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Como eu faço ?

Uso do imiquimode no tratamento de verrugas periungueais crônicas

John Verrinder Veasey

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20191141376

Data de recebimento: 01/04/2019
Data de aprovação: 25/10/2019

Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Trabalho realizado em consultório particular, São Paulo (SP), Brasil


Abstract

Verrugas são os tumores periungueais mais frequentes nas consultas dermatológicas. São causadas por diversos tipos de papilomavírus humano (HPV), e parte destas lesões evolui com cura espontânea. Porém, existem lesões que não regridem sem uma abordagem terapêutica, e algumas que se mostram inclusive resistentes a diversas abordagens. Apresento caso de paciente de 14 anos, com verrugas ungueais disseminadas em ambas as mãos, resistentes a diversos tratamentos prévios, e que evoluiu com cura após uso de imiquimode oclusivo.


Keywords: Verrugas; Terapêutica; Terapia combinada; Adjuvantes imunológicos; Fatores imunológicos; Unhas; Imunoterapia ativa; Imunoterapia


INTRODUÇÃO

Verrugas virais são dermatoses de alta prevalência na população, acometendo geralmente as extremidades dos membros. São decorrentes da infecção pelo papilomavírus humano (HPV) dos tipos 1, 2, 4, 27 e 57.1,2 Seu diagnóstico é geralmente clínico, podendo ser realizada análise com uso do dermatoscópio para se evidenciarem as projeções digitiformes e dilatações capilares1,3 ou até mesmo exame histopatológico para confirmação diagnóstica e exclusão de diagnósticos diferenciais como o carcinoma espinocelular.4,5 Consideradas como o tumor mais comum da unha, podem ocorrer ao redor da lâmina ungueal e serem denominadas de verrugas periungueais, enquanto as que ocorrem abaixo da unha são referidas como subungueais.1

As verrugas podem persistir por anos com pouco ou nenhum sinal de inflamação. A eliminação espontânea da infecção pode ocorrer a qualquer momento, iniciando-se com uma redução no tamanho da lesão e depois evoluindo para seu desaparecimento, processo este que pode durar de alguns meses a anos. A cura espontânea em crianças pode ocorrer após apenas alguns meses, enquanto que, em adultos, o processo pode ser muito mais lento, sendo comum a persistência por cinco a 10 anos.5,6

A abordagem das verrugas abrange três principais formas terapêuticas: tratamentos destrutivos, uso de agentes antiproliferativos e terapias imunológicas.1,2,5,7,8,9 Os tratamentos destrutivos são os mais realizados e os que apresentam maior nível de recomendação, incluindo neste grupo o uso de produtos químicos como soluções de ácidos, intervenções como a crioterapia, o uso de laser, eletrofulguração e exérese cirúrgica.1,6 Tratamentos com agentes antiproliferativos são exemplificados pelo uso da podofilina7, do 5-fluorouracil e da intradermoterapia com bleomicina.2 Tratamentos com uso de terapias imunológicas podem ser realizados de forma sistêmica, como o uso oral de cimetidina, levamizol ou sulfato de zinco10; intralesional, com aplicação de diversos antígenos imunoestimulatórios como Propioniumbacterium parvum11; e com produtos tópicos, aplicando-se sobre a lesão sensibilizantes como difenciprone ou imunomoduladores tópicos como o imiquimode (IQM) .9

O imiquimode tópico estimula a resposta imune do epitélio, tanto a inata quanto a adaptativa, induzindo a produção de citocinas e migração de células de Langerhans.12,13 Isto permite o seu uso para o tratamento de uma ampla variedade de condições de pele benignas e malignas devido aos seus potenciais efeitos antivirais, antitumorais e imunorreguladores.12 Atualmente, o imiquimode tópico é aprovado pelas agências regulatórias dos Estados Unidos da América (Food and Drug Administration - FDA) e do Brasil (Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA) para o tratamento de verrugas anogenitais, ceratose actínica e carcinomas basocelulares superficiais. No entanto, diversos estudos demonstram seu efeito benéfico no tratamento de muitas outras doenças da pele, dentre elas as verrugas periungueais.5,12,14,15,16

Apresento o caso de um paciente de 14 anos, imunocompetente, com múltiplas verrugas periungueais nos dedos de ambas as mãos, que se mostraram resistentes a diversos tratamentos clássicos e evoluíram com excelente resposta após introdução de imiquimode tópico.

 

MÉTODOS

Trata-se de um relato de caso de paciente atópico, imunocompetente, de 14 anos de idade, com lesões há dois anos. Refere onicocompulsão, motivo pelo qual houve disseminação das lesões a todos os dedos das mãos, e já foi submetido a tratamentos neste período com crioterapia, quimiocauterização e eletrocauterizações, sem sucesso.

Em sua primeira consulta apresentava múltiplas lesões periungueais em todos os dedos de ambas as mãos, com acometimento mais exuberante do polegar direito (Figura 1). Proposto tratamento destrutivo com aplicação em consultório de fenol 88% seguido de aplicação de ácido nítrico fumegante em sessões semanais, associado a uso domiciliar diário de solução comercial de ácido salicílico 16,5% e ácido lático 14,5% (AS+AL). O paciente não compareceu às sessões regularmente conforme planejado, porém manteve uso domiciliar da solução, completando quatro sessões de aplicações dos ácidos em oito semanas. Apesar de notar melhora parcial do quadro, referiu alto impacto na qualidade de vida pelo aspecto amarelado enegrecido que a quimiocauterização deixava nos dedos, e solicitou alteração de terapêutica (Figura 2).

Optou-se por manter uma abordagem destrutiva, desta vez com aplicações semanais no consultório de ácido tricloroacético 35% associado ao uso do AS+AL diariamente no domicílio. Após duas sessões semanais referiu novamente desconforto pelo aspecto esbranquiçado que a ceratina das verrugas apresentava (Figura 3), e optou-se novamente por alterar a terapêutica.

Devido ao antecedente de uso de diversos tratamentos destrutivos prévios e utilizados antes de sua primeira consulta e nas dez semanas de seguimento no consultório, optou-se por mudança de abordagem para uma imunoestimulatória. Foi orientado a manter o uso do AS+AL diariamente pela manhã e creme de imiquimode 5% oclusivo à noite por cinco dias seguidos na semana. O paciente aplicava o creme e ocluía com esparadrapo de segunda a sexta-feira, deixando ao sábado e domingo apenas o uso do AS+AL matutino.

 

RESULTADOS

Após quatro semanas de uso do AS+AL todas as manhãs e IQM oclusivo em cinco noites seguidas na semana, o paciente apresentou regressão total do quadro, sem qualquer impacto na qualidade de vida durante o tratamento por alteração de coloração como relatado previamente nas outras abordagens, sem queixa de dor, irritação ou ulceração das lesões (Figura 4).

 

DISCUSSÃO

O uso do IQM para tratamento de verrugas periungueais tem sido descrito com resultados diversos. Em um ensaio aberto, a eficácia, segurança e tolerabilidade do creme tópico de imiquimode 5% foram avaliadas em 15 pacientes com verrugas periungueais e subungueais resistentes e recorrentes durante um período de 16 semanas. Doze pacientes (80%) completaram a terapia, mostrando resolução completa após uma média de três semanas e sem recidivas em seguimento de seis meses.16 Por outro lado, uma revisão baseada em evidências realizada pela Cochrane sobre a eficácia do IQM no tratamento de verrugas extragenitais mostrou uma taxa que varia de 27 a 89% de pacientes que alcançaram resposta completa.15

A frequência e a aplicação do produto variaram muito de estudo para estudo, com autores que o utilizaram apenas três vezes por semana a outros que o prescreveram cinco vezes na semana, oclusivo e associado a queratolítico.5 Em outra revisão sobre uso do IQM em verrugas extragenitais foi concluído com base em pequenas séries de casos e relatos de casos que a combinação com tratamentos destrutivos ou queratolíticos pode melhorar a penetração do IQM tópico e levar a melhores desfechos clínicos.5 Optou-se por esta posologia mais agressiva no caso apresentado dada a cronicidade e exuberância das lesões, buscando-se uma maior mobilização imunológica do paciente e maior chance de se obter uma resposta satisfatória. Vale ressaltar que pelo mecanismo de ação da droga basear-se em um estímulo da resposta imunológica cutânea, casos de verrugas em pacientes portadores de imunossupressões ou em uso de medicamentos imunomoduladores tendem a não apresentar uma resposta satisfatória.5,12,13,15

Outro aspecto favorável ao uso do IQM é a tolerabilidade com poucos efeitos colaterais quando comparada a outras modalidades comumente usadas.16 No caso apresentado, um dos motivos da baixa adesão do paciente aos diversos tratamentos foi justamente o efeito colateral infligido pelas terapêuticas clássicas, o que não ocorreu com o imunoestimulador tópico.

Mais estudos randomizados controlados são necessários para determinar a eficácia do IQM, analisando-se a frequência de dose e aplicação bem como sua combinação ideal com outras medidas terapêuticas no tratamento de verrugas periungueais. Entretanto, torna-se válido o conhecimento de casos bem-sucedidos como o aqui apresentado a fim de se ter uma opção de tratamento alternativo nos casos resistentes aos tratamentos clássicos.

 

CONCLUSÃO

O presente relato demonstra que o tratamento de verrugas periungueais com imunoterapia tópica com imiquimode parece ser uma opção terapêutica válida, principalmente quando associado a queratolíticos como a formulação de ácido lático e ácido salicílico tópico.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

John Verrinder Veasey | 0000-0002-4256-5734
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

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