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Relato de casos

Retalho interpolado do sulco melolabial com enxerto de cartilagem auricular em reconstrução de defeito por carcinoma basocelular nasal

Khairuddin Djawad1; Amelia Setiawati Soebyanto1; Airin R. Nurdin1; Siswanto Wahab2; Anis Irawan Anwar3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20191141474

Data de recebimento: 05/11/2019
Data de aprovação: 25/11/2019

Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia e Venereologia, Faculdade de Medicina, Universitas Hasanuddin, Makassar, Indonésia


Abstract

A reconstrução da área nasal é um desafio devido à vascularização e à abundância de tecido fibrótico. O enxerto em defeito grande na área nasal tem alto risco de necrose e, frequentemente, produz deformidades e diferenças na coloração da pele. Relata-se o caso de paciente masculino de 65 anos com carcinoma basocelular na asa nasal esquerda. Foi realizada cirurgia de Mohs, obtendo-se margem livre. O defeito final mediu 2cm de diâmetro com perda parcial da espessura cutânea. Foi utilizada a combinação de retalho interpolado do sulco melolabial com enxerto de cartilagem auricular, com excelente resultado. Esta combinação levou a bom resultado estrutural e estético.


Keywords: Retalhos cirúrgicos; Transplante ósseo; Cartilagem auricular; Carcinoma, basocelular


INTRODUÇÃO

A asa nasal é uma área comum para câncer de pele e, muitas vezes, representa um desafio para a reconstrução cosmética após a cirurgia de Mohs.1 Frequentemente, o fechamento de um defeito após retirada de um carcinoma basocelular na asa nasal resulta em deformidade devido ao próprio defeito e/ou à invasão do tecido subjacente pelas células tumorais. Portanto, são necessárias diferentes técnicas para fechar o defeito de maneira a preservar a anatomia da asa nasal. Uma técnica para manter o contorno alar envolve a coleta de cartilagem auricular, que é capaz de prover suporte estrutural para a narina. O enxerto, isoladamente, para reconstruir um defeito grande no nariz não é o tratamento de escolha, porque apresenta risco elevado de necrose,2 além de também resultar em diferenças na pigmentação.3 Os retalhos são preferidos, levando a resultados mais satisfatórios em termos de contorno e cores.4 Relatamos aqui um caso bem-sucedido de aplicação de retalho interpolado do sulco melolabial para reconstrução de defeito por retirada de carcinoma basocelular na asa nasal.

 

RELATO DO CASO

Paciente masculino de 65 anos, agricultor, foi tratado no Ambulatório de Dermatologia do Hospital Dr. Wahidin Sudirohusodo, South Sulawesi, Indonésia, com carcinoma basocelular comprovado por biópsia na asa nasal esquerda. O primeiro passo da cirurgia de reconstrução foi o desenho do retalho nasolabial com razão comprimento-largura de 4:1. Foram realizados os procedimentos assépticos e antissépticos sob anestesia local, e a cirurgia micrográfica de Mohs modificada foi realizada a 5mm da margem tumoral, com margem cirúrgica negativa. O defeito final mediu 2cm de diâmetro, com perda da espessura total da pele. Realizamos um retalho interpolado medial em dois tempos, combinado com enxerto de cartilagem auricular utilizada como estrutura de suporte alar.

1º tempo. Inicialmente, o retalho interpolado foi desenhado para que a sutura final se localizasse no sulco melolabial. Foram feitas duas incisões até o tecido subcutâneo, desde o sulco nasolabial até a ponta do retalho previamente demarcado. A incisão lateral foi feita de maneira a deixar uma base de pedículo de aproximadamente 1,5cm, enquanto a incisão medial seguiu o sulco nasolabial. A extremidade distal do retalho foi dissecada até a base do pedículo, com profundidade progressiva, para separá-la da fáscia subjacente assegurando uma vascularização generosa, suficiente para suprir o retalho. A extremidade distal deveria ser menos espessa do que a base do pedículo para não comprometer a vascularização. O pedículo foi rodado então para cobrir o defeito, com a borda constituindo a área interna da narina. É necessária transposição adequada, e o pedículo não deve ser rodado mais de 90 graus para não afetar os vasos nutrientes. O sítio doador de cartilagem foi a área auricular posterior esquerda (concha), medindo 0,7cm x 2cm, com cartilagem auricular suficiente para dar suporte estrutural à asa nasal e dando simetria às narinas, além de uma curvatura semelhante à própria asa nasal. A cartilagem auricular foi fixada com pontos de colchoeiro 5-0 (Figura 1). O retalho foi rodado então para cobrir a cartilagem. Após descolar a pele em torno do sítio doador, as duas feridas (do sítio doador e da reconstrução) foram fechadas com suturas simples inabsorvíveis 5-0 (Figura 2). As suturas foram retiradas das feridas nasal e auricular 10 dias depois da cirurgia. O paciente foi submetido, então, ao segundo tempo da cirurgia. A base do retalho foi dividida, e o defeito suturado com fios inabsorvíveis. A porção proximal do retalho e a área receptora foram aparadas suavemente antes da inserção. O retalho foi acomodado para se ajustar ao defeito e suturado em seguida. O sucesso da cirurgia foi constatado, com a asa nasal simétrica e coloração semelhante à do tecido vizinho (Figura 3).

 

DISCUSSÃO

A reconstrução da asa nasal tem sido um desafio para o reparo cosmético devido à anatomia peculiar e à falta de distensibilidade da pele na área.5 A maior parte da estrutura nasal é constituída por tecido conjuntivo e glândulas sebáceas, mas falta gordura subcutânea.6 Qualquer defeito nessa área pode afetar seriamente as características faciais. Os pacientes geriátricos têm suficiente tecido malar redundante para permitir a reconstrução de um defeito nasal deixado por neoplasia cutânea maligna com largura de até 2,5cm. A escolha do desenho do retalho é importante para minimizar a distorção alar.7

O retalho de transposição nasolabial é uma escolha excelente para fechar o defeito, particularmente em lóbulos alares com 1,5-2,0cm de diâmetro.8 A região melolabial consiste no sulco melolabial, que vai da asa nasal até a comissura labial e tecido malar redundante. Eventualmente, retalho é chamado de “nasolabial”, mas o termo “melolabial” é mais anatomicamente preciso.9 O sulco melolabial apresenta pele suficientemente flácida para recobrir a asa nasal, e a gordura subjacente tem uma forte tendência a contrair-se.8 O retalho interpolado é apoiado pela localização da área doadora, próxima ao defeito cirúrgico. Consiste em um retalho cutâneo pediculado, baseado na rotação de um fragmento cutâneo que assegura a irrigação. É indicado para um defeito em área em que falta pele suficiente que possa ser movida para o fechamento ou com falta de vascularização, particularmente sobre superfícies cartilaginosas ou ósseas.10

O retalho interpolado do sulco melolabial tem uma rica vascularização, incluindo a artéria angular, artéria labial superior, artéria infraorbitária e artéria nasal dorsal. A rica vascularização, a mobilidade do tecido cutâneo malar e o baixo risco de falha isquêmica fazem com que essa técnica seja preferida para defeitos com menos de 2,5cm de diâmetro.7 Os retalhos interpolados do sulco melolabial têm bom resultado cosmético, uma vez que a cicatriz fica oculta no sulco anatômico perinasal. A técnica pode ser utilizada em combinação com enxertos cartilaginosos locais para dar suporte estrutural e permeabilidade das vias aéreas nasais.7

Pode ocorrer contração da ferida no sítio do defeito, portanto é importante que a área  doadora seja menor do que o defeito primário. Isso minimiza o chamado fenômeno de alçapão (trap-door) durante a fase de cicatrização.11

A causa mais frequente de falha do retalho é a torção do pedículo, que pode acontecer acidentalmente durante a cirurgia. 12,13 Transferência e colocação corretas do retalho são extremamente importantes na aposição do retalho com o tecido adjacente. A torção do pedículo pode acontecer também durante a transferência do retalho, levando à redução da vascularização.13 O aumento da resistência da parede vascular devido à torção do pedículo leva à lentificação do fluxo sanguíneo, provocando lesão endotelial e resultando finalmente na formação de trombo.14-17

O enxerto de cartilagem auricular é flexível, e tem características semelhantes em termos de curvatura, portanto fornecendo suporte estrutural ideal para a narina. Esse tratamento combinado, de retalho nasolabial com enxerto auricular composto, tem sido amplamente utilizado, com diversas vantagens. A técnica combinada é relativamente fácil de aprender. Permite a reconstrução de defeitos maiores, de até 2,0 x 2,5cm, e dá melhor compatibilidade em termos de contorno e coloração com o tecido original. O enxerto auricular composto é ricamente vascularizado, o que assegura uma pega mais rápida e sobrevida ideal do enxerto.18 O enxerto cartilaginoso não é restaurador, mas apenas fornece suporte estrutural, incluindo a manutenção da via aérea nasal e do contorno, além de prevenir a contração tecidual.19 Entretanto, devido ao turgor próprio do tecido malar, o enxerto de cartilagem pode não ser necessário, mesmo em defeitos maiores, exceto quando o defeito alar parece ser mais propenso ao colapso.20

 

CONCLUSÃO

O retalho interpolado do sulco melolabial é uma das técnicas preferidas para o fechamento de defeito por carcinoma basocelular na asa nasal. A combinação com enxerto de cartilagem auricular melhora o resultado cosmético. O planejamento criterioso e a técnica de reconstrução meticulosa são necessários no contexto ambulatorial.

 

Agradecimentos

Os autores agradecem ao paciente pela participação no estudo.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Khairuddin Djawad | 0000-0002-4569-6385
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.

Amelia Setiawati Soebyanto | 0000-0003-3812-671X
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.

Airin R. Nurdin | 0000-0001-8277-2511
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.

Siswanto Wahab | 0000-0001-6952-6578
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica do manuscrito.

Anis Irawan Anwar | 0000-0002-1830-5617
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

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