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Artigo Original

O tratamento das cicatrizes de esternotomia mediana com injeções de triancinolona, placas de silicone e terapia combinada: um estudo prospectivo randomizado

Gisele Viana de Oliveira1; Lara Rodrigues de Morais Gambogi Alvarenga2; Petra Maria de Oliveira Duarte Stuhr3; Thiago A. Cantaruti4; Álida Rosária Silva Ferreira5; Gregory Thomas Kitten6

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.202012104

Data de recebimento: 20/02/2020
Data de aprovação: 08/03/2020

Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Trabalho realizado no Ambulatório de tratamento de Queloides e Cicatrizes hipertróficas, Hospital das Clínicas, UFMG, Belo Horizonte. O ambulatório funciona atualmente no Hospital Mario Penna, Belo Horizonte, MG


Abstract

INTRODUÇÃO: Placas de silicone e injeções de triancinolona melhoram o tamanho dos queloides e das cicatrizes hipertróficas, além do eritema, da elasticidade e de sintomas como dor e prurido. Esses tratamentos nao sao invasivos, têm um bom custo-beneficio e são amplamente utilizados como terapia inicial para queloides e cicatrizes hipertróficas; entretanto, faltam estudos comparativos dos dois tratamentos.
OBJETIVO: Comparar o uso de placas de silicone, triancinolona intralesional, e a combinação de ambas as modalidades terapêuticas, no tratamento de cicatrizes hipertróficas na mesma área anatômica e causadas pelo mesmo mecanismo de lesão.
MÉTODOS E MATERIAIS: Em um estudo prospectivo, 12 pacientes com cicatrizes de esternotomia mediana foram randomizados em 3 grupos (4 pacientes em cada grupo): Grupo 1. injeções mensais de triancinolona; Grupo 2. uma combinação de placas de silicone e injeções de triancinolona e Grupo 3. placas de silicone. Os pacientes foram avaliados em consultas clínicas mensais com o uso da Escala de Vancouver e durômetro. Foram realizadas imunohistoquímica e microscopia confocal para os colágenos de tipos I e VI em amostras de cicatriz. Os grupos foram comparados com os testes de Kruskall-Wallis e Friedman com significância de p< 0.05.
RESULTADOS: Os três tratamentos mostraram-se eficazes na melhora das cicatrizes, conforme demonstrado pela redução nos parâmetros da Escala de Vancouver. Foi observada uma diferença entre os três grupos no tempo 2, quando a triancinolona mostrou-se menos eficaz. O grupo 2 apresentou melhora na pigmentação (p = 0,042). Os colágenos de tipos I e VI apresentaram aumento de fluorescência em toda a derme superficial e profunda nas lesões não-tratadas, que diminuiu após do tratamento. Apesar do número pequeno de pacientes, este foi o primeiro estudo prospectivo que comparou estas modalidades de tratamento de cicatrizes, evitando vieses frequentemente vistos em publicações sobre tratamentos de cicatrizes.


Keywords: Cicatriz; Queloide; Gel de silicone; Triancinolona


INTRODUÇÃO

Desde os primeiros relatos em 1983 sobre o uso de placas de silicone em cicatrizes hipertróficas e queloides, 1 diversos autores mostraram que esta modalidade terapêutica não-invasiva melhora o tamanho da cicatriz, além da elasticidade, eritema, dor e prurido,2 ao aumentar a hidratação e a oclusão da pele. 3 Uma vez que os curativos de silicone têm um bom custo-benefício, são considerados não-invasivos e têm poucos efeito colaterais, tornaram-se um dos tratamentos de primeira linha para queloides e cicatrizes hipertróficas.

As injeções intralesionais de corticoides são usadas também no tratamento dos queloides e cicatrizes hipertróficas, com os primeiros relatos publicados em 1960. 4 Há poucos estudos randomizados sobre o seu uso em queloides, mas um amplo consenso clínico levou os médicos a considerar as injeções de corticoides como terapia de primeira ou segunda linha para os queloides e cicatrizes hipertróficas. 4 A triancinolona tem sido a mais amplamente utilizada entre os diversos corticosteroides utilizados para tratar cicatrizes. 4

Os estudos sobre o tratamento de queloides e cicatrizes são complicados, em função de diversos fatores, 5,6 como a falta de um modelo animal adequado 7 e os poucos métodos objetivos para avaliar cicatrizes. Muitos destes métodos são dispendiosos e não estão disponiveis na prática clínica em consultórios e ambulatórios, só sendo usados em pesquisas clínicas.8 Além disso, frequentemente as cicatrizes em áreas distintas do corpo ou provocadas por mecanismos de lesão diferentes são combinadas nos estudos, embora a comparação dessas lesões possa não ser apropriada.

Este é um estudo prospectivo, controlado, randomizado, não cego, para comparar a eficácia dos curativos de silicone, injeções de triancinolona e um grupo que combinou os dois tratamentos, em cicatrizes hipertroficas resultantes de esternotomia mediana.

 

PACIENTES E MÉTODOS

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais e protocolado na Plataforma Brasil (no. 06580513700005149). Uma carta detalhada sobre os potenciais pacientes do estudo foi enviada aos hospitais de cirurgia cardíaca de Belo Horizonte, MG, assim como, à Sociedade Brasileira de Cardiologia, Regional de Minas Gerais.

1. Encaminhamento de pacientes. Os pacientes chegaram ao nosso serviço, encaminhados pelos centros de cardiologia que receberam a carta-convite. Foram aceitos no estudo apenas os pacientes que preenchiam os critérios de inclusão. Na primeira consulta, o estudo era explicado ao paciente, que assinava um termo de consentimento informado aprovado pelo Comitê de Ética. Todos os pacientes receberam a garantia de poder continuar com um novo tratamento, sem custo, oferecido pela equipe médica da pesquisa depois da última consulta, aos 6 meses.

Critérios de inclusão: idade entre 18 e 80 anos no início do estudo; sexo masculino ou feminino; pacientes que concordavam e assinavam o termo de consentimento para participar no estudo. Critérios de exclusão: gravidez, formas graves de asma que pudessem levar ao uso de corticosteroides por um período maior que 2 meses; pacientes que haviam usado corticosteroides intralesionais ou irradiação para tratamento de queloides e pacientes com idade menor que 18 ou maior que 80 anos. Só foram aceitos no estudo, os pacientes com cicatrizes que apresentavam dor e prurido, ou com eritema, elevação e caracteristicas de cicatrizes hipertroficas. Não foram incluídos os pacientes com cicatrizes que não fossem consideradas hipertróficas ou que estivessem diminuindo de tamanho.

2. Grupos do estudo. Antes de iniciar o estudo, foi gerada uma tabela aleatória. Cada paciente era alocado aleatoriamente para um de três grupos: GRUPO 1. injeções intralesionais de triancinolona (20 mg/ml), realizadas uma vez por mês durante 6 meses (total de 6 injeções); as injeções eram realizadas ao longo da cicatriz, a intervalos de 1 cm, a aproximadamente 1-2 mm da superfície cicatricial, com volume de 0,05-0,1 ml por sítio de injeção; GRUPO 2. terapia combinada, com injeções de triancinolona e placa de silicone oclusivo e GRUPO 3. curativo oclusivo com placa de silicone, usado 24 horas por dia. Os pacientes foram aconselhados a manter o curativo de silicone 24 horas por dia, 7 dias por semana, retirando o curativo a cada 7 dias durante o banho. Os curativos de silicone eram lavados com água e deixados para secar em uma superfície de vidro durante uma hora, e depois reaplicados à cicatriz. A cicatriz era lavada uma vez por semana com água e sabão durante o banho.

3. Avaliação do paciente durante as consultas clínicas. Cada paciente era avaliado nas consultas clinicas, antes de receber qualquer tratamento, e depois uma vez por mês, pelo mesmo médico. Solicitava-se aos pacientes que viessem ao hospital depois de retirar o curativo em casa. Os parâmetros da Escala de Escala de Vancouver eram avaliados com a Escala de Cicatrização de Vancouver, versão modificada. (Tabela 2) 9,10 Depois era obtida uma medida objetiva da elasticidade cutânea com um durômetro (Rex Gauge, 1000, Rex Gauge Company, IL, USA), conforme publicação prévia em outra publicação.11 A área mais hipertrófica da cicatriz era escolhida para a avaliação, e a mesma área era avaliada em cada consulta mensal (marcação com régua). Quando duas áreas da cicatriz eram consideradas clinicamente muito hipertroficas, sem possibilidade de escolher uma ou outra, considerava-se o valor médio da avaliação das duas áreas.

4. Placas de silicone. O curativo de silicone (Medgel, Silimed, RJ, Brasil) era aplicado sobre a cicatriz inteira, conforme descrito anteriormente.3 Uma vez que esse material adere, mas não possui cola (não é propriamente adesivo), o mesmo era fixado com o auxílio de uma fita cirúrgica microporosa, cobrindo o curativo de silicone inteiro e ultrapassando-o em 1 cm em cada lado. Solicitava-se ao paciente que permanecesse com o curativo no lugar durante os sete dias subsequentes, sem retirá-lo durante o banho. Caso o paciente realizasse alguma atividade física intensa ou experimentasse prurido ou sudorese intensa na área, era orientado a remover o curativo, lavar a pele e o curativo de silicone e reiniciar o uso depois de 2-3 horas. O paciente recebia do número telefônico do médico para entrar em contato com a equipe clinica sempre que necessário. Depois de um período de sete dias, o paciente retirava o curativo de silicone, lavado em agua corrente, fria, e lavava a pele normalmente durante o banho. De acordo com o fabricante, o produto deveria durar entre 2 e 4 meses. Uma vez que os pacientes eram avaliados mensalmente, o silicone era substituído quando mudava de cor, apresentava aspecto sujo ou perdia as propriedades aderentes. Depois de 3 meses o curativo geralmente começava a deteriorar, liberando pequenos fragmentos, quando então era substituído.

5. Injeções de triancinolona. O Triancil® (20 mg/ml, Laboratório Apsen) era administrado em injeções mensais ao longo da cicatriz inteira, a intervalos de 1 cm. Usávamos uma seringa de insulina, com agulha de insulina fixa,com a qual injetávamos um volume total de 0,05-0,1 ml de triancinolona em cada sítio de injeção. As áreas que melhoravam com o tempo não recebiam mais injeções. Os pacientes que apresentavam prurido depois das injeções recebiam hidroxizine 25 mg e prednisona 20 mg, via oral, 4 horas antes do procedimento subsequente.

6. Biópsia, imunohistoquímica e microscopia confocal para os colágenos tipos I e VI: Realizávamos uma biópsia cutânea pequena, de 3 mm, nos pacientes que concordavam com o procedimento (um paciente de cada grupo). As biópsias eram realizadas no mesmo paciente na linha de base (antes do tratamento) e na consulta de 6 meses (último dia no estudo). A amostra era coletada, lavada com solução salina e colocada em solução fria de crio-substituto (80% metanol/20% DMSO, em frascos submersos em gelo seco), conforme descrito anteriormente.12 Depois da desparafinização e reidratação, três cortes consecutivos com espessura de 5 micrômetros eram bloqueados durante uma hora com albumina de soro bovino a 1% (Vector Laboratories, Burlingame, CA, USA) e incubados durante 12 horas à noite a 4ºC com um anticorpo primário policlonal contra colágeno I ou colágeno VI, a uma diluição de 1:200 (Rockland Immunochemicals®, PA, USA). No dia seguinte, um anticorpo conjugado cabra-anti-coelho IgG, Alexa Fluor 488, era usado como anticorpo secundário (Molecular Probes®, Eugene, OR USA), e os núcleos celulares eram marcados com 4,6-diamidino-2-fenilindole (DAPI) (Molecular Probes®, Carlsbad, CA USA). As imagens eram capturadas com um microscópio confocal com varredura à laser (Zeiss 880META®, Oberkochen, Alemanha), com 16 bits, e analisada na faixa de escala cinza de 0-255, usando o software Image Tool® 3.0. As imagens eram capturadas com aumento de 40 vezes e analisadas por um especialista em morfologia, treinado em imagens de colágeno cutâneo com imunohistoquímica e microscopia confocal, e que também era cego em relação aos grupos do estudo.

Estatística. Os dados foram submetidos ao teste de normalidade e detectados enquanto distribuição não paramétrica. Os três grupos foram comparados por meio do teste de Kruskal-Wallis, e a avaliação da linha de base até 6 meses foi realizada com o teste de Friedman. Todos os testes adotavam o nível de significância de p< 0,05.

 

RESULTADOS

Doze pacientes que preenchiam os critérios de inclusão foram arrolados no estudo, sendo quatro em cada grupo. Os pacientes de 1 a 14 foram alocados aleatoriamente nos 3 grupos do estudo. Nesse momento, o grupo 1 tinha apenas 2 pacientes, portanto os últimos 2 pacientes arrolados no estudo foram alocados no grupo 1. Todos os pacientes eram examinados mensalmente e concluíram o estudo. Os grupos 1 e 3 tinham 1 paciente do sexo masculino e 3 do sexo feminino cada, enquanto o grupo 2 tinha 2 pacientes do sexo masculinos e 2 do sexo feminino. Um terço (33,3%) dos pacientes no estudo eram homens, e dois terços (66.7%) mulheres (Tabela 1). Os queloides estavam localizados no tórax. O mecanismo de lesão que levara à formação de queloide era cirurgia cardíaca. Os dados sociodemográficos do estudo são mostrados na Tabela 1.

Escala de Escala de Vancouver (Tabela 2). A avaliação pela Escala de Cicatrização de Vancouver mostrou que todos os grupos melhoraram desde a linha de base até o tempo 6 (p < 0,05): grupo 1 (p = 0,002), grupo 2 (p = 0,004) e grupo 3 (p = 0,014 -Gráfico 1). Quando os três grupos eram comparados em cada tempo de seguimento, os grupos 2 e 3 melhoravam mais em comparação ao grupo 1, principalmente no parâmetro da vascularidade (nos tempos 2, 4 e 5 houve uma diferença estatisticamente significativa entre o grupo 1, com maior grau de vascularidade, e os grupos 2 e 3, com graus menores de vascularidade - Gráfico 2).

Pigmentação. A avaliação ao longo do tempo mostrou que o grupo 2 teve uma melhora significativa no parâmetro da "pigmentação" (p = 0,042). (Gráfico 3)

Altura. Quando os 3 grupos eram comparados em cada tempo de seguimento, o grupo 1 teve uma melhora menor no tempo 2, comparado aos grupos 2 e 3 (p=0,036). A análise ao longo do tempo mostrou uma redução significativa na "altura" da cicatriz nos 3 grupos- GRUPO 1 (p = 0,003), GRUPO 2 (p = 0,012) e GRUPO 3 (p = 0,047) (Gráfico 4).

Durômetro. A avaliação desde a linha de base até o mês 6 mostrou que o grupo 1 (p = 0,044) e o grupo 2 (p = 0,023) tiveram uma diminuição significativa na escala do durômetro, mas que não houve nenhuma diferença no grupo 3. Quando os 3 grupos eram comparados a cada mês do seguimento, não foram encontradas diferenças significativas (Gráfico 5).

Imunohistoquímica. Colágeno tipo I. Embora houvesse 4 pacientes em cada grupo, apenas um paciente em cada grupo concordou em submeter-se à biópsia cutânea. A biópsia cutânea de 3 mm era realizada antes de iniciar o tratamento, e repetida no mesmo paciente no mês 6 do estudo. O colágeno tipo I estava distribuído em toda a derme, com expressão mais forte na derme superior. Quando a cicatriz era tratada, a expressão do colágeno tipo I diminuía em toda a derme, principalmente nas camadas mais profundas, e havia um contraste maior entre as camadas superior e inferior nas cicatrizes tratadas. Havia um grau menor de variação nas cicatrizes não tratadas, sugerindo que possa haver um aumento na deposição do colágeno tipo VI nas camadas mais profundas dos queloides não tratados (Figura 1). Colágeno tipo VI. O colágeno tipo VI estava distribuído em toda a derme, seguindo um padrão semelhante àquele observado no colágeno tipo I. Entretanto, a expressão do colágeno tipo VI parecia ser mais pronunciada na derme superior das cicatrizes não tratadas, em comparação com o colágeno tipo I, e havia uma variação maior entre as camadas superior e inferior da derme (Figura 2).

 

DISCUSSÃO

O estudo mostrou que os curativos de silicone melhoravam a elasticidade das cicatrizes, quando aplicados ao tecido cicatricial durante 12-24 horas por dia ao longo de vários meses. 3 O tecido cicatricial tornou-se mais maleável, permitindo uma melhor difusão dos corticosteroides intralesionais.13 Faltam estudos controlados que comparem o uso de curativos de silicone com outros tratamento no tratamento das cicatrizes. Diversos estudos têm combinado outros métodos, como a exérese e a injeção de triancinolona,8, 13-16 portanto dificultando a avaliação do efeito do silicone isoladamente.17 Assim, para tratar essa questão, desenhamos um estudo com pacientes que não tinham recebido tratamentos prévios e que usavam apenas o tratamento específico para cada um dos grupos do estudo. Há um amplo consenso que as placas de silicone promovem a melhora das cicatrizes e queloides, ao aumentar a hidratação e a oclusão.3 Outros possíveis mecanismos de ação na melhora de queloides pelo silicone incluem a limitação do estiramento da pele durante a cicatrização18 e o aumento da temperatura, da hidratação e da tensão de oxigênio. 19 Demonstramos em um antigo anterior que os curativos oclusivos, incluindo os de silicone e de outros materiais, levam à melhora completa ou parcial dos parâmetros físicos das cicatrizes e dos queloides.3 O baixo custo e o risco baixíssimo de efeitos colaterais levaram os dermatologistas a considerar as placas de silicone e de outros materiais como tratamento de primeira linha para queloides e cicatrizes hipertróficas.3 Acreditamos que o protocolo para o uso das placas de gel de silicone pode também pode afetar a evolução do tratamento. Em estudo piloto anterior queloides tratados com tempos menores do uso das placas de silicone, por exemplo, 12 horas/dia, com sua retirada durante a noite, levou a resultados menos satisfatórios (dados não publicados).

Os corticoides têm sido usados desde 1960 no tratamento dos queloides e cicatrizes 4, e a triancinolona é o corticoide usado mais frequentemente nesse tratamento. 4 Os corticosteroides podem inibir a síntese de colágeno, ao reduzir a inflamação da cicatriz, diminuir a proliferação dos fibroblastos e aumentar a hipóxia.20 Além disso, os corticosteroides reduzem os inibidores de protease plasmáticos, permitindo a degradação do colágeno, 21aumentam o fator de crescimento fibroblástico básico (bFGF) e diminuem a produção do fator de crescimento transformador- β1 (TGF-β1) pelos fibroblastos dérmicos, o fator de crescimento endotelial vascular endógeno (VEGF) e o fator de crescimento insulin-like-1 (IL-1). 4 Roques & Teot (2008) sugerem três mecanismos para explicar como os corticosteroides melhoram os queloides: supressão da inflamação e da migração celular; vasoconstricção e efeito antimitótico nos queratinócitos e fibroblastos. 4 A taxa de resposta das cicatrizes aos corticoesteroides intralesionais varia de 50% a 100%, e a taxa de recorrência varia de 9% a 50%.22 Não há consenso entre os clínicos sobre a dose, frequência ou duração do tratamento. Os efeitos adversos incluem a hipocromia, a atrofia cutânea e do tecido subcutâneo, telangiectasias, ulcerações e síndrome de Cushing. 4 Robles et al. (2007) recomendaram a triancinolona acetonida a uma concentração entre 10 e 40 mg/mL, em injeções mensais.23 Uma revisão de 2016 avaliou a eficácia de injeções de corticosteroides em queloides e cicatrizes hipertróficas, em comparação a outras modalidades terapêuticas, como gel de silicone, verapamil e drogas antineoplásticas.24 Nosso estudo mostrou que a injeção de triancinolona isoladamente era menos eficaz no primeiro momento do tratamento, em relação à melhora do parâmetro da vascularidade. Entretanto, é importante mencionar que aos 6 meses, não foram observadas diferenças significativas entre o tratamento das lesões com triancinolona e com os curativos de silicone. Além disso, não observamos no presente estudo uma melhora significativa no grupo com os dois tratamentos associados; entretanto, devemos destacar a limitação do pequeno número de pacientes avaliados.

A Escala de Vancouver foi a primeira tentativa de padronizar a avaliação das cicatrizes por diferentes examinadores. A pigmentação, elasticidade, altura e vascularidade eram avaliadas, e a soma dos pontos resultava em um número maior nas cicatrizes mais hipertróficas.4 A Escala de Vancouver tornou-se uma ferramenta amplamente aceita pela maioria dos centros de tratamento para a avaliação clínica das cicatrizes. 5 Houve diversas tentativas no sentido de melhorar o sistema de pontuação, acrescentando objetividade aos parâmetros da escala.4,6,7 Nosso estudo acrescentou a avaliação objetiva com o Durômetro. Um dos parâmetros da escala é a ‘‘elasticidade’’, termo que se refere à textura elástica da pele e da cicatriz. Para avaliar a elasticidade, o examinador deve tocar a superfície da pele ou a cicatriz, e este parâmetro limitava-se a avaliações clínicas subjetivas. 4 Foi demonstrado que o Durômetro, método objetivo de mensuração, tem correlação adequada com as pontuações de elasticidade de Vancouver. 11 Observamos que o durômetro é econômico e bastante fácil de manusear, devido ao tamanho reduzido desse dispositivo. Os durômetros têm sido usados para avaliar a dureza da pele provocada por úlceras de perna, morfeia e esclerodermia. 25, 26

A imunohistoquímica, junto com a microscopia confocal, apresenta diversas vantagens em relação à microscopia de varredura eletrônica e à microscopia óptica convencional, na avaliação do colágeno. A varredura de camadas de tecido específicas elimina os erros que ocorrem na microscopia de fluorescência convencional como resultado das variações na espessura dos cortes histológicos. Permite a avaliação precisa da distribuição do colágeno nas camadas da pele e ajuda a compreender as diferenças de expressão de colágeno entre as camadas.12

O colageno do Tipo I é uma proteina de matriz extracelular encontrada na derme da pele normal e das cicatrizes. Já demonstramos em estudos anteriores que a expressão do colágeno I está aumentada nas cicatrizes hipertróficas,12, 27 principalmente nas cicatrizes mais hipertróficas, quando comparadas à pele normal e às cicatrizes não-hipertróficas. As cicatrizes não-hipertróficas apresentam uma expressão de colágeno tipo I mais semelhante à da pele normal. No estudo presente, apesar do número pequeno de amostras, também constatamos que as cicatrizes tratadas (menos hipertróficas) tendem a apresentar diminuição na expressão do colágeno tipo I.

O colágeno do tipo VI é um regulador importante da arquitetura, composição e comportamento dos fibroblastos da matriz dérmica, podendo desempenhar um papel importante na cicatrização de feridas e na regeneração tecidual.28 A distribuição é semelhante à dos colágenos I e III, e sua localização já foi demonstrada na derme superior do queloide.29 Nosso estudo mostrou uma coloração maior expressão do Colágeno do Tipo VI na derme superior da cicatriz. Também demonstramos que as lesões não tratadas mostram um aumento do colágeno tipo VI, quando comparado à mesma cicatriz depois do tratamento. Embora nosso estudo seja limitado pelo número pequeno de pacientes, a diminuição da expressão do colágeno tipo VI parece ter correlação com a melhora geral do queloide (Figura 2). Até onde sabemos, este foi o primeiro estudo que comparou a expressão do colágeno tipo VI nas cicatrizes tratadas e não-tratadas, de acordo com a imunohistoquímica e a microscopia confocal. São necessários mais estudos, com maior número de pacientes, para confirmar esses resultados.

As variáveis que aparecem como fatores de confusão nos estudos sobre cicatrizes e queloides incluem a falta de estudos com desenho prospectivo e randomizado, e os métodos subjetivos para a avaliação das cicatrizes, além da heterogeneidade das cicatrizes, em função dos diferentes mecanismos de lesão e sítios anatômicos, agrupados para fins de comparação. Muitos estudos incluem cicatrizes já tratadas previamente com fármacos e métodos que podem ter efeitos prolongados, como os corticosteroides, drogas antineoplásicas ou radioterapia.3, 11 No estudo atual, tentamos descartar cada uma dessas variáveis, ao limitar os critérios de inclusão às cicatrizes de esternotomia mediana, todas envolvendo o mesmo mecanismo de lesão (cirurgia cardíaca). Foram excluídos os pacientes que tivessem recebido tratamentos prévios. Uma vez que usamos critérios de inclusão muito rigorosos, poucos pacientes foram incluídos no estudo, o que consideramos a maior limitação deste trabalho; entretanto, pretendemos que o estudo nos ajude como orientação para um estudo multicêntrico, com maior numero de paciente, no futuro. É importante frisar que as dificuldades em obter maiores grupos de pacientes com cicatrizes envolvendo o mesmo mecanismo de lesão, na mesma área do corpo, motivaram a criação do GREMCIQ (Grupo de Estudos Multicêntricos sobre Cicatrizes Hipertróficas e Queloides). Nosso grupo inclui dermatologistas de diversas regiões do Brasil, com o objetivo principal de desenvolver estudos multicêntricos que permitam uma compreensão melhor dos tratamentos de queloides e cicatrizes hipertróficas em uma população altamente miscigenada como a brasileira, propensa ao desenvolvimento dessas lesões.

 

AGRADECIMENTOS

Este estudo foi possível graças ao enorme esforço do Professor Bernardo Gontijo, MD, PhD, na implementação do Ambulatório para o Tratamento de Queloides e Cicatrizes Hipertróficas do Hospital das Clínicas da UFMG (um dos Serviços Credenciados pela Sociedade Brasileira de Drmatologia), a quem os autores expressam o mais profundo sentimento de respeito e gratidão.

O estudo foi realizado no Ambulatório de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde foi implementado inicialmente o Ambulatório para o Tratamento de Queloides e Cicatrizes Hipertróficas, transferido mais recentemente para o Hospital Mário Penna em Belo Horizonte, MG. Os estudos de imunohistoquímica e de microscopia confocal foram realizados no CEMEL (Centro de Microscopia Eletrônica) do ICB (Instituto de Ciências Biológicas), UFMG. O estudo não recebeu qualquer forma de apoio financeiro.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Gisele Viana de Oliveira | 0000-0001-5101-7097
Pesquisadora principal.

Lara Rodrigues de Morais Gambogi Alvarenga | 0000-0001-8727-4159
Coleta de dados.

Petra Maria de Oliveira Duarte Stuhr | 0000-0002-8455-8372
Coleta de dados.

Thiago A. Cantaruti | 0000-0001-7339-1581
Coleta de dados, imunoistoquimica e maptura de imagens no microscopio confocal.

Álida Rosária Silva Ferreira | 0000-0001-9972-1796
Analise estatistica.

Gregory Thomas Kitten | 0000-0002-4044-9932
Coleta de dados, supervisão das técnicas imunoistoquimicas e de micoscopia confocal.

 

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