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Artigo Original

Melanoma acral - Estudo clínico e epidemiológico

Yara Alves Caetano; Ana Maria Quinteiro Ribeiro; Bruno Ricardo da Silva Albernaz; Isabella de Paula Eleutério; Luiz Fernando Fleury Fróes Junior

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201222526

Data de recebimento: 10/02/2020

Data de aprovação: 29/05/2020


Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, Goiânia (GO), Brasil


Abstract

INTRODUÇÃO: As características do melanoma acral (MA) diagnosticado no Brasil são pouco estudadas.
OBJETIVOS: Avaliar as características do MA dos pacientes diagnosticados no Serviço de Dermatologia em um hospital de referência e verificar se as possíveis diferenças entre eles teriam importância na determinação do diagnóstico, tratamento e prognóstico.
MÉTODOS: A casuística foi subdividida em doença localizada e doença avançada. Os pacientes foram comparados quanto ao sexo, cor, idade, espessura e nível de invasão da lesão primária, estadiamento, tempo decorrido entre a percepção do tumor e o atendimento pelo médico.
RESULTADOS: A análise dos dados mostrou frequência aumentada do MA em pacientes não brancos, com faixa etária mais elevada, porém sem diferenças significativas. Não ocorreram diferenças significativas também quanto ao sexo e estadiamento, bem como com relação ao tempo decorrido entre perceber a neoplasia e procurar o médico.
CONCLUSÕES: O MA ocorre, principalmente, em pacientes que normalmente não são alertados para câncer da pele (não brancos) e pertencem a uma faixa etária mais elevada. Essa forma de câncer é desconhecida do público em geral; e na população médica a região acral, especialmente pés, é esquecida no exame físico.


Keywords: Análise de Sobrevida; Detecção Precoce de Câncer; Melanoma


INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a incidência de melanoma cutâneo aumentou no mundo. É considerado o quinto câncer mais comum nos Estados Unidos. Existe um acréscimo anual constante do melanoma, desde 1950, de 6% na incidência e 2% na mortalidade.1 No Brasil, segundo as estatísticas do INCA (Instituto Nacional de Câncer), são previstos para o biênio 2018-2019 cerca de 2.920 casos novos em homens e 3.340 casos novos em mulheres por ano. Esta incidência é relativamente baixa, porém com altas taxas de letalidade.2(Figura 1)

Uma classificação anátomo-clínica subdivide o melanoma cutâneo em quatro tipos: expansivo superficial, nodular, lentigo maligno e lentiginoso acral¹ O melanoma acral (MA) acomete regiões palmoplantares, extremidades digitais, mucosas e semimucosas; e é mais frequente em não brancos (35 a 60%). Não tem predileção por sexo e, em geral, ocorre na sétima década de vida. Nas extremidades digitais, pode apresentar-se como: lesão tumoral acastanhada subungueal, melanoníquia estriada, fragmentação longitudinal da lâmina ungueal, além de paroníquia crônica e persistente.5

O conhecimento atual sobre fatores de risco, epidemiologia e prevenção do melanoma, de uma forma geral, é baseado em estudos em brancos e nos subtipos mais comuns de melanoma. Dessa forma, não existem muitos trabalhos direcionados especificamente ao estudo do melanoma acral, que é mais comum na população negra, asiática e idosa. Além disso, com base nas descrições existentes em literatura, o MA é o subtipo com pior prognóstico e os pacientes acometidos apresentam a menor sobrevida. Então, existe a necessidade de novos estudos que evidenciem aspectos clínicos e epidemiológicos do MA.3

Para pacientes com melanoma acral, a recomendação é semelhante à de outras localizações: fazer uma biópsia quase sempre excisional seguida de excisão completa da lesão com margens de acordo com a avaliação da espessura de Breslow. Os objetivos da ressecção são a cura e evitar a recorrência local. Margens insuficientes estão relacionadas a uma maior taxa de recidiva e menor sobrevida. Nesse sentido, o melanoma acral é um grande desafio cirúrgico, visto que o fechamento da ferida primária é mais difícil nesta localização e nos casos extensos. Por vezes, necessita de reconstrução. A amputação não deve ser realizada se possível. Cirurgias funcionais são atualmente sugeridas. É recomendado evitar as mutilações do passado.8 A cicatrização por segunda intenção é recomendada para facilitar o seguimento, com finalidade de detecção precoce de recidiva. Isto porque é observada hipercromia em pacientes melanodérmicos submetidos à reconstrução por retalho ou enxerto.

Existem diferentes distribuições de alterações genéticas nos principais genes entre os subtipos de melanoma. São classificadas de acordo com o local anatômico e a exposição solar. Isto indica um forte envolvimento de diferentes vias moleculares na tumorogênese. Em particular, uma prevalência aumentada de ativação de mutações do cKIT, principalmente acompanhadas de superexpressão gênica e/ou amplificação e, em menor extensão, do BRAF e mutações NRAS, foi descrita em um subconjunto específico de melanomas mucosos e acrais.4

Portanto, o objetivo do presente estudo é avaliar as características clínicas e epidemiológicas do melanoma acral nos pacientes atendidos em unidade de referência em Dermatologia e comparar os resultados com os já descritos na literatura nacional e internacional.

 

MÉTODOS

O estudo é classificado como retrospectivo, transversal e descritivo, realizado no Serviço de referência em Dermatologia. Foram registrados 10 casos de melanoma acral nesse Serviço no período de janeiro de 1990 a outubro de 2019.

O presente projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa e a coleta de dados iniciada após a aprovação pelo mesmo. Todos os preceitos ético-legais estão de acordo com as normas da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Foram incluídos no estudo pacientes previamente diagnosticados com melanoma nas localizações palmoplantares, extremidades digitais, mucosas e semimucosas, diagnosticados e acompanhados no Ambulatório de Dermatologia, independentemente de idade, sexo, Breslow ou terapêutica instituída. Foram excluídos desse estudo pacientes que não concordaram em participar do estudo ou que não assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) ou ainda que não apresentaram material anatomopatológico disponível para estudo no Serviço de Anatomia Patológica.

Todos os pacientes foram avaliados quanto às variáveis sexo, cor, idade, localização do tumor, subtipo histológico, nível de Clark, espessura de Breslow, fase de crescimento, presença de invasão perineural e perivascular, metástase e desfecho do tratamento. Outro aspecto incluído foi o tempo decorrido entre o paciente perceber a lesão e comparecer à consulta médica.

Quanto à idade, foi utilizada a média e mediana, além de separar os pacientes por faixa etária (< 40 anos e > 40 anos); em relação à cor, foram classificados em brancos e não brancos. O Breslow foi dividido em dois grupos: < 1mm e > 1mm. Os pacientes foram então categorizados em dois grupos: doença localizada e doença avançada, de acordo com o estadiamento clínico-patológico TNM 9ª edição AJCC-2019. No grupo “doença localizada” foram alocados os pacientes até estádio IIC; e no grupo “doença avançada”, aqueles acima do estádio III. Os dois grupos foram comparados quanto às mesmas variáveis acima citadas.

A avaliação estatística foi realizada, por meio do teste de qui-quadrado e do teste U de Mann-Whitney, estabelecendo-se um nível de significância de 5% (alfa=0,05). Foram calculados intervalos de confiança de 95% (IC 95%) para as estimativas utilizadas.

 

RESULTADOS

A distribuição dos casos com relação a gênero mostrou três pacientes do sexo masculino (30%) e sete do sexo feminino (70%). Não ocorreu diferença estatística ao se compararem os dois grupos (p=0,500). Quanto à cor, o grupo apresentou quatro casos de pacientes brancos (40%) e seis casos de pacientes não brancos (60%).

Quanto à idade, os dados mostraram uma média de 53,2 anos e desvio-padrão de 14,7 anos. Quanto à localização, 80% dos pacientes apresentaram lesões nos pés e 20%, nas mãos; não foram identificadas lesões de mucosa. Quanto ao subtipo, 40% foram do tipo lentiginoso acral, 30% extensivo superficial e 30% não foram descritos no anatomopatológico.

A determinação da média das espessuras do índice de Breslow das lesões primárias foi possível em sete casos: 30% com Breslow <1mm, 50% com Breslow maior ou igual a 1mm e 20% não descritos em prontuário. A média da espessura foi de 3,89mm e o desvio-padrão de 5,45. No grupo de doença localizada, a média foi de 1,02mm, com desvio-padrão de 0,64. No grupo de doença avançada, a média do índice de Breslow foi de 11,05, com desvio-padrão de 5,73. Não houve diferença significativa entre os dois grupos (teste U de Mann-Whitney, p=0,053).

Em relação ao estadiamento proposto, em casuística e métodos, não foram encontradas diferenças estatísticas entre os grupos de doença localizada e doença avançada, em especial a localização nos pés, subtipo lentiginoso acral, nível de Clark, fase de crescimento radial, óbito/perda de seguimento e tempo de evolução > cinco anos como marcadores de pior prognóstico. Sexo feminino também não foi considerado fator de risco, pelo teste qui-quadrado.

 

DISCUSSÃO

Na literatura, já é descrita maior frequência de MA em pacientes negros e em pacientes da faixa etária entre 60 e 70 anos; não houve diferença descrita entre os sexos, em concordância com os dados aqui obtidos.

A amostra do presente estudo foi pequena, por isso, possivelmente, a dificuldade nos cálculos de significância estatística. Além disso, a revisão de prontuários nem sempre é esclarecedora: dados como raça, escolaridade, dificuldade de acesso ao sistema de saúde são importantes no diagnóstico (tardio x precoce) e interferem no prognóstico desses pacientes, mas nem sempre estão bem descritos. Os dados incluíram um período longo para coleta (20 anos). Houve uma dificuldade de padronização da descrição dos laudos anatomopatológicos por causa da diferença na descrição quando coletados no início em comparação ao fim do período. Isto prejudica o poder de correlação de dados como ulceração, número de mitoses, invasão perivascular e perineural com o desfecho da doença.

Nesse sentido, um estudo prospectivo, com questionário definido e devidamente preenchido, além de padronização da descrição dos anatomopatológicos, poderia ter mais sucesso em definir fatores de risco e prognósticos. Por outro lado, o seguimento a médio e longo prazos poderia verificar se virão a existir diferenças evolutivas em relação a metástases e sobrevida entre os pacientes do grupo doença avançada versus localizada. Caso não seja possível, outro trabalho teria que ser pensado para diferenciar o comportamento biológico dos vários tipos de crescimento, principalmente ao se considerarem fatores moleculares e genéticos, mutações.

Por exemplo, do ponto de vista patogenético, as mutações BRAF são as alterações oncogênicas mais comuns no melanoma. Os melanomas mucosos e acrais frequentemente tem um BRAF do tipo selvagem, mas podem apresentar mutações do gene cKIT. Evidências recentes sugerem que os melanomas da mucosa com ativação do cKIT podem responder aos inibidores do KIT disponíveis para uso, como o imatinibe, sunitinibe, dasatinibe e nilotinibe. E essa possibilidade poderia mudar o prognóstico e a sobrevida nos pacientes com doença avançada. O papel dessas alterações na gênese do melanoma necessita, ainda, ser mais bem definida.4

Em relação à idade e à localização das lesões, os pacientes mais idosos poderiam ter maior dificuldade no autoexame. Por este motivo, poderiam ser diagnosticados mais tardiamente e contribuir para um possível pior desfecho?

As campanhas para prevenção do câncer de pele ressaltam fototipo baixo como fator de risco e recomendam fotoproteção como principal medida. O MA atinge, como demonstrado em literatura, preferencialmente, pacientes não brancos, com lesões primárias localizadas principalmente na região plantar, áreas essas sem qualquer influência da radiação solar. Além disso, atualmente, ainda não são conhecidos os fatores de risco para MA.

 

CONCLUSÕES

Este estudo permite extrair as seguintes observações a respeito dos pacientes de melanoma acral (MA) diagnosticados no Serviço de Dermatologia:

• Não existem diferenças estatísticas significativas entre os sexos, há predomínio de pacientes idosos (> 40 anos), em não brancos e de localização plantar; maior índice de Breslow está relacionado, em geral, a diagnóstico tardio e pior desfecho;

• As campanhas públicas de prevenção e diagnóstico de câncer de pele devem enfatizar a possibilidade de essa forma de câncer não estar vinculada à exposição solar, à cor de pele e à idade preferencial;

• Para o MA não há forma de prevenção. Seus fatores de risco ainda são desconhecidos; por isto, devemos priorizar o diagnóstico precoce;

• Estudos imunogenéticos poderiam auxiliar na correlação de comportamento tumoral, agressividade, possibilidade de recidiva e resposta ao tratamento a fim de aumentar a sobrevida livre de doença nesses pacientes.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Yara Alves Caetano | 0000-0001-8483-8617
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Ana Maria Quinteiro Ribeiro | 0000-0001-9872-0476
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Bruno Ricardo da Silva Albernaz | 0000-0002-8435-226X
Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito.

Isabella de Paula Eleutério | 0000-0001-6937-4260
Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito.

Luiz Fernando Fleury Fróes Junior | 0000-0002-1202-6211
Participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

 

REFERÊNCIAS

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3. Gomes E, Landman G, Belfort F, Schmerling R. Estadiamento do melanoma pela AJCC. In: Paschoal F. Atualizações no estadiamento do melanoma. 9th ed. GBM: São Paulo; 2019. p.3-7.

4. Colombino M, Lissia A, Franco R, Botti G, Ascierto P, Manca A, et al. Unexpect distribution of cKIT and BRAF mutations among southern Italian patients with sinonasal melanoma. Dermatology. 2013;226(3):279-84.

5. Marsden JR, Newton-Bishop JA, Burrows NB, Cook M, Corrie PG, Cox NH, et al. Revised UK guidelines for the management of cutaneous melanoma 2010. Br J Dermatol. 2010. 163(2):238-56.

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