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Artigo Original

Tratamento cirúrgico da onicocriptose: excisão do tecido mole circunjacente ao leito ungueal utilizando radioeletro-cirurgia e criocirurgia

Carmélia Matos Santiago Reis1, Eugênio G.M. Reis Filho1

Recebido em: 11/07/2010
Aprovado em: 11/09/2010

Trabalho realizado no Hospital Regional da
Asa Norte – Brasília (DF), Brasil.
Suporte financeiro: Nenhum

Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

Introdução: A onicocriptose ou unha encravada é processo doloroso originário da penetração da lâmina ungueal no tecido mole circunjacente.Várias opções terapêuticas, cirúrgicas ou conservadoras são utilizadas. Em contraste com outros tratamentos invasivos, a técnica combinada da radioeletrocirurgia com criocirurgia não causa dano permanente à matriz ou prega ungueal, tendo várias vantagens em relação aos tratamentos usuais.
Objetivo: Avaliar eficácia e segurança da associação de radioeletrocirurgia e criocirurgia no tratamento da unha encravada.
Métodos: Estudo retrospectivo observacional. Dezesseis pacientes com onicocriptose, foram submetidos à eletrocirurgia com radiofrequência para remoção do tecido de granulação pro- movendo a acomodação da lâmina ungueal, seguida de congelamento com nitrogênio líquido.
Resultados: Após 10 dias os pacientes relataram melhora do desconforto causado por sua patologia, podendo retomar o uso de sapatos.Durante o seguimento, de 24 meses, apenas um paciente apresentou recidiva em uma das unhas, sendo repetida a técnica.
Conclusões: A técnica descrita mostrou-se conveniente devido à fácil execução, ao baixo custo, aos bons resultados cosméticos e à satisfação do paciente.


Keywords: UNHAS ENCRAVADAS, CRIOTERAPIA, RADIOCIRURGIA, ELETROCIRURGIA, CRIOCIRURGIA


INTRODUÇÃO

A onicocriptose ou unha encravada é processo doloroso originário da penetração da lâmina ungueal no tecido mole circunjacente, 1,2 com predomínio nos grandes artelhos e maior frequência no sexo masculino, na proporção de 3:1, ocorrendo o acometimento entre 10 e 30 anos de idade. 3 É doença multifatorial, destacando-se a convexidade exagerada da lâmina ungueal, o uso de calçados apertados, a excessiva pressão externa, traumas crônicos e o corte inadequado da unha. 4

Segundo Heifetz, assim se caracterizam os três estádios clínicos da unha encravada: 1 – penetração do canto da unha no tecido mole circunjacente, induzindo resposta inflamatória local com eritema, edema e dor; 2 – a espícula ungueal atua como corpo estranho e mantém o processo inflamatório ativo causando frequentemente infecções bacterianas; 3 – ocorre formação de tecido de granulação com aspecto exuberante. O paciente apresenta dor na porção lateral ou medial dos artelhos, acompanhada de drenagem de secreção purulenta e dificuldade na deambulação.5

A literatura refere várias opções terapêuticas: cirúrgicas, como matricectomia, fenolização e excisão completa da lâmina, ou conservadoras, como o uso de órteses acrílicas. 3,6 A eficácia do tratamento deve ser avaliada pela melhora dos sintomas, pela preservação da aparência estética da unha e principalmente pela baixa taxa de recorrência da patologia. 1,3 A proposta deste trabalho é mostrar os resultados obtidos com a associação de radioeletrocirurgia e criocirurgia na correção da unha encravada.

A radioeletrocirurgia de alta frequência é processo de corte e/ou coagulação tecidual obtido pela aplicação de corrente elétrica alternada. É de fácil aplicação, estando disponível na maioria dos consultórios dermatológicos. Suas vantagens são: rápida cicatrização; pouco sangramento, cicatrizes mínimas e estéticas, e menor tempo operatório.7

Na criocirurgia utilizam-se baixas temperaturas para a destruição tecidual. A terapia atua em quatro das principais características das onicocriptoses: dor, infecção secundária, excesso de tecido de granulação e dobras proeminentes da lâmina ungueal. 8

As técnicas são descritas na literatura como possíveis terapêuticas da onicocriptose, sendo utilizadas de forma isolada. Os autores propõem sua associação para investigar o grau de benefício no tratamento da onicocriptose.

MÉTODOS

Foram incluídos neste estudo retrospectivo observacional pacientes portadores de onicocriptoses em estádios clínicos 2 e 35 acompanhados pelo serviço de Dermatologia do Hospital Universitário da Universidade de Brasília. Foram excluídos os portadores de doenças vasculares e diabetes mellitus, e os de faixa etária superior a 60 anos.

Dezesseis pacientes foram selecionados, sete mulheres e nove homens, cujas idades variaram entre 15 e 27 anos. Doze pacientes eram portadores de unha encravada em ambos os haluxes; em um paciente, além dos haluxes, também ocorria o encravamento no segundo e terceiro pododáctilos do pé esquerdo; e três pacientes apresentavam onicocriptose em um dos hálux, totalizando 31 onicocriptoses. Oito pacientes nunca tinham sido submetidos a outros tratamentos. Nos demais já haviam sido utilizadas outras técnicas cirúrgicas, entre as quais, avulsão de lâmina ungueal e matricectomia, sem melhora.

Os pacientes foram previamente submetidos aos seguintes exames laboratoriais: hemograma, coagulograma, glicemia, sedimento urinário e exame micológico. Sendo este ultimo exame positivo, procedia-se, concomitantemente, ao tratamento com antimicóticos.

Esse protocolo seguiu as regras de boas práticas clínicas, de acordo com a declaração de Helsinki, revista em 2000.

Sequência e detalhamento da técnica:

  • assepsia e antissepsia com polivinil pilorridona (PVPI);
  • marcação da região com violeta de genciana a 1% (Figura 1);
  • bloqueio anestésico do terço superior dos artelhos acometidos com lidocaína a 2% sem vasoconstritor;
  • eletrólise com radiofrequência (aparelho Wavetronic 5000 LLEP Máster/ Loktal), com 80% de corte e 20% de coagulação e potência de 3mV; utilizou-se eletrodo de corte (alça redonda MR1) (Figura 2) e placa neutra em contato direto com a pele do paciente. Realizou-se a remoção do tecido de granulação com a espícula ungueal invaginada, delimitando-se cautelosamente a linha superior da inserção da lâmina ungueal; seguiu-se o aplainamento das bordas ungueais laterais, que resultou em melhor acomodação da lâmina;
  • congelamento com nitrogênio líquido (NL), utilizando garrafa padronizada para crioterapia.O gás foi pulverizado com ponteira B em spray aberto, realizando-se um ciclo de 5–10 segundos (até completo congelamento do tecido) (Figura 3);
  • curativo de contenção com ácido fusídico, oclusão com dedo de luva estéril, gazes, esparadrapo e ataduras.Nessa técnica não há necessidade de suturas.
  • Todos os pacientes foram examinados 24 e 72 horas após o procedimento e semanalmente até o fechamento da ferida cirúrgica. Foram avaliados: formação de tecido de granulação com avanço sobre a unha nas bordas laterais, presença de infecção secundária, dor e exsudato. Os pacientes receberam tratamento com cefalexina oral (2g/dia) durante 10 dias, tendo sido orientados a permanecer em repouso por 48 horas, mantendo curativos diários no próprio domicílio.O controle pós–cirúrgico foi realizado semanalmente com remoção dos debris teciduais e cauterização com solução de policresuleno a 36% (Albocresil ®).

    RESULTADOS

    Os 16 pacientes selecionados completaram o estudo.Todos apresentavam a patologia nos estádios 2 e 3. Segundo as avaliações clínicas, a reepitelização da ferida cirúrgica ocorreu em torno do décimo dia, porém uma bandagem protetora foi mantida até o 30 o dia devido à fragilidade da lâmina ungueal.

    Os pacientes ficaram afastados das atividades diárias durante dez dias, voltando a utilizar sapatos fechados com liberação para atividades esportivas após 30 dias. A média de duração da dor no pós–operatório foi de 72 horas (controlada com analgésicos comuns ou associações com codeína).Após esse período os pacientes não referiram mais a presença de dor, ocorrendo incômodo apenas durante o curativo, quando se realiza o desbridamento de tecidos necróticos.O seguimento foi realizado durante três (Figura 4), seis, 12 e 24 meses para avaliar a eficácia do método. A recidiva foi determinada pela recorrência da invaginação da espícula ungueal, dor local e formação de tecido de granulação. Apenas um paciente apresentou recidiva em uma das extremidades ungueais, sendo repetida a técnica.

    DISCUSSÃO

    A onicocriptose é síndrome dolorosa que expõe o paciente a muitos transtornos, sendo uma das causas temporárias de afastamento do trabalho. 2-4 Diversos tratamentos são descritos na literatura de acordo com o estádio clínico da patologia. Os tratamentos nos estádios iniciais são conservadores.Nesse período os pacientes devem ser orientados a utilizar sapatos confortáveis, sandálias abertas, corte correto das unhas, com lixamento das bordas laterais, evitando que as mesmas perfurem os tecidos das extremidades. 3,9

    Para os demais estádios clínicos, recente revisão da literatura relata a unha como o agente causal da patologia e sugere que todos os tratamentos devem envolver remoções parciais ou totais da lâmina ungueal. 10 Pearson et al. não encontraram diferenças no formato da unha entre pacientes portadores de onicocriptose e grupo-controle, sugerindo que o tratamento não deveria ser baseado na correção da inexistente deformidade da unha. 11

    Geralmente dor e inflamação resultam da penetração da lâmina ungueal no tecido celular subcutâneo (TCS), causando reação do tipo corpo estranho. O TCS traumatizado produz tecido de granulação que cresce sobre a lâmina ungueal. Entretanto, é necessário manter as proporções entre a unha e o tecido adjacente. 12-14

    Vandenbos e Bowers foram os primeiros a descrever a técnica de ressecção de larga porção de tecido mole circunjacente à unha sem lesionar a lâmina e a matriz ungueal. 12 Atualmente não há consenso sobre a melhor técnica cirúrgica para o tratamento – a ideal deveria incluir fácil execução, baixo custo, bons resultados cosméticos e poucas recorrências.1

    A técnica de avulsão da lâmina ungueal tem resultado imediato, com redução da dor e da infecção secundária, porém sua taxa de recorrência gira em torno de 70%. 1,15,16 A associação dessa técnica com a ablação da matriz ungueal também mostra baixos índices de cura. 10 A fenolização da matriz também mostra bons resultados, demandando, entretanto, habilidade do cirurgião, fator fundamental para alcançar o êxito desejado, visto que o fenol pode extravasar e causar dano aos tecidos ao redor da aplicação. 1,3,10,15,17,18

    Os autores adotaram a técnica de aplainamento das bordas ungueais laterais, sem destruição da lâmina e matriz ungueal, 12 e obtiveram por meio da associação de dois métodos – radioeletrocirurgia e criocirurgia –, excelentes resultados. Na literatura, a utilização da radioeletrocirurgia é ampla por minimizar o tempo operatório e diminuir sangramentos devido a sua ação hemostática. 7 A criocirurgia tem muitas vantagens no tratamento da onicocriptose por atuar em todos os estádios da patologia: a- controla a dor pelas alterações funcionais reversíveis nos nervos periféricos mantendo, por meio desse mecanismo, as lesões tratadas livres de dor; b- diminui a incidência de infecção secundária posto que o nitrogênio líquido é bactericida; c- colabora na destruição do tecido de granulação, como mostra o sucesso da técnica no tratamento do granuloma piogênico. 8

    A nova técnica proposta apresenta eficácia com altas taxas de cura e as seguintes vantagens:

  • o aplainamento das bordas ungueais laterais permite espaço suficiente para o crescimento natural da lâmina sem a inconveniência das dobras elevadas, que funcionam como verdadeiros "muros", interferindo na acomodação da lâmina ungueal;
  • a matriz ungueal é preservada, mantendo-se as características morfológicas da lâmina ungueal e contemplando- se o aspecto estético das unhas. A uniformidade em relação às demais unhas é conservada, proporcionando aos pacientes a liberdade de expor suas unhas;
  • o período de cicatrização transcorre com tranquilidade: o próprio paciente cuida de seu curativo, não há suturas nem deiscência;
  • a dor no pós–operatório é de curta duração.O tecido de granulação é completamente removido junto com os fragmentos ungueais nele englobados, reduzindo dessa forma o processo inflamatório e a dor;
  • ocorre pouco sangramento mantendo-se o campo cirúrgico limpo durante a remoção do tecido de granulação por radioeletrocirurgia; há concomitante coagulação dos pequenos vasos, facilitando o trabalho do cirurgião;
  • o procedimento é de fácil acesso e baixo custo, podendo ser realizado em pequenas salas de cirurgia e sendo acessível à maioria dos dermatologistas que possuem aparelhos de radioeletrocirurgia e criocirurgia.
  • CONCLUSÃO

    Os resultados do estudo mostram e confirmam que essa técnica cirúrgica é de fácil execução, baixo custo, apresentando bons resultados cosméticos com baixas recorrências. Revela-se opção terapêutica para as onicocriptoses.Os autores consideram os resultados convenientes quanto ao bem-estar e satisfação dos pacientes.

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