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Artigo Original

Uso de nutricosmético à base de proteoglicanos em alopecias não cicatriciais em crianças e adolescentes

Rogério Nabor Kondo1; Airton Dos Santos Gon1; Paulo Muller Ramos2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201233645

Data de recebimento: 10/03/2020
Data de aprovação: 12/05/2020

Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.
Agradecimentos: Os autores agradecem a participação voluntária dos pacientes, o SAME do Ambulatório de Especialidades do Hospital Universitário e o fornecimento de amostras pela Momenta Farmacêutica.

Trabalho realizado pelo Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário do Norte do Paraná, Universidade Estadual de Londrina (PR), Brasil


Abstract

INTRODUÇÃO: Nutricosméticos têm sido utilizados como suplementos para crescimento capilar no tratamento de alopecias não cicatriciais, porém não existem estudos sobre o uso desses produtos em indivíduos abaixo de 18 anos de idade.
OBJETIVO: Avaliar a eficácia e a tolerabilidade do uso de um produto nutricosmético à base de proteoglicanos em indivíduos menores de 18 anos, portadores de alopecias não cicatriciais.
MÉTODOS: Ensaio clínico, não controlado e prospectivo. Portadores de alopecias não cicatriciais, de ambos os sexos, com faixa etária entre seis e 18 anos, receberam nutricosmético contendo proteoglicano por seis meses. Fotos padronizadas pré e pós-tratamento foram avaliadas independentemente por três dermatologistas. Foi realizada contagem de fios em área de 1cm2 do couro cabeludo, e os pacientes responderam a questionário sobre melhora ou piora.
RESULTADOS: Foram incluídas 11 pacientes (100% do sexo feminino), nas quais 10 (91%) apresentaram melhora após seis meses, constatada por meio de avaliação fotográfica, contagem de fios e autoavaliação. Nenhuma paciente apresentou alergia. Duas pacientes apresentaram desconforto epigástrico transitório.
CONCLUSÕES: O uso de nutricosmético à base de proteoglicanos foi eficaz e bem tolerado em crianças e adolescentes portadores de alopecias não cicatriciais.


Keywords: Alopecia; Folículo piloso; Proteoglicanas; Terapêutica


INTRODUÇÃO

Os cabelos e pelos não possuem uma função vital no ser humano, mas o comprometimento estético, devido à sua falta ou rarefação (alopecia), pode trazer danos psicológicos para os pacientes, principalmente a crianças e mulheres.1,2,3 Queda capilar é uma queixa frequente no consultório dermatológico.4,5 As alopecias podem ser subdivididas em dois grandes grupos: as não cicatriciais, ou seja, aquelas que são potencialmente reversíveis; e as cicatriciais, caracterizadas por um dano permanente ao folículo piloso.1,6As alopecias não cicatriciais representam a forma mais comum.7

Nutricosméticos (NC) são produtos que contêm vitaminas, sais minerais, colágenos, proteoglicanos, entre outras substâncias, que funcionam como suplementos alimentares. Não são considerados medicamentos.8,9,10

Os NCs têm sido amplamente utilizados como opção terapêutica adjuvante no tratamento das alopecias, com a vantagem, segundo a indústria farmacêutica,10-13 de apresentarem bons resultados com poucos efeitos colaterais. Porém, há poucos estudos clínicos que subsidiem o seu uso.11,12 Já foram estudados até em gestantes,14 mas não há estudos envolvendo crianças e adolescentes.

 

OBJETIVOS

O objetivo deste estudo foi o de avaliar eficácia e tolerância de um nutricosmético à base de proteoglicanos em indivíduos menores de 18 anos, portadores de alopecias não cicatriciais.

 

MÉTODOS

Foi realizado um ensaio clínico aberto, prospectivo e não controlado.

Foram selecionados, por amostra de conveniência, pacientes portadores de alopecias não cicatriciais, de ambos os sexos, menores de 18 anos, atendidos no Ambulatório de Especialidades do Hospital Universitário de Londrina no período de novembro de 2016 a outubro de 2019. Os participantes receberam nutricosmético (NC) à base de proteoglicanos 300mg específicos (versicanos, decorinas e sindecanos), além de extrato de acerola (118mg), biotina (30mcg) e silício (75mg).

Os critérios de exclusão foram: alergia a peixes (um dos componentes do produto), alopecia cicatricial e uso atual de qualquer tratamento para alopecia ou outros suplementos.

O NC foi fornecido pela instituição e autoadministrado em duas tomadas diárias (comprimidos podiam ser macerados para ingestão, caso necessário).

Foi realizada contagem de fios em área de 1cm2 no local mais acometido do couro cabeludo pela alopecia antes e após o tratamento. Através de um orifício quadrado de 1cm x 1cm confeccionado em uma placa (Figura 1), todos os fios dentro do molde foram contados com auxílio de uma pinça pelo investigador principal. Não foi realizado corte nem raspagem dos cabelos.

Três dermatologistas, membros da Sociedade Brasileira de Dermatologia e não envolvidos com a pesquisa, avaliaram fotos padronizadas pré e pós-tratamento.Visando diminuir o viés dos avaliadores, as fotos foram observadas tanto na ordem cronológica (pré e pós-tratamento) quanto de maneira invertida. Os dermatologistas foram informados sobre isso e fizeram a avaliação sem saber a ordem temporal das fotos. Pontuações foram dadas: -2 (piora importante); -1 (leve piora); 0 (inalterado); +1 (leve melhora); +2 (melhora importante). Apenas as avaliações pré e pós-tratamento foram consideradas na análise.

Pacientes também responderam a questionário de autoavaliação, assinalando no final de seis meses: piora, inalterado e melhora.

Os seguintes dados foram coletados e inseridos em planilha Excel: nome, número de registro do paciente do hospital, sexo, idade, fototipo, duração da queda de cabelos, tratamento prévio e exames laboratoriais (hemograma, plaquetas, ferritina, TSH, glicemia, creatinina e transaminases).

Os dados foram analisados e processados pelo programa GraphPad Instat e Excel 2007. A significância estatística foi realizada pelo teste qui-quadrado, considerando o nível de significância 5% (p<0,05) e aplicado para comparar sexo e melhora. Os desfechos foram: densidade de fios na área alvo, avaliação fotográfica e autoavaliação dos pacientes.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Instituição, C.A.A.E. número 57073416.9.0000.5231. Termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado pelos pais ou responsáveis dos participantes do estudo.

 

RESULTADOS

Foram incluídos 11 pacientes e seus exames séricos estavam normais. Embora o estudo não fosse exclusividade de gênero, houve 100% do sexo feminino, significativo quando comparado ao masculino (p=0,001). A idade variou de nove a 17 anos (média de 13,2 anos). Os diagnósticos estão representados na tabela 1, sendo que o eflúvio telógeno foi prevalente (5/11).

Noventa e um por cento (10/11) das pacientes melhoraram após seis meses de tratamento quando consideradas contagens de fios e avaliação das fotos (Tabela 2 e Figuras 2-5).

A avaliação de fotografias pelos dermatologistas convidados apontou melhora na maioria dos casos (16 respostas para leve melhora e 14 respostas como melhora importante, em 33 respostas possíveis). Três respostas foram dadas como inalteradas (Tabela 2).

A portadora de moniletrix (Figura 4) respondeu no questionário que não havia apresentado melhora durante os seis meses, mas as fotografias e a contagem de fios de cabelos mostraram melhora.

Uma paciente (Figura 5) respondeu no questionário que não havia melhorado. As fotografias não mostraram aumento significativo de volume. O aumento de seis fios (168 fios por cm2 para 174 fios) não se mostrou significativo quando comparado ao aumento de outras pacientes (p=0,59), havendo uma coerência entre os três pontos de avaliações (contagens de fios, clínico e autoavaliação).

Nenhuma paciente relatou alergia. As duas pacientes mais novas tiveram um desconforto epigástrico (náuseas sem vômitos) inicial à ingestão do nutricosmético. Nenhuma das pacientes apresentou dores abdominais ou diarreia relacionadas à administração do produto.

 

DISCUSSÃO

A alopecia pode trazer danos psicológicos para os pacientes, principalmente para crianças, adolescentes e mulheres.1,3 A amostra 100% feminina poderia comprovar isso (meninas menores de idade), já que o objetivo do estudo não era excluir a população masculina.

Os suplementos para crescimento capilar são NCs que podem conter diferentes vitaminas, sais minerais, colágenos, proteoglicanos, entre outras substâncias.8,11,12,15Até gestantes já foram avaliadas em estudos prévios,11 porém não há estudos envolvendo crianças e adolescentes. Isso poderia ser motivado pela dificuldade de ingerir comprimidos, pouca procura voluntária das crianças e adolescentes por serviços médicos, preferência por tratamentos tópicos e a dificuldade na liberação dos pais para ensaios clínicos.

O NC utilizado no presente estudo contém 300mg de proteoglicanos (versicanos, decorinas e sindecanos) extraídos do peixe, além de extrato de acerola (118mg), biotina (30mcg) e silício (75mg), que ajudam na hemostasia do ciclo do folículo piloso humano.

Os proteoglicanos (PG) são os principais componentes da matriz extracelular (MEC), com sinalização celular direta e indireta, tendo papéis independentes na regulação do estado de crescimento do folículo piloso. Podem regular a ativação de fatores de crescimento e outros indutores anágenos; portanto, sua concentração é um fator determinante para as cascatas de interação que levam à iniciação anágena.8

Outro PG-chave com propriedades indutoras de anágeno é a decorina. Atua como sinalizador por meio da cascata de sinalização de fator de crescimento semelhante à insulina canônica (IGF) e diretamente regula a morte celular e a síntese de outros constituintes da matriz. A decorina bloqueia ativamente a transformação do fator de crescimento beta 1 (TGF-b1), um indutor potente de apoptose e catágeno, o que o torna um potencial indutor de anágeno.8

Além disso, os PGs aumentam a estabilidade das fibrilas de colágeno e protegem as fibrilas da clivagem proteolítica, portanto são moduladores-chave da fibrilogênese. Foi demonstrado que a versicana aprimora a expressão de fibronectina e b1-integrina, que facilita a adesão célula-MEC.8

Os efeitos colaterais do NC utilizado são: dispepsias (desconforto gástrico) e prurido, principalmente nas pessoas alérgicas a peixes. 11

O eflúvio telógeno é causa frequente de queda de cabelo,1,7porém não há dados sobre a sua incidência em crianças e adolescentes. O diagnóstico foi baseado na história clínica, prova de tração, normalidade da tricoscopia e afastamento de outras causas. A síndrome tricorrinofalangiana tipo-1 foi confirmada pela presença do gene TRPS-1.17 A alopecia areata e a moniletrix foram diagnosticadas pelo exame clínico18 e dermatoscópico.

A faixa etária das participantes no início da medicação não ultrapassou os 17 anos +6 meses +29 dias, para não atingir os 18 anos completos após seis meses de tratamento (Tabela 1).

Noventa e um por cento das pacientes melhoraram após seis meses de tratamento segundo avaliação fotográfica, densidade capilar e autoavaliação por questionário (Tabela 2 e Figuras 2, 3, 4 e 5 ). Apenas um caso não apresentou melhora (Tabela 2 e Figura 6).

As avaliações das fotografias pelos dermatologistas foram concordantes com o resultado da avaliação da densidade capilar da área mais acometida. A opção de não saber qual era a foto pré e pós-tratamento serviu para que suas respostas não fossem induzidas.

Nenhuma paciente apresentou alergia. Duas pacientes (as mais novas) tiveram que macerar o produto e apresentaram náuseas sem vômitos no início do tratamento, mas finalizaram o estudo. Não houve queixas de epigastralgias, dores abdominais nem diarreia.

As principais limitações do estudo são: amostra reduzida, não ser controlado, inclusão de participantes com diferentes diagnósticos e possibilidade de melhora espontânea da alopecia areata e eflúvio telógeno.16,19

 

CONCLUSÃO

O uso de NC à base de proteoglicanos em monoterapia para tratamento de crianças e adolescentes com alopecias não cicatriciais mostrou-se eficaz e bem tolerado. Esses achados preliminares necessitam ser confirmados por estudos controlados e com maior amostragem.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Rogério Nabor Kondo | 0000-0003-1848-3314
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Airton dos Santos Gon | 0000-0003-1219-5581
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Paulo Muller Ramos | 0000-0002-1561-414X
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

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