2943
Views
Open Access Peer-Reviewed
Relato de caso

Radioterapia com feixe de elétrons adjuvante à cirurgia de queloide gigante recalcitrante na orelha

Francisco Ronaldo Moura Filho1; Gabriela Della Ripa Rodrigues Assis2; Livia Sampaio Pereira1; Thais Helena Buffo1; Hamilton Ometto Stolf1,3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201211498

Data de recebimento: 10/12/2019
Data de aprovação: 10/02/2020

Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Trabalho realizado na Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP), Brasil


Abstract

O tratamento isolado do queloide apresenta resultado variável e, muitas vezes, insatisfatório. A combinação de terapêuticas tem se mostrado uma alternativa eficaz, principalmente para os casos recalcitrantes. A excisão cirúrgica e a irradiação no pós-operatório imediato com feixe de elétrons é uma alternativa efetiva na cicatrização e redução da taxa de recidiva dessas lesões. Os autores descrevem um paciente que apresentava queloide volumoso recalcitrante que obteve bom resultado terapêutico.


Keywords: Orelha; Queloide; Radioterapia


INTRODUÇÃO

Queloides são lesões benignas resultantes de proliferação fibrosa pós-traumática da pele. São resultantes da deposição excessiva de colágeno na matriz extracelular durante o processo de cicatrização. Morfologicamente, caracterizam-se por hiperplasia celular devido à presença de fibroblastos policlonais, intrinsecamente normais, que respondem a um sinal extracelular anormal. Tais lesões podem ser desfigurantes e causar desconforto físico, como dor, ardência e prurido. Também podem restringir movimento e formar fístulas locais após repetidas infecções e, consequentemente, afetar a qualidade de vida do paciente.1, 2

O tratamento cirúrgico isolado apresenta um alto índice de recidiva, sendo em torno de 50-80%, o que torna necessário o uso de terapias adjuvantes. As mais utilizadas são a crioterapia, a laserterapia, a compressão e a injeção intralesional de corticosteroides, com resultados variáveis. Atualmente, um tratamento estabelecido em queloides resistentes ou refratários é a excisão cirúrgica seguida de radioterapia (RT) com feixe de elétrons. As taxas de recorrência para o primeiro ano são tão baixas quanto 10% em alguns casos, e um protocolo típico consiste em excisão seguida da primeira sessão de radioterapia, com dez ou mais sessões posteriores. A dosagem e o tempo diferem entre as equipes e as instituições.2, 3

O uso da RT com elétrons, adjuvante ao tratamento cirúrgico, baseia-se no fato de que o queloide, uma vez formado, não é radiossensível. Nessas circunstâncias, o tecido fibroso sofrerá pouca ou nenhuma mudança com irradiação. Porém, os fibroblastos de cicatrizes recentes são altamente radiossensíveis.1, 3

O caso relatado trata de um queloide recalcitrante em que foi empregado tratamento cirúrgico com adjuvância de RT com elétrons com sucesso terapêutico.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 31 anos, apresentou lesão queloidiana volumosa, aproximadamente 15cm no maior eixo, originada no lóbulo do pavilhão auricular esquerdo e ocupando toda porção retroauricular ipsilateral (Figuras 1 e 2). O quadro teve início aos 11 anos de idade, após trauma, e já havia sido submetido a diversos tratamentos, incluindo cinco abordagens cirúrgicas com fechamento primário, duas cirurgias com eletrocoagulação e fechamento por segunda intenção e betaterapia após uma das abordagens cirúrgicas aos 14 anos de idade. Entre os procedimentos cirúrgicos, realizava infiltrações com corticoide intralesional e, apesar dos inúmeros tratamentos aos quais foi submetido, apresentou recidiva após todos os procedimentos, com crescimento progressivo. Em abril de 2018, foi submetido à nova abordagem cirúrgica com exérese total da lesão (Figura 3). Optou-se por complementação terapêutica com realização de RT com feixe de elétrons, iniciada no pós-operatório imediato. Os parâmetros utilizados foram: feixe de elétrons produzido por acelerador linear, 9MEV de energia (milhões de elétron volts = unidade de energia dos feixes de elétrons), 208u.m/tempo, 100 distância fonte-superfície (DFS), utilização do cone 10 para delimitação do campo, 100cm de distância entre a fonte e a superfície e dose diária de 200 centigrays (cGy). Foram realizadas 10 aplicações, com dose total de 2.000cGy, e as sessões foram distribuídas ao longo de duas semanas, diariamente, exceto aos finais de semana. Como efeito adverso, o paciente apresentou quadro de alopecia da barba e cabelo na área irradiada, com repilação total após término das sessões. O mesmo permanece em seguimento, com bom resultado estético e funcional e sem quaisquer evidências de recidiva 2 anos após da terapêutica instituída (Figura 4).

 

DISCUSSÃO

Existem diversos tratamentos disponíveis para queloides e todos isoladamente têm altas taxas de recorrência, incluindo o tratamento cirúrgico que chega a ter taxas próximas a 100% em alguns estudos. Dentre os tratamentos adjuvantes empregados, a radioterapia tem se mostrado com alta eficácia, tendo menor probabilidade de recidiva, e as principais formas utilizadas são a braquiterapia e a terapia com feixe de elétrons.1-5

A ação biológica da irradiação nos fibroblastos é inibição da proliferação e do estímulo da diferenciação dessas células.6

As modalidades de RT adjuvante para queloides operados são: RX convencional,7 betaterapia,1 RT em dose única,8 RT com feixe de elétrons.9 A RT com feixe de elétrons é superior à irradiação com RX convencional para o tratamento de queloides devido à melhor distribuição da dose no tecido.7

Não há consenso quanto à melhor modalidade a ser utilizada ou dose total a ser empregada. Trabalhos de meta-análise e revisão sistemática apontam que as doses totais de radioterapia com maior eficácia seriam entre 20 e 40 gray (Gy) (no caso relatado, a dose total foi de 20Gy) e que há proximidade quanto às taxas de recorrência entre a braquiterapia (12 % em um ano) e terapia com feixe de elétrons (9% em um ano), porém esta teria menor número de efeitos adversos como hipercromia e telangiectasias.1- 5

Um estudo comparativo entre o tratamento radioterápico com feixe de elétrons e betaterapia, após cirurgia de queloides, com seguimento dos pacientes ao longo de 10 anos, evidenciou melhor eficácia com feixe de elétrons (resultado bom e ótimo de 77% para terapia com elétrons versus 46% para a betaterapia) e atribui-se tal resultado à melhor distribuição da dose de radiação nos tecidos com o feixe de elétrons.1

Dentre as modalidades de RT, a com feixe de elétrons é a única que permite uma distribuição mais homogênea, tendo em vista a irregularidade da profundidade das lesões. Quando o feixe de elétrons é proveniente de aceleradores lineares ocorre uma melhor distribuição de energia, sendo mais adequada para cada espessura a ser irradiada.10

A associação de cirurgia e radioterapia com feixe de elétrons no pós-operatório imediato mostrou-se neste caso uma modalidade terapêutica com mínimos efeitos indesejáveis, bem tolerada e sem recidiva, corroborando alguns casos da literatura.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Dr. Antônio Carlos Zuliani de Oliveira pela realização da radioterapia e seguimento conjunto do caso com a Dermatologia

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Francisco Ronaldo Moura Filho | ORCID 0000-001-8275-9384
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Gabriela Della Ripa Rodrigues Assis | ORCID 0000-0001-5236-2554
Elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Livia Sampaio Pereira | ORCID 0000-0003-1317-6104
Elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.

Thais Helena Buffo | ORCID 0000-0002-6833-7596
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Hamilton Ometto Stolf | ORCID 0000-0003-4867-0276
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

1. Oliveira Júnior B, Lastoria JC, Pereira HR, Silveira LVA, Oliveira LP, Stolf HO. Estudo comparativo entre o tratamento radioterápico com elétrons e betaterapia, após cirurgia de queloides. Surgical & Cosmetic Dermatology. 2009;1(2):53-57.

2. Duan Q, Liu J, Luo Z, Hu C. Postoperative brachytherapy and electron beam irradiation for keloids: A single institution retrospective analysis. Mol Clin Oncol. 2015;3(3):550-554.

3. Capel AV, Palop JV, Olive AP, Fernandez ASR. Adjuvance in refractory keloids using electron beams with a spoiler: Recent results. Rep Pract Oncol Radiother. 2014;20(1):43-49.

4. Mankowski P, Kanevsky J, Tomlinson J, Dyachenko A, Luc M. Optimizing Radiotherapy for Keloids: A Meta-Analysis Systematic Review Comparing Recurrence Rates Between Different Radiation Modalities. Ann Plast Surg. 2017;78(4):403-411.

5. Shen J, Lian X, Sun Y, Wang X, Hu K, Hou X, et al. Hypofractionated electron-beam radiation therapy for keloids: retrospective study of 568 cases with 834 lesions. J Radiat Res. 2015;56(5):811-817.

6. Trott KR. Therapeutic effects of low radiation dose. Strahlenther Onkol. 1994;170(1):1-12.

7. Maarouf M, Schleicher U, Schmachtenberg A, Ammon J. Radiotherapy in the management of keloids. Clinical experience with electron beam irradiation and comparison with X-ray therapy. Strahlenther Onkol. 2002;178(6):330-5.

8. Ragoowansi R, Cornes PG, Moss AL, Glees JP. Treatment of keloids by surgical excision and immediate postoperative single-fraction radiotherapy. Plast Reconstr Surg. 2003;111(6):1853-9.

9. Akita S, Akino K, Yakabe A, Imaizumi T, Tanaka K, Anraku K, et al. Combined surgical excision and radiation therapy for keloid treatment. J Craniofac Surg. 2007;18(5):1164-9.

10. Oliveira Júnior B, Schellini SA, Lastória JC, Carvalho LR, Stolf HO, Oliveira ALP. Tratamento de queloides usando radioterapia pós-operatória com elétrons: estudo comparativo e randomizado com dois esquemas. Surgical & Cosmetic Dermatology. 2013;5(1):16-26.


Licença Creative Commons All content the journal, except where identified, is under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International license - ISSN-e 1984-8773