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Relato de casos

Melanoma desmoplásico simulando queratose actínica: relato de caso

Naja Cardoso Pereira de Santana1; Jürg Hafner2; Martin Kägi3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20191141434

Data de recebimento: 04/08/2019
Data de aprovação: 18/12/2019

Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Trabalho realizado no Hospital Universitário de Zurique (Universitätsspital Zürich) - Zurique, Suíça


Abstract

O melanoma desmoplásico (MD) representa menos de 4% dos melanomas cutâneos e é caracterizado pela proliferação invasiva de células fusiformes na derme, muitas vezes com neurotropismo. A aparência clínica inespecífica e a ausência de pigmentação geralmente levam a um diagnóstico clínico incorreto. Os autores relatam um caso de MD localizado em campo de cancerização cutânea simulando queratose actínica.


Keywords: Melanoma; Antígenos específicos de melanoma; Histologia


INTRODUÇÃO

O melanoma cutâneo é uma neoplasia maligna que se origina nos melanócitos, células derivadas da crista neural e localizadas na junção dermoepidérmica.1,2 Uma variante rara, o melanoma desmoplásico (MD), constitui menos de 4% dos melanomas cutâneos e ainda representa um desafio diagnóstico devido à semelhança clínica e histológica com outras neoplasias fibróticas.2,3

O melanoma desmoplásico, descrito pela primeira vez por Conley et al4 em 1971, é caracterizado pela proliferação invasiva de células fusiformes na derme, com comprometimento frequente de partes mais profundas e com deposição variável de colágeno no estroma (desmoplasia).1,2,5 O MD frequentemente apresenta neurotropismo, com padrão de crescimento semelhante ao neuroma.1,6

Os autores relatam um caso de MD localizado no couro cabeludo de um paciente que recebera diversos tratamentos prévios, inclusive radioterapia, na área atualmente comprometida.

 

RELATO DO CASO

Paciente branco de 72 anos, do sexo masculino, compareceu à consulta para avaliação, com história de dois meses de lesão assintomática, não pigmentada, no couro cabeludo (Figura 1). O exame físico revelou uma pápula endurecida, mal demarcada, medindo 7mm de diâmetro, localizada no couro cabeludo, próxima à região frontal.

A história dermatológica clínica do paciente é reveladora. Há quatro anos, o paciente encontrava-se em acompanhamento na Clínica de Dermatologia devido a múltiplas queratoses actínicas, carcinomas basocelulares e doença de Bowen no couro cabeludo. Nesse período, o paciente submeteu-se a diversos tratamentos, incluindo procedimento cirúrgico com exérese total de carcinoma basocelular e doença de Bowen, tratamento com gel de mebutato de ingenol, gel de diclofenaco de sódio, laser CO2 e terapia fotodinâmica. Além disso, o paciente recebeu sessões de radioterapia no couro cabeludo cinco meses antes do surgimento da lesão em questão. A dose total de radioterapia foi de 48Gy (12 aplicações de 4Gy) com 50Kv.

Recentemente, havia sido realizada uma biópsia incisional da lesão, com diagnóstico clínico inicial de queratose actínica. O exame histopatológico evidenciou células fusiformes atípicas com invasão da derme e tecido subcutâneo, com exame imuno-histoquímico difusamente positivo para S100, focalmente positivo para HMB-45 e negativo para Melan-A. Os achados eram sugestivos de melanoma desmoplásico, e o paciente foi encaminhado ao Departamento de Dermatologia do Hospital Universitário de Zurique.

O paciente foi submetido prontamente à exérese total de urgência com margens laterais de 8mm. O novo exame histopatológico (Figura 2) confirmou o diagnóstico de melanoma desmoplásico, com índice de Breslow de 3,5mm, invasão perineural e margem cirúrgica muito próxima ao comprometimento neoplásico. O PET-CT realizado no pós-operatório não evidenciou comprometimento linfonodal ou metástases à distância. O paciente foi submetido à nova exérese com margem lateral de 2cm e profundidade até o periósteo, além de biópsia de linfonodo sentinela. A análise histopatológica não mostrou tumor metastático no linfonodo sentinela. O paciente continua em acompanhamento criterioso.

 

DISCUSSÃO

A maioria dos MDs apresenta-se clinicamente como nódulo, pápula ou placa indolor de consistência firme. Muitas vezes, a pigmentação é rara ou ausente (entre 44,3% e 73%).

A lesão é prevalente em indivíduos idosos do sexo masculino, em áreas com exposição solar crônica, particularmente em cabeça e pescoço, podendo também afetar as mucosas e regiões acrais.2,3,5 O MD apresenta comportamento distinto de outras formas de melanoma, devido à tendência de recorrência local e taxas menores de comprometimento linfonodal.3,7 O caso em questão está de acordo com o perfil descrito tipicamente em pacientes com MD.

Histologicamente, os MDs são caracterizados por células fusiformes atípicas que invadem a derme e tecido subcutâneo, dispostas em infiltrado único ou fascículos organizados. As células tumorais exibem graus variáveis de neurotropismo, e o estroma fibrótico apresenta padrões variáveis de desmoplasia. Os agregados linfocíticos intratumorais são frequentes.1,5

O MD pode surgir no contexto de uma lesão precursora como lentigo maligno, em 42% dos casos.3 A classificação histopatológica do MD inclui dois subtipos, com base no grau de desmoplasia: MD puro e MD misto. O MD puro tende a conter menos pigmentação clinicamente evidente, além de apresentar desmoplasia proeminente em todo o tumor (>90%) e menos comprometimento linfonodal. O MD misto está mais associado ao lentigo maligno.2

Muitas vezes são necessários estudos imuno-histoquímicos para avaliar a espessura tumoral do MD e diferenciá-lo dos simuladores não melanocíticos. O antígeno mais sensível para o diagnóstico do MD é a proteína S100, difusamente positiva na maioria dos casos, embora não seja específica a esta entidade nosológica. A proteína S100 não distingue o MD dos tumores de células de Schwann. Na maioria das vezes, os antígenos de diferenciação melanocítica (HMB-45, gp100, Melan A/ Mart-1, tirosinase e MITF) são negativos.2,3 Estudos imuno-histoquímicos recentes demonstraram a expressão de SOX10 em melanomas malignos, inclusive no MD.8

No perfil genético, o MD mostra uma diminuição no número de genes envolvidos na síntese de melanina, o que pode explicar o fato de muitas dessas lesões serem amelanóticas.9 A neurofibromina-1 é o gene mais frequentemente mutado no MD, e resulta em proteínas não funcionais.10

A dermatoscopia tem uso limitado devido à sutileza clínica do MD e à escassez de dados sobre as características dermatoscópicas.2 Debarbieux et al avaliaram seis pacientes com MD, apenas três dos quais apresentavam estruturas melanocíticas. Quanto às lesões amelanóticas, os autores concluíram que a presença de áreas desestruturadas com aspecto branco de tipo cicatricial e padrões vasculares anormais são as principais características preditivas do MD.11

No momento do diagnóstico, a maioria dos MDs apresenta espessura entre 2,0 e 6,5mm, com níveis de Clark IV e V,2 características estas que estão de acordo com os achados do caso clínico em questão. A controvérsia persiste em relação ao prognóstico do MD, comparado aos melanomas não desmoplásicos.2,3 Carlson et al encontraram sobrevida maior aos cinco anos nos tumores MD com espessura maior que 4mm, comparados com os não MD com espessura maior que 4mm (72% versus 37-48%).12  Uma série grande de casos incluindo tumores de todas as espessuras encontrou uma sobrevida geral no MD semelhante à de pacientes com outros melanomas cutâneos.13 A dificuldade de distinção entre as formas pura e mista do MD pode explicar os relatos conflitantes na literatura sobre o comportamento biológico do MD.14

A primeira linha de tratamento para o melanoma cutâneo primário é o manejo cirúrgico. Nas lesões com espessura de 1-2 mm, são recomendadas margens de 1 a 2cm, enquanto, para lesões acima de 2mm, recomendam-se margens de 2cm.1, 15 Chen et al preferem margens de pelo menos 2cm no MD devido à predileção por recorrência local e ao neurotropismo.2

A recomendação rotineira de biópsia de linfonodo sentinela no MD é questionada por muitos autores, devido ao baixo risco de comprometimento linfonodal e aos benefícios incertos em termos de sobrevida. Alguns autores sugerem que a biópsia pode ser considerada em pacientes com neurotropismo, índice mitótico alto e ulceração. 1, 2

A metástase sistêmica ocorre em 7 a 44% dos casos de MD, sendo que o pulmão é o órgão mais afetado. 1,2,16,17 A recorrência local e o tipo histopatológico do MD estão associados ao aumento de risco de metástase à distância.2, 17 Comparado ao MD puro, os pacientes com MD misto têm risco 3,5 vezes maior de óbito ou metástase.14

As diretrizes atuais não são claras em relação ao papel preciso da radioterapia (RT) em pacientes com MD. Alguns estudos afirmam que a RT adjuvante pode ser válida em pacientes de MD com alto risco de recorrência local18 ou com MD localmente recorrente, tumores residuais volumosos, MD com comprometimento perineural ou com margens cirúrgicas estreitas.2 Vongtama et al recomendam radioterapia adjuvante pós-operatória como parte do tratamento do MD.19 Dados recentes sugerem que a RT adjuvante melhora o controle local em pacientes com características adversas, embora não tenha impacto significativo na sobrevida geral aos cinco anos.20 No caso relatado aqui, embora o paciente tivesse recebido radioterapia no sítio de aparecimento da lesão antes do diagnóstico, não podemos afirmar que a RT tenha sido um fator de risco paradoxal para o MD.

Recentemente, pesquisadores demonstraram que pacientes com MD localmente avançado ou metastático apresentavam taxa de resposta alta a agentes imunoterápicos como anti-PD1 e/ou anti-PD-L1. Comparada aos melanomas não MD, foi observada uma expressão mais elevada de PD-L1 no MD.17 Ao contrário do melanoma cutâneo, as mutações genéticas como BRAFV600E e c-KIT raramente são encontradas no MD. Ainda não está claro se tratamentos sistêmicos como vemurafenibe e ipilimumabe resultam em sucesso terapêutico no MD.2

 

CONCLUSÃO

O MD ainda representa um desafio diagnóstico, devido à sua apresentação clínica. Ainda há muita controvérsia em relação ao prognóstico e à melhor abordagem terapêutica nesses pacientes, inclusive quanto ao papel da radioterapia. São necessários mais estudos para entender melhor esta variante rara de melanoma.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Naja Cardoso Pereira de Santana | 0000-0003-0978-0616
Contribuição no artigo: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Jürg Hafner | 0000-0002-4571-1143
Contribuição no artigo: Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

Martin Kägi | 0000-0002-5526-3145
Contribuição no artigo: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

 

REFERÊNCIAS

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