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Artigo Original

Biópsia por saucerização para diagnóstico diferencial de lentigo maligno na face e no couro cabeludo: abordagem diagnóstica

Bruna Laís Wedig; Fernando Eibs Cafrune

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201211473

Data de recebimento: 12/11/2019
Data de aprovação: 12/03/2020

Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Trabalho realizado na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil


Abstract

INTRODUÇÃO: O lentigo maligno é um subtipo de melanoma in situ que acomete áreas de intenso dano solar. Na face, ele pode ter aspecto clínico e dermatoscópico semelhante a diversas lesões pigmentadas benignas. O diagnóstico diferencial entre elas é fundamental para abordagem terapêutica adequada e deve, preferencialmente, ser feito pela análise histopatológica. A biópsia excisional é o padrão ouro, porém em lesões grandes, irressecáveis ou em locais de difícil abordagem ela pode gerar grande prejuízo estético e funcional. Nesses casos, a biópsia por saucerização parece ser uma alternativa segura e fidedigna.
OBJETIVO: Descrever a técnica adequada da saucerização, discutir seus resultados e suas indicações na rotina ambulatorial do dermatologista.
MÉTODOS: Foram selecionados 16 pacientes com suspeita de lentigo maligno na face e no couro cabeludo. Os critérios de inclusão foram idade maior que 18 anos, ausência de diagnóstico e tratamentos prévios, lesões planas, maiores que 8mm e com sinais clínicos e dermatoscópicos sugestivos. A abordagem realizada foi biópsia por saucerização.
RESULTADOS: O diagnóstico de lentigo maligno foi confirmado em 25% dos casos, e a ampliação de margens apresentou resultado compatível em 100% deles.
CONCLUSÕES: A biópsia por saucerização parece ser uma alternativa adequada para lesões planas sem evidências clínicas e dermatoscópicas de crescimento vertical.


Keywords: Biópsia; Diagnóstico; Lentigo; Melanoma; Procedimentos cirúrgicos ambulatórios


INTRODUÇÃO

O termo "melanoma in situ" foi usado pela primeira vez em 1949 por Lever, mas apenas em 1992 essa classificação foi oficialmente reconhecida como categoria diagnóstica dos melanomas.1 No melanoma in situ, as células neoplásicas estão confinadas à epiderme e ao epitélio anexial, não ultrapassando a camada basal dessas estruturas.2

Dentre os melanomas in situ, existe o lentigo maligno (LM), que acomete áreas de intenso dano solar, preferencialmente cabeça e pescoço, com pico de incidência entre os 65 e 80 anos de idade2. Representa uma das formas clínico-patológicas dos melanomas in situ e pode ter evolução prolongada, até de várias décadas, antes de evoluir para sua forma invasiva, o lentigo maligno melanoma (LMM).3

O lentigo maligno apresenta-se do ponto de vista clínico como uma mácula de bordas irregulares e mal definidas, pigmentação variada com distribuição assimétrica e com crescimento lento.3 Seu aspecto pode ser muito semelhante a outras lesões pigmentadas benignas da face, como as ceratoses seborreicas e o lentigo solar; pré-malignas, como as ceratoses actínicas; e malignas como o carcinoma basocelular pigmentadado. A diferenciação entre essas entidades assume grande importância para o planejamento da abordagem terapêutica.

A dermatoscopia é um exame complementar não invasivo que auxilia no diagnóstico diferencial entre essas lesões. Os critérios dermatoscópicos indicativos de LM são as estruturas romboidais, pseudo-rede irregular com aberturas foliculares assimétricas, granularidade acinzentada e borrões.3

Porém, na maioria dos casos, o diagnóstico definitivo das lesões pigmentadas depende da análise histopatológica. A técnica de biópsia ideal deve ser fácil e rápida (facilitar a aplicação generalizada), estar associada à mínima morbidade, permitir um estadiamento preciso das lesões consideradas malignas e não comprometer os resultados oncológicos a longo prazo.4 A biópsia excisional é considerada padrão-ouro pela possibilidade de se avaliar extensamente o tecido removido e definir com precisão as atipias celulares e a presença ou não de invasão da membrana basal, índice de Breslow e demais fatores prognósticos envolvidos nas neoplasias de origem melanocítica. Porém, existem alguns casos em que ela pode gerar um grande prejuízo estético e funcional, como em lesões pigmentadas grandes, irressecáveis e em locais de difícil abordagem, como na face. Nesses casos, a biópsia incisional guiada através de dermatoscopia tem sido considerada como abordagem inicial recomendada.

A biópsia incisional por punch é amplamente utilizada, e suas principais vantagens são a facilidade de execução e o potencial de fornecer informações precisas sobre o estágio T, já que ela geralmente se estende à gordura subcutânea e engloba a base do tumor primário. Porém, geralmente é realizada com punchs pequenos, de 3 ou 4mm, sendo que as maiores ferramentas disponíveis para sua realização são de 6 a 8mm, e nas lesões maiores ela pode não abranger toda a periferia da lesão. Dessa forma ela pode levar a erros do diagnóstico por impedir a análise de ferramentas importantes como a simetria, tamanho geral e circunscrição do tumor, ou ainda subestimar a verdadeira invasão do tumor por erro de amostra caso não englobe a porção mais profunda da lesão.4

Já a biópsia incisional por shaving profundo ou saucerização, alvo do nosso trabalho, parece ser superior a biópsia por punch na avaliação inicial de lesões pigmentadas superficiais e extensas.5 Esse tipo de técnica é rápido e prático, podendo ser realizado no consultório sob anestesia local e possibilita uma maior amostragem tecidual sem comprometer funcional ou esteticamente.

Esse trabalho tem o objetivo de descrever a técnica adequada da biópsia por saucerização, discutir os resultados e suas indicações para abordagem inicial de lesões pigmentadas na face na rotina ambulatorial do dermatologista.

 

METODOS

Trata-se de um estudo piloto. Foram selecionados 16 pacientes nos ambulatórios de Dermatologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre entre os meses de maio a outubro de 2019 com suspeita de lentigo maligno na face e no couro cabeludo. As lesões foram previamente analisadas pela dermatoscopia, e os critérios utilizados para a seleção incluíram pacientes com idade maior que 18 anos, sem diagnóstico e tratamentos prévios, com presença de lesões pigmentadas planas, maiores do que 8mm e com sinais dermatoscópicos sugestivos de LM.

A técnica de biópsia utilizada foi a de shaving profundo ou saucerização, conforme ilustrado abaixo (Figura 1). A técnica consiste em assepsia, infiltração de anestésico local, aplicação de fina camada de pomada sobre a lesão para firmeza do tecido (pela disponibilidade no nosso serviço foi utilizado mupirocina), seguido de remoção de um disco de tecido, por bisturi ou lâmina de barbear encurvada, produzindo uma amostra que se estende à derme superior ou à derme média dependendo da angulação da lâmina. A hemostasia foi feita com a aplicação de cloreto de alumínio e curativo compressivo durante 24 horas.

 

RESULTADOS

No nosso estudo, foram selecionados 16 pacientes com idade entre 36 e 87 anos, com lesões pigmentadas planas na face e no couro cabeludo sugestivas de lentigo maligno. Todos foram submetidos a biópsia por saucerização, com resultados resumidos na Tabela 1.

O diagnóstico de lentigo maligno foi confirmado em 4 pacientes. Desses, 3 foram submetidos a ampliação de margens, e a histopatologia pós ampliação foi compatível com o diagnóstico inicial em todos os casos. O quarto paciente está em acompanhamento clínico, pois apresentou margens profundas e periféricas livres de lesão já na abordagem inicial. O seu diagnóstico histopatológico está representado pela Figura 2, e a evolução pós-operatória está ilustrada na Figura 3, com resultado estético satisfatório.

 

DISCUSSÃO

A análise dos dados sugere que a biópsia por saucerização parece ser uma alternativa segura e fidedigna na abordagem inicial das lesões pigmentadas planas com suspeita de melanoma “in situ”. A análise histopatológica pós ampliação de margens confirmou o diagnóstico inicial ou não encontrou neoplasia residual em 100% dos casos, dado extremamente importante para a segurança da utilização da técnica, já que uma das maiores preocupações desse tipo de abordagem é a subestimação do índice de Breslow por transecção da base do tumor.6

Esses resultados vão ao encontro do visto por Pariser et al7 no seu estudo, que avaliou a qualidade dos materiais obtidos por biópsia excisional, saucerização, punch e shaving superficial, com superioridade considerável do material obtido por saucerização em relação ao punch e shaving superficial, e certeza do diagnóstico histológico semelhante aos casos submetidos a excisão.5

Além disso os resultados do nosso estudo confirmam que diversas lesões pigmentadas benignas fazem parte do diagnóstico diferencial de melanoma, e reforçam a relevância de abordagens iniciais mais conservadoras em áreas nobres para redução de sequelas funcionais e/ou estéticas.

 

CONCLUSÃO

Embora a biópsia excisional com margens estreitas seja a abordagem inicial mais indicada para lesões pigmentadas com suspeita de lentigo maligno, ela não é prática para a maioria dos casos de lesões de grandes dimensões, demanda maior tempo e custo para a sua realização, além de dificuldades técnicas para profissionais sem experiência em cirurgia dermatológica avançada. As biópsias incisionais são rotineiramente realizadas em lesões pigmentadas grandes, localizadas em áreas nobres ou por profissionais não especializados em cirurgia, ou que não dispõem de ambiente favorável para a adequada excisão da lesão. A biópsia por saucerização parece ser uma alternativa técnica adequada para lesões planas sem evidências de crescimento vertical. Além de ser realizada rapidamente e ter excelentes resultados estéticos, apresenta amostra tecidual adequada, acurácia diagnóstica e possibilidade de avaliação segura das margens profundas de lesões planas.

Agradecimentos

Agradeço aos professores, colegas e pacientes que tornaram esse trabalho possível.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Bruna Laís Wedig | ORCID 0000-0003-1143-7462
Análise estatística, Aprovação da versão final do manuscrito, Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito.

Fernando Eibs Cafrune | ORCID 0000-0002-6645-0122
Aprovação da versão final do manuscrito, Concepção e planejamento do estudo, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Participação efetiva na orientação da pesquisa, Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

1. Gomes CS, Barroso IFGP, Dutra TBS, Obadia DL, Fracaroli TS. Lentigo maligna on the face: a challenging conduct. Rev Bras Oftalm. 2017;76(3):161-4.

2. Wainstein AJA, Belfort FA. Melanoma: prevenção, diagnóstico, tratamento e acompanhamento. 2nd ed. São Paulo: Atheneu; 2014.

3. Samaniego E, Redondo P. Lentigo maligno. Actas Dermosifiliogr. 2013;104(9):757-75.

4. Zager JS, Hochwald SN, Marzban SS, Francois R, Law KM, Davis AH, et al. Shave Biopsy Is a Safe and Accurate Method for the Initial Evaluation of Melanoma. J Am Coll Surg. 2011;212(4): 454-60.

5. Mir M, Chan CS, Khan F, Krishnan B, Orengo I, Rosen T. The rate of melanoma transection with various biopsy techniques and the influence of tumor transection on patient survival. J Am Acad Dermatol. 2012;68(3):452-8.

6. Swetter SM, Tsao H, Bichakjian CK, Curiel-Lewandrowski C, Elder DE, Gershenwald JE, et al. Guidelines of care for the management of primary cutaneous melanoma. J Am Acad Dermatol. 2019;80(1):208-250. Epub 2018 Nov 1.

7. Pariser RJ, Divers A, Nasser A. The relationship between biopsy technique and uncertainty in the histopathologic diagnosis of melanoma. Dermatol Online J. 1999;5(2):4.


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