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Relato de caso

Carcinoma basocelular gigante em couro cabeludo: relato de reconstrução tardia

Luciane Prado Silva Tavares1,2; Yasmin Pugliesi2; Lucas Barros Terra Cunha3; Daniel Martins Hiramatsu4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201241245

Data de recebimento: 30/08/2019
Data de aprovação: 25/02/2020

Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Marília (HC FAMEMA), Marília (SP), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.


Abstract

O carcinoma basocelular (CBC) gigante é uma variante rara, sendo o reparo de grandes defeitos no couro cabeludo, gerados após ressecção oncológica, um desafio cirúrgico. Relata-se o caso de um paciente submetido à reconstrução tardia do couro cabeludo após ressecção oncológica de CBC gigante no couro cabeludo, com associação de técnicas. A reconstrução das lesões do couro cabeludo depende de uma compreensão abrangente da anatomia desse local, um conhecimento do arsenal de técnicas cirúrgicas e uma avaliação detalhada dos fatores e expectativas do paciente, tendo em vista o impacto na qualidade de vida e a morbidade relacionada a cada opção terapêutica.


Keywords: Carcinoma Basocelular; Dermatoses do Couro Cabeludo; Procedimentos Cirúrgicos Reconstrutivos


INTRODUÇÃO

O carcinoma basocelular (CBC) é o câncer mais comum em populações de pele clara, somando mais de 75% das neoplasias de pele não melanoma. Ocorre na região da cabeça e do pescoço em aproximadamente 80% dos casos. O CBC gigante (CBCg), definido como uma lesão maior do que 5cm em seu maior diâmetro, é uma variante rara do CBC, apresentando uma incidência de 0,5%.1-3 Em contraste com a lesão pequena, a variante gigante desenvolve-se na pele não fotoexposta, incluindo dorso, ombros, região inguinal e membros inferiores, sendo o acometimento do couro cabeludo extremamente raro. A lesão pode invadir o tecido profundo subjacente, comprometendo as opções de tratamento e desafiando os métodos de reconstrução.

Muitas modalidades terapêuticas já foram relatadas como opções cirúrgicas, com resultados variados. As principais incluem a exérese e reconstrução cirúrgica, radioterapia e cirurgia micrográfica de Mohs, sendo o último, o tratamento padrão-ouro para o CBC gigante.1,2

A reconstrução do couro cabeludo após cirurgia ablativa pode ser desafiadora. Os casos devem ser avaliados individualmente, e a melhor proposta para reconstrução deve basear-se na saúde do paciente, seu aspecto psicossocial bem como o planejamento terapêutico da doença de base, sem comprometer os princípios da cirurgia oncológica.4,5

Este trabalho tem o objetivo de relatar o caso de um paciente submetido à reconstrução tardia do couro cabeludo após ressecção oncológica de carcinoma basocelular gigante em couro cabeludo, com associação de técnicas.

 

RELATO DO CASO

Paciente de 74 anos, sexo feminino, aposentada, moradora de zona rural. Há oito anos iniciou lesão pápulo-nodular em couro cabeludo, de crescimento lento e progressivo, com cicatrização central, sangramento e prurido local.

Ao exame dermatológico, observou-se couro cabeludo com extensa placa de alopecia cicatricial, apresentando centro atrófico, com exulcerações e crostas, periferia com bordas papulosas, pigmentadas, de aspecto rendilhado, medindo 17 x 17cm, localizada na região fronto-têmporo-parietal direita (Figura 1). Dermatoscopia evidenciava presença de grandes glóbulos cinza-azulados desfocalizados, com bordas tendendo a formar estruturas arredondadas e vasos tortuosos com ramificação arboriforme (Figura 2). Anatomopatológico compatível com carcinoma basocelular pigmentado.

Foi realizada exérese de lesão em couro cabeludo, respeitando-se margens cirúrgicas oncológicas, auxiliada pela dermatoscopia. Optou-se por cicatrização por segunda intenção com reabordagem tardia (Figuras 3 e 4).

Após quatro meses, foi realizado enxerto de pele parcial da face lateral da coxa esquerda sobre tecido de granulação da área receptora, utilizando-se dermátomo.

Paciente evoluiu com boa resposta ao enxerto, apresentando necrose de aproximadamente 10% de sua extensão e posterior cicatrização total (Figura 5).

 

DISCUSSÃO

O reparo de grandes defeitos no couro cabeludo gerados após ressecção oncológica constitui um desafio cirúrgico. Técnicas modernas de cirurgia proporcionaram uma maior capacidade resolutiva das lesões bem como a diminuição das complicações peri e pós-operatórias, e um melhor resultado estético e funcional.6

Tamanho, localização, qualidade do tecido local e distorção do couro cabeludo auxiliam na escolha do melhor método reconstrutivo. Fatores intrínsecos e psicossociais do paciente também devem ser levados em consideração, tendo em vista o impacto na qualidade de vida desses pacientes.4,6

O fechamento por segunda intenção pode ser utilizado quando se tem presente a camada pericraniana com extensa exposição e quando se necessita de um tempo cirúrgico menor. As desvantagens desse método incluem a demora na cicatrização, alopecia, telangiectasias e cobertura tênue.4

O enxerto de pele parcial tem sido utilizado em defeitos de grandes proporções devido à rapidez e à facilidade da técnica, à possibilidade de monitoração de recidiva tumoral e à cicatrização rápida.7 Deve ser utilizado quando as questões estéticas não são uma preocupação, pois podem levar a alopecia, hipopigmentação, deformidade de contorno e morbidade do sítio doador.4

Em um estudo retrospectivo com 65 pacientes submetidos a enxertos de pele em couro cabeludo, com enxertos de vários sítios, incluindo-se seis retalhos de coxa, relatou-se uma baixa taxa de complicações da cirurgia e resultados cosméticos satisfatórios e duradouros, recomendando-se o uso de retalhos de região anterolateral da coxa para cirurgias em região têmporo-lateral de couro cabeludo.8

Como no caso relatado, pode-se utilizar a associação das técnicas de fechamento por segunda intenção e, posteriormente, de enxerto de pele parcial. A formação do tecido de granulação está relacionado à maior aderência do enxerto cutâneo pela maior vascularização, possibilitando melhores resultados.4

 

CONCLUSÃO

A reconstrução das lesões do couro cabeludo depende de uma compreensão abrangente da anatomia desse local, um conhecimento do arsenal de técnicas cirúrgicas e uma avaliação detalhada dos fatores e expectativas do paciente. A meta reconstrutiva deve ser adaptada para cada paciente individualmente, visando ao sucesso da reconstrução e a um resultado estético-funcional satisfatório.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Luciane Prado Silva Tavares | 0000-0002-2410-3843
Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

Yasmin Pugliesi | 0000-0003-0630-4980
Análise estatística; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.

Lucas Barros Terra Cunha | 0000-0002-0710-3219
Análise estatística; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.

Daniel Martins Hiramatsu | 0000-0001-5983-5801
Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

1. Heo YS. Yoon JH, Choi JE, Ahn HH, Kye YC, Seo SH. A case of superficial giant basal cell carcinoma with satellite lesions on scalp. Ann. Dermatol. 2011;23(Suppl 1):S111-5.

2. Larsen AK, Ghulam El-Charnoubi WA, Gehl J, Krag C. Neglected giant scalp basal cell carcinoma. Plast Reconstr Surg. Glob Open. 2014;2(3):e120.

3. Chatterjee S, Mott JH, Dickson S, Kelly CG. Extensive basal cell carcinoma of the forehead and anterior scalp: use of helical tomotherapy as a radiotherapy treatment modality. Br. J. Radiol. 2010;83(990):538-40.

4. Desai SC, Sand JP, Sharon JD, Branham G, Nussenbaum B. Scalp reconstruction an algorithmic approach and systematic review. JAMA Facial Plast Surg. 2015;17(1):56-66.

5. Ebrahimi A, Nejadsarvari N, Ebrahimi A. Reconstructions of small scalp defects with step flap. J Cutan Aesthet Surg. 2017;10(2):106-8.

6. Souza CD. Reconstrução de grandes defeitos de couro cabeludo e fronte em oncologia: tática pessoal e experiência - análise de 25 casos. Rev Bras Cir Plást. 2012;27(2):227-37.

7. Anbar RA, Almeida KG, Nukariya PY, Anbar RA, Coutinho BBA. Métodos de reconstrução do couro cabeludo. Rev Bras Cir Plást. 2012;27(1):156-9.

8. O'Connell DA, Teng MS, Mendez E, Futran, N. D. Microvascular free tissue transfer in the reconstruction of scalp and lateral temporal bone defects. Craniomaxillofac Trauma Reconstr. 2011;4(4):179-88.


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