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Artigo Original

Biópsia excisional do carcinoma basocelular primário e bem delimitado diagnosticado pela clínica e dermatoscopia: acurácia diagnóstica e terapêutica

André Cesar Antiori Freire Pessanha1; Rebecca Silveira1; Fabianne Hemy Chu2; Beatriz R. Siqueira da Silva Costa2; Maria Gabriela Brandão Carneiro2; Marjorie Sayuri Yoshii3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201223575

Data de recebimento: 12/04/2020
Data de aprovação: 06/06/2020


Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia da Universidade de Mogi das Cruzes, Mogi das Cruzes (SP),
Brasil


Abstract

INTRODUÇÃO: O carcinoma basocelular (CBC) é a neoplasia maligna mais comum. Corresponde a 70- 80% dos tumores cutâneos. É diagnosticado pela suspeita clínica aliada à dermatoscopia, que permite definir os seus limites.
OBJETIVO: Avaliar se critérios clínicos e dermatoscópicos podem ser suficientes para diagnóstico e tratamento do CBC primário e bem delimitado.
MATERIAIS E MÉTODOS: Revisão de suspeitas de CBCs primários, bem delimitados, operados por biópsia excisional (margem de 3mm) no serviço de Dermatologia da Universidade de Mogi das Cruzes (2017 a 2019). Aplicado o teste qui-quadrado para avaliar a significância das margens.
RESULTADOS: Foram 169 lesões avaliadas. Predominaram: sexo feminino, 8a década de vida. Resultaram no exame histopatológico 141 CBCs. Avaliando-se as margens de segurança para os casos de CBC houve 95% de margens livres (p=0,0004998).
DISCUSSÃO: Existem elementos dermatoscópicos comuns entre o CBC e outras neoplasias e lesões benignas, o que justifica outros diagnósticos encontrados. A margem cirúrgica de 3mm foi apropriada para CBCs primários bem delimitados, agilizando o processo de cura e reduzindo custos.
CONCLUSÃO: Para suspeitas clínico-dermatoscópicas de CBC bem delimitados, a biópsia excisional mostrou-se eficaz quanto ao diagnóstico e às margens de segurança.


Keywords: Dermatoscopia; Diagnóstico; Margens de segurança


INTRODUÇÃO

O carcinoma basocelular (CBC) é a neoplasia maligna mais comum do ser humano. Corresponde a 70-80% dos tumores cutâneos. Exposição à radiação ultravioleta (RUV) é o seu principal fator de risco. Já os fatores constitucionais de risco são fototipos I e II de Fitzpatrick, sardas na infância e história familiar (30 a 60%). Acomete mais homens que mulheres (provavelmente devido a fatores de exposição ocupacional), mas estudos revelam recente elevação na proporção de mulheres (odds ratio = 1,5), inclusive com menos de 40 anos, o que pode ser atribuído à maior procura por cuidados dermatológicos, laser, fotoexposição e uso de câmaras de bronzeamento. A incidência de CBC vem aumentando a uma taxa de 10% ao ano. Depleção da camada de ozônio e aumento da longevidade são outros fatores implicados.1

Clinicamente, o CBC apresenta as seguintes variantes: nodular/ulcerado (mais comum, cabeça e pescoço em geral), superficial (tronco e ombros), esclerodermiforme (pior prognóstico, face em geral), pigmentado (mais comum em melanodérmicos) e fibroepitelioma (lombossacral, pubiana, genitocrural). Histologicamente, suas variantes são: sólido, adenoide, pigmentado, micronodular, esclerodermiforme, infiltrativo, metatípico (basoescamoso). As três primeiras são consideradas de baixo risco, já as demais são de pior prognóstico.1

O diagnóstico do CBC é feito a partir da suspeita clínica. A dermatoscopia incrementa acurácia diagnóstica. Estudos de performance de teste mostraram que a dermatoscopia, comparativamente ao olho nu, melhora a sensibilidade de 66,9% para 85%. Já a especificidade passa de 97,2% para 98,2%.2

Há uma classificação para o CBC definindo-o como de alto ou baixo risco. Tumores de baixo risco são aqueles com bordos bem definidos, primários, em imunocompetentes, subtipos histológicos de baixo risco, sem radioterapia prévia e sem envolvimento perineural. Qualquer parâmetro oposto define o tumor de alto risco.3

Quanto à topografia, são definidas as áreas L (low risk), M (medium risk) e H (high risk). A área L é composta por membros e tronco, exceto área pré-tibial, mãos e pés. A área M é composta por fronte, bochechas, couro cabeludo, pescoço e área pré-tibial. Já a área H é composta pela região central da face (perioral, mento, nariz, periorbital), além de têmporas e orelhas, mãos, pés e genitália. Definindo-se o risco da área, define-se o tamanho do tumor em cada uma destas áreas para classificá-lo em alto ou baixo risco. O tumor de baixo risco é menor que 20mm, se localizado na área L, menor que 10mm na área M, e não acomete a área H por definição. Valores maiores ou iguais nas respectivas áreas mencionadas ou acometimento da área H definem o tumor de alto risco.3

Existem técnicas de biópsia incisional que podem ser realizadas para confirmação ou exclusão do diagnóstico: biópsia por shaving (mais abrangente, porém pode gerar eritema perilesional que superestima a margem do tumor a posteriori) e por punch (ainda que sem o inconveniente anterior, pode não incorporar outros padrões histológicos que modificariam o risco da lesão). Análises retrospectivas mostram ainda que há concordância de 60,9% entre biópsias pré-cirúrgicas e o resultado após exérese final.3

Diante da acurácia diagnóstica da dermatoscopia, que permite identificar estruturas subclínicas de CBC em pele aparentemente sã4, é possível estabelecer seus limites, principalmente se o tumor for bem delimitado. A partir destes limites, implementa-se a margem de incisão desejada. Para tumores pequenos (menores que 2cm), 3 a 4mm são usualmente suficientes para se atingir a cura. Taxas de recorrência em cinco anos são de 0,7 a 5% para lesões de baixo risco.3

A literatura é escassa ao se pesquisar o método de biópsia excisional de CBC, diante de tamanha acurácia da dermatoscopia para o seu diagnóstico2 e definição de margens.4

 

OBJETIVO

Avaliar se os critérios clínicos e dermatoscópicos podem ser suficientes para a resolução em um só tempo cirúrgico (biópsia excisional) do diagnóstico e tratamento do CBC primário e bem delimitado. Objetivo secundário é avaliar o perfil epidemiológico destes pacientes.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Revisão de casos suspeitos de CBCs primários, bem delimitados (critérios clínico-dermatoscópicos, utilizando o algoritmo “Chaos and Clues”), operados por biópsia excisional (margem de 3mm a partir da borda demarcada pela dermatoscopia) (Figura 1) no serviço de Dermatologia da Universidade de Mogi das Cruzes nos anos de 2017, 2018 e 2019.

A coleta de dados foi baseada nas informações presentes na tabela Excel contendo os números de prontuários dos pacientes, além de dados como idade, gênero, localização das lesões, diagnósticos encontrados, subtipos de CBC, método de fechamento da ferida e margens livres.

Este estudo teve natureza quantitativa, método estatístico descritivo, caráter anônimo, abordagem exploratório-descritiva e corte transversal. Obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) no: 2.991.936 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) no: 011515118.0.0000.5497.

As variáveis dependentes de interesse foram as margens do CBC por meio do dermatoscópio e do exame anatomopatológico (AP). As variáveis independentes foram: gênero, ano da coleta, idade do paciente, localização do CBC por meio do exame AP e subtipo (AP). Como são variáveis qualitativas, foram confeccionadas tabelas de contingência e aplicado o teste de qui-quadrado (c2) com nível de significância 95% (20.000.000 bootstraps para estimar o p-valor) para verificar as relações entre as variáveis supracitadas. Tais análises foram realizadas no software estatístico R (R Core Team, 2019) com os pacotes “gplots” (Warnes et al, 2020) e “corrplot” (Wei & Simko, 2017).

 

RESULTADOS

Foram 169 lesões avaliadas. A maior parte dos pacientes atendidos foi do sexo feminino (55%) (Figura 2). A faixa etária predominante foi a 8a década (37%) (Figura 3). Quanto à localização, foram detectadas 63 lesões (37%) na área H, 42 (25%) na área M e 64 (38%) na área L (Figura 4). Foram detectados pelo exame histopatológico 141 casos de CBC (Figura 5), correspondendo a um valor preditivo positivo de 83,4% com o uso da dermatoscopia. O subtipo histológico nodular (considerando a variante “sólido” como sinônimo) foi o achado mais comum dentre os CBCs, com 82 casos encontrados (58%) (Figura 6). Classificando-se em subtipos de alto risco x baixo risco histológico encontra-se a seguinte proporção: 21 casos (14,1%) x 120 casos (85%), respectivamente. Considerando-se os casos de CBC, há um aumento para 95% de casos com margens livres (134/141) (Figura 7), com significância estatística pelo teste qui-quadrado (p=0,0004998). Dos seis casos com margens comprometidas, quatro localizavam-se na região nasal, um no mento (em que foi adotada reconstrução por retalho de pele) e um no colo. Fechamentos simples (englobando borda a borda e segunda intenção) corresponderam a 150 casos (88,7%) (Figura 8).

 

DISCUSSÃO

Neste estudo, foram confirmados histologicamente 83,4% de casos suspeitos de CBC (Figura 5). Considerando-se somar outras lesões neoplásicas queratinocíticas (carcinoma espinocelular - CEC, queratoacantoma- QAc, queratose actínica- QA), este índice atinge 95,8% (Figura 5). Define-se este índice como valor preditivo positivo (verdadeiro-positivos/verdadeiro-positivos + falso-positivos). Portanto, ainda que haja critérios dermatoscópicos clássicos para CBC em alguns casos, em outros observa-se uma sobreposição de diagnósticos diferenciais. O método “Chaos and Clues” dermatoscópico recomenda iniciar a avaliação pelo “caos” da lesão analisada, sugerindo malignidade. A partir de então, pistas (“clues”) são procuradas para uma aproximação máxima do diagnóstico. Entretanto, existem elementos comuns entre o CBC e outras neoplasias e lesões benignas5: ulceração (CBC x CEC), linhas brancas (CBC x queratose liquenoide- QL), vasos polimorfos (CBC x queratose seborreica-QS x QL), vasos em pontos/torcidos/serpentina (CBC x cicatriz), vasos radiais (CBC ulcerado x CEC).5 Importante lembrar da possibilidade de colisões de lesões como CBC e QS.6

As margens cirúrgicas de 3mm foram apropriadas para CBCs primários bem delimitados. Com o adequado gerenciamento logístico (estratificação de risco baixo, baixo impacto pessoal de uma cicatriz para o paciente, técnica de fechamento simples, disponibilidade para uma ágil ampliação de margem, se necessária), a biópsia excisional nestes casos impacta positivamente, agilizando o processo de cura, reduzindo a angústia7 do paciente pela espera de um pré-resultado da biópsia incisional e de uma cirurgia, dada a estigmatização do câncer. Além disso, há tendência de benefício econômico para o serviço de assistência (menor custo de materiais cirúrgicos e utilização otimizada do setor cirúrgico-dermatológico).8 Considerando uma lesão pequena, existiria ainda mais uma vantagem de se realizar a biópsia excisional: avaliação de todos os subtipos histológicos presentes na lesão.

Apesar de contemplarem características importantes para CBC de baixo risco, muitas lesões estavam na área H (Figura 4). Inclusive cinco das seis lesões com comprometimento de margens encontravam-se nesta região. Além disso, não se mencionou neste estudo a dimensão das lesões para classificá-las como de alto ou baixo risco. Ainda em lesões de alto risco, considera-se interessante este método de biópsia excisional com algumas ressalvas: lesões pequenas e bem delimitadas na área H, método de reconstrução que não gere distorção anatômica importante (borda-a-borda ou segunda intenção) e a disponibilidade para reabordagem precoce, com a técnica apropriada (exemplo: cirurgia micrográfica de Mohs na área H) caso haja um comprometimento de margens.

O resultado de tipos histológicos menos agressivos (85%) compondo a maioria dos resultados confirma a correlação clínico-histológica para a maioria dos casos bem delimitados.

A preponderância no sexo feminino (contra os dados da literatura que, entretanto, apontam para incidência ascendente nas mulheres) sugere uma pesquisa atual de gênero para tumores de baixo risco ou epidemiologia geral de CBC. Observou-se que a face, mesmo apresentando lesões bem delimitadas, é uma área de acometimento importante (46% das lesões biopsiadas), com maior destaque para a região nasal.

 

CONCLUSÃO

Para suspeitas clínico-dermatoscópicas de CBC bem delimitados, a biópsia excisional com margem de 3mm mostrou-se eficaz quanto ao diagnóstico e às margens de segurança.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

André Cesar Antiori Freire Pessanha | ORCID: 0000-0001-9806-4245
Tratamento e acompanhamento dos pacientes; coleta de dados; revisão crítica da literatura e elaboração e redação do manuscrito.

Rebecca Silveira | ORCID: 0000-0001-7164-4717
Tratamento e acompanhamento dos pacientes; coleta de dados; revisão crítica da literatura e elaboração e redação do manuscrito.

Fabianne Hemy Chu | ORCID: 0000-0001-7070-4570
Análise estatística; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados.

Beatriz Rodrigues Siqueira da Silva Costa | ORCID: 0000-0001-7911-7735
Análise estatística; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados.

Maria Gabriela Brandão Carneiro | ORCID: 0000-0002-2009-9568
Análise estatística; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados.

Marjorie Sayuri Yoshii | ORCID: 0000-0002-7086-1119
Análise estatística; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados.

 

REFERÊNCIAS

1. Chinem VP, Miot HA. Epidemiologia do carcinoma basocelular. An Bras Dermatol. 2011;86(2):292-305.

2. Reiter O, Mimouni I, Gdalevish M, Marghoob AA, Levi A, Hodak E, et al. The diagnostic accuracy of dermoscopy for basal cell carcinoma: a systematic review and meta-analysis. J Am Acad Dermatol. 2019;80(5):1380-8.

3. Cameron MC, Lee E, Hibler BP, Giordano CN, Barker CA, Mori S, et al. Basal cell carcinoma: contemporary approaches to diagnosis, treatment, and prevention. J Am Acad Dermatol. 2019;80(2):321-39.

4. Lallas A, Apalla Z, Ioannides D, Argenziano G, Castagnetti F, Moscarella E, et al. Dermoscopy in the diagnosis and management of basal cell carcinoma. Future Oncol. 2015;11(22):2975-84.

5. Rosendahl C, Cameron A, Tschandl P, Bulinska A, Zalaudek I, Kittler H. Prediction without pigment: a decision algorithm for non-pigmented skin malignancy. Dermatol Pract Concept. 2013;4(1):59-66.

6. Kurihara Y, Furue M. Occult basal cell carcinoma arising in seborrheic keratosis. Case Rep Dermatol. 2019;11(1):48-5.

7. Caddick J, Green L, Stephenson J, Spyrou G. The psycho-social impact of facial skin cancers. J Plastic Reconstr Aesthet Surg. 2012;65(9):e257-Mudigonda T, Pearce DJ, Yentzer BA, Williford P, Feldman SR. The economic impact of non-melanoma skin cancer: a review. J Natl Compr Canc Netw. 2010;8(8):888-96.


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