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Relato de caso

Retalho de pedículo subcutâneo em formato de tubarão na região perialar

Luciana Pereira Paes Gomes Saraiva1; Renata do Val Guimarães1; Guillermo Loda1,2; Marcela Benez1

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201241101

Data de recebimento: 08/10/2018
Data de aprovação: 26/02/2020

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Dermatológica do Instituto Rubem David Azulay da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.


Abstract

A região nasal é frequentemente acometida por neoplasias cutâneas, especialmente em indivíduos de fototipos baixos, em quem a incidência de carcinoma basocelular é elevada. Defeitos cirúrgicos na asa nasal e região perinasal constituem desafio à sua reconstrução, uma vez que envolve várias unidades cosméticas e preservação do sulco nasal. A preservação dos limites entre essas unidades mostra-se fundamental, portanto, para o bom resultado funcional e estético. Este artigo tem como objetivo mostrar a aplicação do retalho de pedículo subcutâneo em formato de tubarão para correção de defeitos em asa nasal e região perinasal.


Keywords: Carcinoma Basocelular; Neoplasias Nasais; Procedimentos Cirúrgicos Nasais


INTRODUÇÃO

A região nasal é, frequentemente, acometida por neoplasias cutâneas, especialmente em indivíduos de fototipos baixos, em quem a incidência de carcinoma basocelular é elevada.

Segundo estudo realizado no Instituto Nacional de Câncer, o carcinoma basocelular foi o principal responsável pelos defeitos nasais em que se realizaram reconstruções parciais ou subtotais de nariz, enquanto o carcinoma epidermoide foi o principal responsável nos casos de reconstrução nasal total.

O câncer de pele não melanoma é o mais frequente entre os homens brasileiros e o segundo entre as mulheres. Aproximadamente 93% dos carcinomas basocelulares ocorrem na cabeça e no pescoço e, destes, 25% aparecem na pirâmide nasal, de forma que este, indubitavelmente, é o câncer mais comum da cabeça e do pescoço.1

A região do nariz tem características únicas que devem ser consideradas no planejamento da reconstrução cirúrgica do defeito. A topografia complexa, com superfícies côncavas e convexas, precisa ser preservada. A margem livre da asa nasal pode ser facilmente elevada e distorcida caso a reconstrução não seja cuidadosamente planejada. A pele do terço inferior do nariz tem mobilidade reduzida e não é facilmente recrutada para fechamentos primários sem causar distorções anatômicas. Além disso, trata-se de região com características de textura e coloração únicas, não se assemelhando à pele ao redor. Finalmente, o aspecto funcional do nariz deve sempre ser levado em consideração, preservando-se a estrutura óssea, cartilaginosa e mucosa, nunca devendo ocorrer o comprometimento da via respiratória.2

A região do sulco nasal e perinasal é delimitada pela asa nasal lateral, face lateral do nariz, região malar e pele supralabial.3

Defeitos cirúrgicos envolvendo a região em questão constituem desafio no momento de sua reconstrução. Isto porque a combinação destes defeitos envolve várias unidades cosméticas da face; e a transgressão de uma unidade para outra, no momento da reconstrução, pode acarretar o apagamento do sulco nasal e a perda dos limites destas unidades, levando a resultado estético não satisfatório.4

Opções de manejo de defeitos profundos em asa nasal e região perinasal incluem fechamento primário; cicatrização por segunda intenção; retalhos locais; retalhos de interpolação e enxertos cutâneos.

Para se obter bom resultado funcional e cosmético, o ideal é realizar um retalho utilizando pele adjacente ao defeito cirúrgico. Neste caso, o retalho de pedículo subcutâneo em formato de tubarão mostrou-se eficaz, pois se trata de procedimento realizado em um único tempo cirúrgico, sob anestesia local, com pele que preserva as mesmas características de textura, coloração e concentração de glândulas sebáceas da região ressecada, além de preservar o sulco nasal e manter os limites entre as unidades cosméticas da face.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 58 anos, apresentou lesão nodular, eritêmato-pigmentada, com telangiectasias, de cerca de 5mm x 6mm, bordos perolados, em região de sulco nasal e região perinasal direita, sugestiva de carcinoma basocelular (Figura 1).

Devido à localização da ferida cirúrgica (Figura 2), o retalho de pedículo subcutâneo em formato de tubarão mostrou-se como uma das opções a ser considerada.

A demarcação do retalho pediculado foi realizada de forma que o braço superior realizasse uma rotação de 90 graus em relação ao defeito cirúrgico; como se a “barbatana do tubarão” se encaixasse na borda alar do nariz (Figura 3).

Posteriormente, deu-se a rotação do tecido, fazendo com que o restante do retalho formasse um cone invertido de redundância de pele (Figura 4), resultando na criação natural da asa e do sulco nasais, sem necessidade de sutura de ancoragem do retalho.

Finalmente, foi executada a sutura do braço inferior do retalho, posicionando-se a cicatriz ao longo do sulco nasolabial, o que proporcionou resultado pós-operatório imediato satisfatório, sem alteração da anatomia da asa e introito nasais (Figuras 5 e 6).

 

DISCUSSÃO

As opções de reconstrução cirúrgica nasal devem contemplar a preservação funcional e estética da região, procurando sempre usar técnicas que camuflem as cicatrizes nas dobras e linhas naturais da face.5

Uma opção cirúrgica nesta região é a cicatrização por segunda intenção e fechamento primário, que podem ser soluções simples e rápidas para pequenos defeitos. Porém, em casos maiores, como o descrito, podem levar à retração da asa nasal e comprometimento funcional ao modificar a anatomia do introito nasal.

Já o enxerto cutâneo é uma boa opção para grandes defeitos, principalmente em áreas em que não se dispõe de distensibilidade tecidual e em casos em que não é possível delimitar a área tumoral intraoperatória. No entanto, deve-se evitar o seu uso, quando possível, por não conferir aspecto estético satisfatório, uma vez que se trata de técnica que nem sempre emprega pele com características similares à área a ser reconstruída no que diz respeito a coloração, textura, espessura e concentração de glândulas sebáceas, podendo levar à hipopigmentação local.

Os retalhos de transposição bilobados não seriam boa opção neste caso, porque são mais indicados em defeitos mais centralizados no dorso nasal ou na parede lateral do nariz. Além disso, também apresentam chance de redundância de pele com efeito trapdoor.

Uma opção que poderia ser empregada nesta ferida cirúrgica é o retalho em avançamento em pedículo ou em ilha, pois preserva a anatomia desta região côncava da face e apresenta padrão de vascularização miocutâneo, o que confere ótima viabilidade ao retalho.

No caso em questão, optou-se pelo retalho de pedículo subcutâneo em tubarão, que recebe esta denominação porque se assemelha ao formato de tubarão, com a “barbatana” e boca ventral formadas a partir do defeito cirúrgico.

O avanço do retalho com o movimento de rotação da região da “barbatana do tubarão”, espontaneamente, cria um cone invertido de redundância de pele, que redefine o sulco da asa nasal, e os tecidos perinasais restabelecem o contorno da região da asa nasal, mantendo o limite bem definido entre as unidades cosméticas das regiões malar e nasal.6

O retalho de pedículo subcutâneo em formato de tubarão é, portanto, uma técnica de reconstrução cirúrgica para defeitos em asa nasal e região perinasal reprodutível, executada em um único tempo operatório, que oferece resultado funcional e cosmético bastante satisfatório, sem distorcer a anatomia da região.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Luciana Pereira Paes Gomes Saraiva | 0000-0003-1138-6255
Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Renata do Val Guimarães | 0000-0003-1070-1778
Obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Guillermo Loda | 0000-0003-0511-0025
Concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.

Marcela Benez | 0000-0003-0289-5656
Contribuição no artigo: Participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

1. Souza Filho MVP, Kobig RN, Barros PB, Dibe MJA, Leal PRA. Reconstrução nasal: análise de 253 casos realizados no Instituto Nacional do Câncer. Rev. Bras. Cancerol. 2012;48(2):239-45.

2. Zitelli JA. The bilobed flap for nasal reconstruction. Arch Dermatol. 1989;125(7):957-9.

3. Asgari M, Odland P. Nasalis island pedicle flap in nasal ala reconstruction. Dermatol Surg. 2005;31(4):448-52.

4. Cvancara J, Wentzell JM. Shark island pedicle flap for repair of combined nasal ala-perialardefects. Dermatol Surg. 2006;32(5):726-9.

5. Levasseur JG, Mellette JR Jr. Techniques for reconstruction of perialar and perialar nasal ala combined defects. Dermatol Surg. 2000;26(11):1019-23.

6. André MC, Fraga A, Garcia CR, Pignatelli JG, Soares RO. Retalho em ilha de tubarão: uma técnica cirúrgica reconstrutiva de defeitos localizados na área nasal alar/perialar. Um procedimento simples. An Bras Dermatol. 2011;86(4suppl.1):160-3.


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