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Relato de caso

Correção ambulatorial de cicatriz de queimadura

Carolina Malavassi Murari; Julia Marcon Cardoso; Douglas Haddad Filho

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201241204

Data de recebimento: 30/05/2019
Data de aprovação: 03/08/2020

Trabalho realizado na Universidade de Santo Amaro, São Paulo (SP), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.
Agradecimentos: À disciplina de Dermatologia da Universidade de Santo Amaro.


Abstract

Os lábios são compostos por estruturas musculares, mucosas e pele. As lesões em lábios podem ser de etiologia neoplásica, malformações congênitas ou traumáticas. A reconstrução cirúrgica dos defeitos nos lábios pode necessitar de técnicas de retalhos, enxertos e microcirurgia. Descreve-se no presente relato a correção cirúrgica ambulatorial do lábio inferior utilizando-se retalho cutâneo local, com evolução estético-funcional satisfatória.


Keywords: Cicatriz; Cirurgia Plástica; Retalhos Cirúrgicos; Procedimentos Cirúrgicos Ambulatoriais


INTRODUÇÃO

Os lábios são unidades estéticas da face, compostas por músculo, pele e mucosa, que exercem uma importante função de competência oral. Essa função é realizada por meio do controle do músculo orbicular da boca, onde algumas fibras desse músculo estão dispostas horizontalmente, iniciando-se em uma comissura e indo em direção à outra, atravessando o lábio, fazendo inserções, colunas e junções musculocutâneas. Essas fibras musculares comprimem os lábios. Em linhas gerais, além do músculo orbicular da boca, deve-se mencionar os músculos elevadores do lábio superior, os zigomáticos maior e menor e os elevadores do ângulo da boca. Além desses, os músculos depressores do lábio inferior, o músculo mentoniano e os elevadores da porção central do lábio inferior compõem as funções e características estéticas dos lábios.1 As lesões nos lábios superiores ou inferiores podem ser de várias etiologias, incluindo os traumas e as neoplasias provocadas pela incidência solar, principalmente no lábio inferior. Dependendo do tipo de lesão, das estruturas envolvidas, da localização e da extensão desta, haverá a necessidade de um tipo de reconstrução, com as mais variadas opções, desde retalhos locais, à distância e microcirúrgicos.1,2 Consideradas as variáveis da lesão e dos retalhos envolvidos, teremos um resultado estético-funcional proporcional.4 No presente relato, descrevemos um caso de reconstrução de lábio inferior com retalho cutâneo local, realizada em ambiente ambulatorial, sob anestesia local, evoluindo com bom resultado estético-funcional.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 56 anos, afrodescendente, hipertensa e epilética, com queixa de perda constante de saliva e cicatrizes no lábio inferior e no pescoço, ocorridas após ataque epilético e consequente queimadura de terceiro grau, quatro anos atrás. Ao exame físico, apresentava cicatriz no terço inferior da hemiface direita, a qual se estendia desde o vermelhão do lábio inferior até a região cervical anterior ipsilateral. Nas regiões de transição entre vermelhão e lábio inferior e terço inferior da face e pescoço, a cicatriz provocou a formação de bridas, além de áreas vitiligoides secundárias à lesão primária (Figura 1). À inspeção estática do lábio inferior, observava-se pequena falha de fechamento do vermelhão superior e inferior. Foi então realizada avaliação pré-operatória e liberação para cirurgia sob anestesia local.

Procedimento cirúrgico

A paciente foi posicionada em decúbito dorsal horizontal e, após a assepsia e antissepsia da face com clorexidine alcoólico, foi feito o bloqueio mentoniano bilateral e anestesia local, com solução de soro fisiológico, lidocaína e adrenalina (1/250000) na quantidade de 10cc, no plano subdérmico e subcutâneo do lábio inferior. Foi então realizada uma incisão na linha cutâneo-mucosa do lábio inferior, contornando o defeito em forma de V, próximo à comissura direita, e se prolongando em direção medial, com extensão de 3cm, seguida da rotação do retalho de mucosa (vermelhão) sobre seu próprio eixo, até a comissura direita e sutura com mononylon 5-0. Por fim, foi realizada a rotação de retalho cutâneo em avanço, em direção látero-medial e sutura com mononylon 5-0.

Período pós-operatório

Foi realizada a orientação pós-operatória quanto à troca de curativo, acompanhamento e retorno para retirada de pontos (Figura 2 e 3).

Evolução

Em torno do 14o dia pós-operatório, o retalho cutâneo evoluiu com pequena deiscência em sua porção mais distal (Figura 4), cicatrizando-se por segunda intenção (Figura 5). A última documentação fotográfica foi realizada no 28º pós-operatório e, apesar da intenção de manter o seguimento prolongado para avaliar a ocorrência de retrações ou hipertrofias, a paciente perdeu seguimento ambulatorial.

 

DISCUSSÃO

A realização da reconstrução funcional e estética dos lábios é uma tarefa desafiadora para cirurgiões plásticos e dermatologistas.2,4 A correção cirúrgica desses defeitos pode levar à incompetência oral, sialorreia e dificuldade na fala4, dependendo do retalho a ser utilizado. A reconstrução bem-sucedida busca preservar a competência oral, a abertura oral máxima, a fala e a sensibilidade, além de aperfeiçoar a estética3,4, sendo que, algumas vezes, a conquista dessas variáveis é parcial.

A literatura descreve mais de 100 diferentes modalidades de reconstrução4, porém até o momento nenhuma técnica é considerada ideal para a reconstrução dos lábios5, pois envolve muitos fatores, como tipo e tamanho da lesão. Em defeitos compreendendo menos de um terço do lábio, o fechamento primário produz um bom resultado funcional e estético.3,6 Os retalhos locais representam uma boa opção para defeitos que afetam um a dois terços do lábio, como o caso relatado.4,6 Quando o defeito excede dois terços do lábio, regiões com reconstrução prévia ou tecido irradiado, recomenda-se reconstrução de retalho microcirúrgico4, entre eles, retalho antibraqueal.

Nas reconstruções em geral, especialmente nas reconstruções de lábio, deve-se levar muito em consideração a área doadora do retalho, pois algumas vezes está indicada a utilização do lábio contralateral da lesão. Além disso, nesses retalhos estão envolvidas estruturas musculares importantes para a competência oral.3,4

No relato apresentado, deve-se ressaltar que não existiu uma lesão que necessitasse de remoção tecidual comprometendo o perímetro da boca, e sim um reposicionamento dos tecidos ectópicos, visando à competência oral, à movimentação e à consequente melhora da fala. O seguimento clínico de pós-operatório prolongado, de até 12 meses, faz-se importante em casos como este, pois a formação de retrações e de espessamentos ou cicatrizes hipertróficas pode ser tardia.

Os retalhos locais utilizados, tanto mucoso quanto cutâneo, objetivaram esse reposicionamento e também objetivaram minimizar as dimensões do procedimento em si, sem o comprometimento de outras estruturas e áreas doadoras, uma vez que as condições clínicas da paciente permitiam somente anestesia local. Contudo, a complicação ocorrida, ou seja, a deiscência, pode ter sido em decorrência da qualidade da pele do retalho, gerando necrose, uma vez que essa pele também esteve envolvida no trauma primário. Mesmo com essa complicação, a evolução foi muito favorável em termos estéticos e funcionais, havendo a total resolução da brida entre o vermelhão e o lábio e o reposicionamento do vermelhão inferior, levando à total competência oral.

 

CONCLUSÃO

No caso relatado, foram realizados retalhos mucoso e cutâneo, sob bloqueio mentoniano e anestésico local, que resultaram em competência oral satisfatória e bom resultado estético.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Carolina Malavassi Murari | 0000-0001-6688-5145
Obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Julia Marcon Cardoso | 0000-0001-5081-3526
Elaboração e redação do manuscrito.

Douglas Haddad Filho | 0000-0001-9304-4739
Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

 

REFERÊNCIAS

1. Zide BM. Deformities of the lips and cheeks. In: McCarthy JG, editor. Plastic Surgery, vol. 3, Philadelphia, PA: W.B. Saunders; 1990. p. 2009–2056.

2. Pepper JP, Baker SR. Local flaps: cheek and lip reconstruction. JAMA Facial Plast Surg. 2013;15(5):374-82.

3. Tetik G, Ünlü E, Aksu I. Functional reconstruction of the lower lip with Fujimori flap and longterm follow-up with clinical and electrophysiologic evaluations. J Oral Maxillofac Surg. 2014;72(9):1841-51.

4. Elmelegy N, EI Sakka DM. One stage aesthetic and functional reconstruction of major lower lip defects. Ann Plast Surg. 2017;78(4):417-20.

5. Denadai R, Raposo-Amaral CE, Buzzo CL, Raposo-Amaral CA. Functional lower lip reconstruction with the modified Bernard-Webster flap. British J Plastic Surg. 2015;68(11):1522-8.

6. Coombs DM, Bourne DA, Egro FM, Solari MG. Reconstructing defects of the lower lip: an emphasis on the estlander flap. Eplasty. 2016.


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