretrostomia perineal e consequente perda da manutenção das funções sexuais e urinárias normais. Para a preservação da função peniana, a cirurgia poupadora de órgão é preferida quando possível e a cirurgia micrográfica de Mohs configura-se em uma importante alternativa cirúrgica.


Keywords: Carcinoma de Células Escamosas; Cirurgia de Mohs; Neoplasias Penianas


INTRODUÇÃO

O câncer de pênis (Ca de pênis) é um tumor raro em todo o mundo, mas que apresenta grande impacto na qualidade de vida dos pacientes. De acordo com um estudo colombiano de revisão sistemática e meta-análise realizado em 2017, a incidência do Ca de pênis em todo o mundo é de 0,84 caso a cada 100.000 homens/ano, sendo a maior taxa de incidência encontrada na Romênia: 7,6 casos/100.000 homens/ano. O Brasil aproxima-se da marca superior, apresentando uma incidência de 5,7 casos/100.000 homens/ano.1 Dados do Instituto Nacional dees que acometem homens no país e que,em 2015, culminou em 402 mortes.2 Os locais de acometimento mais comuns em ordem decrescente são: a glande, o prepúcio e a haste peniana.3 O tratamento tradicional é a amputação parcial ou total do pênis associada reconstrução uretral com consequente perda da capacidade de manutenção de relações sexuais e funções urinárias normais.3 Em uma pesquisa realizada por Opjordsmoen et al, homens com câncer de pênis escolheriam o tratamento com menor sobrevida a longo prazo para aumentar a chance de serem sexualmente potentes.4 Portanto, no intuito de se preservar a função peniana, hoje a cirurgia poupadora de órgão é preferida quando há essa possibilidade.

Apresentamos um caso de um paciente de 46 anos, com quadro de carcinoma espinocelular moderadamente diferenciado em glande, em que se optou pela cirurgia com controle de margens por corte e congelação intraoperatório no intuito de preservação do membro.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 46 anos, fototipo III, compareceu ao Ambulatório de Dermatologia encaminhado pela equipe de Urologia para avaliação de placa de consistência endurecida, ulcerada, na glande, há um ano. Apresentava histórico de carcinoma espinocelular (CEC) invasor moderadamente diferenciado na glande há 10 anos, abordado com penectomia parcial e esvaziamento inguinal e pélvico por videolaparoscopia, com um linfonodo positivo. Negava comportamento sexual de risco. Após penectomia parcial, o paciente casou-se e teve três filhos. Ao exame físico, apresentava máculas hipocrômicas na glande peniana e placa eritmato-hipocrômica endurecida com ulceração central na face ventral da glande (Figura 1). Foi feita a biópsia das lesões que evidenciou CEC moderadamente diferenciado com padrão de crescimento infiltrativo, sem invasão angiolinfática identificada e neoplasia intraepitelial peniana. A tomografia computadorizada de abdome e pelve não apresentou evidências de metástases linfonodais. Diante dos achados de nova lesão maligna restrita glande e estadiada como T1aN0M0 com limites clínicos imprecisos e no intuito de preservação da função sexual, optou-se pela cirurgia micrográfica de Mohs (CMM) em abordagem conjunta com a equipe da Urologia. Realizamos a marcação dos limites clínicos da lesão (Figura 2), antissepsia, colocação de campos e anestesia local com solução de Klein. Foi feita a excisão do tumor visível com bisturi angulado a 90º, estágio conhecido como debulking (Figuras 3 e 4). Em seguida, realizou-se a ampliação do defeito cirúrgico em 2mm, profunda e perifericamente, com ressecção de parte da mucosa uretral distal, configurando-se o primeiro estágio da CMM (Figura 5). Nesse estágio, antes da completa retirada do fragmento, foram realizadas marcações transversais à linha de incisão (Nicks), que serviram como referncia no tecido perilesional para mapeamento correto de possíveis margens a serem ampliadas. A peça excisada foi dividida em quatro fragmentos que foram posicionados em gaze com orientação padronizada, corados e denominados A1, A2, A3 e A4, para confecção da lâmina por congelação e mapa topográfico (Figuras 5 e 6). Após análise histopatológica, verificaram-se margens livres de tumor e focos de neoplasia intraepitelial peniana atingindo as bordas dos fragmentos A3 e A4 (Figuras 6 e 7). Realizou-se fechamento primário (Figura 8) após definição de tratamento clínico das outras lesões identificadas ao exame anatomopatológico em momento posterior.

 

DISCUSSÃO

O Ca de pênis acomete preferencialmente homens na sexta e sétima de vida, podendo acometer também homens mais jovens. O potencial mutilante das abordagens cirúrgicas terapêuticas afeta de maneira permanente e significativa a qualidade de vida desses pacientes. Estudos recentes ressaltam que as características histopatológicas desses tumores e a ausência de acometimento linfonodal5

A variante histológica mais comum é o carcinoma de células escamosas, que corresponde a mais de 95% dos casos.3

A preservação do órgão pode ser conseguida por meio de terapias não cirúrgicas como: radioterapia externa, braquiterapia e imunomoduladores6 Todos os pacientes devem ser circuncidados antes de se considerar um tratamento não cirúrgico conservador.3penectomia parcial.7 Os imunomoduladores, como o imiquimode 5% ou o 5-fluorouracil, são eficazes para carcinomas in situ, apresentam taxas de cura modestas (63%), requerem aplicação diária por seis-oito semanas e podem dificultar a identificação da doença recidivante.8 As cirurgias de preservação do órgão genital têm o objetivo de excisar completamente o tumor primário e fazer a reconstrução local, caso seja necessário, de modo a preservar as funções reprodutivas e urinárias do paciente.9 Ta/T1, alguns tumores T2 bem ou moderadamente diferenciados e casos selecionados de estdio T3.10,11 Sua principal desvantagem é a maior taxa de recorrência local, o que exige acompanhamento trimestral nos primeiros dois anos, semestral do terceiro ao quinto ano e anual até o décimo ano pós-operatório.3 Dentre as opções cirúrgicas temos a lasercirurgia, a cirurgia micrográfica de Mohs, a circuncisão, a excisão ampla local, “glans resurfacing”, glandectomia, penectomia parcial, penectomia total com preservação da uretra.

A cirurgia micrográfica de Mohs utiliza a avaliação microscópica intraoperatória para garantir a completa excisão tumoral, com máxima preservação do tecido normal perilesional. Apresenta excelentes taxas de cura para os carcinomas espinocelulares de outras localizações, mas a literatura apresenta taxas de recorrência de 26-32% quando localizados no pênis.12,13,14 Entretanto, um estudo que reflete a experincia de 30 anos de um serviço de tratamento do Ca de pênis com CMM mostra que, com a manutenção rigorosa da vigilância oncológica e consequentes reabordagens quando se fizer necessário, as taxas de sobrevivência geral são excelentes e as taxas de progressão são baixas.15 O mesmo estudo considera que a cirurgia micrográfica de Mohs, sim, que ela deve ser utilizada como estratégia de tratamento para tumores com envolvimento uretral, poupando os pacientes das penectomias totais ou parciais.15 A taxa de recorrência encontrada nesse estudo foi de 11,1% e a reabordagem desses pacientes com nova cirurgia micrográfica de Mohs apresentou taxa final de cura de 100%, tanto nos casos de CEC in situ (média de acompanhamento de 72,5 meses) quanto de CEC invasor (média de acompanhamento de 77 meses).

Diante do grande impacto psicossocial do tratamento agressivo dos às boas taxas de sobrevida geral, acreditamos que a melhor abordagem é aquela que permite a manutenção da qualidade de vida a despeito da necessidade de acompanhamentos mais frequentes e prolongados.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Juliana Cristina Silva Fraga | 0000-0002-1593-8742
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Pedro Romanelli de Castro | 0000-0003-3717-9748
Participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Marco Aurelio Lima de Sousa Figueiredo | 0000-0002-1037-1433
Contribuição no artigo: Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

 

REFERÊNCIAS

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4. Opjordsmoen S, Fossa, SD. Quality of life in patients treated for penile cancer. A follow-up study. Br J Urol. 1994;74(5):652-7.

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10. Pompeo AC, Zequi Sde C, Pompeo AS. Penile cancer: organ-sparing surgery. Curr Opin Urol 2015;25(2):121-8.

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