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Artigo Original

Tratamento de cicatrizes hipocrômicas com laser fracionado ablativo e drug delivery de bimatoprosta: estudo-piloto

Manuela da Silva1; Alexandre de Almeida Filippo2; Paula Regazzi de Gusmão1

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20191141283

Data de recebimento: 12/01/2019
Data de aprovação: 09/11/2019

Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Trabalho desenvolvido no Instituto de Dermatologia Professor Rubem David Azulay, Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ), Brasil


Abstract

INTRODUÇÃO: O tratamento das cicatrizes hipocrômicas é desafiador, e as técnicas até então utilizadas demonstram resultados pouco satisfatórios. A bimatoprosta, um análogo da prostaglandina F2-alfa, tem sido utilizada como agente pigmentante tópico e sua aplicação sob forma de drug delivery pode otimizar a sua entrega na derme e potencializar a pigmentação.
OBJETIVO: Avaliar a segurança e a eficácia do tratamento com laser fracionado ablativo (LFA) associado ao drug delivery de bimatoprosta 0,03% em cicatrizes hipopigmentadas.
MÉTODOS: Os pacientes foram submetidos ao LFA, seguindo-se a aplicação de solução de bimatoprosta a 0,03%, em quatro sessões com intervalo quinzenal. Foram realizadas avaliações clínicas e de fotografias padronizadas. A satisfação dos pacientes foi avaliada por meio de um questionário com cinco perguntas.
RESULTADOS: Todos os pacientes obtiveram melhora clínica das áreas tratadas. O grau de satisfação dos pacientes coincidiu com a avaliação clínica e com os registros fotográficos.
CONCLUSÃO: A aplicação do LFA associado ao drug delivery de bimatoprosta 0,03% pode ser um tratamento potencialmente eficaz e seguro para as cicatrizes hipocrômicas.


Keywords: Lasers; Cicatriz; Hipopigmentação


INTRODUÇÃO

As cicatrizes hipocrômicas são complicações comuns em pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos esfoliativos profundos e após ferimentos traumáticos ou queimaduras.1,2 O tratamento da hipocromia é desafiador, e nenhum dos métodos descritos na literatura mostrou-se completamente eficaz até o presente momento.

A bimatoprosta tem sido utilizada em um número crescente de trabalhos com o objetivo de promover a pigmentação de lesões hipocrômicas de etiologia diversa. Assim como a latanoprosta e a travoprosta, a bimatoprosta é um análogo da prostaglandina F2-alfa (PGF2-alfa). Os análogos da PGF2-alfa são medicações utilizadas no tratamento do glaucoma e sua importância dermatológica reside em um dos seus principais efeitos colaterais: a hiperpigmentação cutânea.3,4,5,6,7,8,9,10

O mecanismo pelo qual ocorre a hiperpigmentação ainda não está completamente elucidado, mas infere-se que ocorra um processo semelhante ao provocado pela radiação ultravioleta e pela inflamação. Ambas induzem a produção de prostaglandinas, as quais agem estimulando os melanócitos dérmicos.11 Anbar e colaboradores sugerem, ainda, que a ativação dos receptores de prostaglandinas é capaz de promover a proliferação dendrítica dos melanócitos e também de aumentar a expressão da tirosinase, fatores que contribuiriam para o aumento da pigmentação cutânea.3,12,13,14 Os análogos das prostaglandinas têm sido utilizados especialmente no tratamento do vitiligo, e diversas séries de casos e ensaios clínicos têm sido publicados com resultados promissores.3,4,5,13,15,16

O uso da bimatoprosta no tratamento das hipocromias resume-se, basicamente, na sua aplicação tópica sobre a pele íntegra ou na forma de drug delivery, associado a diferentes tipos de tecnologia.17.18

O laser fracionado ablativo (LFA) aumenta a capacidade de penetração dos medicamentos aplicados sob a forma de drug delivery.19,20 Os ensaios clínicos têm demonstrado que os canais provocados pelo LFA proporcionam uma entrega bem- sucedida de partículas pequenas na derme, sejam elas hidrofílicas ou lipofílicas.21 Essa tecnologia rompe a barreira cutânea e cria microcanais verticais de tecido tratado rodeados por zonas de tecido saudável. Tais canais facilitam a penetração e a absorção dos ativos na pele bem como permitem uma rápida reepitelização devido às zonas de pele sã circunjacentes.

Esse estudo-piloto avalia a segurança e a eficácia do tratamento de cicatrizes hipopigmentadas com LFA associado ao drug delivery de bimatoprosta 0,03% em quatro pacientes.

 

MÉTODOS

Quatro pacientes (idades entre 16 e 53 anos, fototipos de Fitzpatrick II-V) com cicatrizes hipocrômicas foram submetidos a tratamento com LFA (2940nm, Plataforma Etherea® - Vydence Medical Brasil, São Carlos, SP, Brasil) seguido da aplicação de bimatoprosta 0,03%, sob a forma de drug delivery.

Os pacientes foram submetidos ao tratamento após assinarem um termo de consentimento informado. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo comitê de ética da Fundação Técnico Educacional Souza Marques (CAAE: 90753218.8.0000.5239).

O caso 1 (Figura 1) apresenta uma cicatriz hipocrômica na região cervical após queimadura por fio elétrico; o caso 2 (Figura 2) exibe cicatrizes hipocrômicas na face após procedimento de resurfacing com laser de CO2; o caso 3 (Figura 3) demonstra uma cicatriz hipocrômica no colo após cirurgia para remoção de cisto epidérmico; e o caso 4 (Figura 4) exibe uma cicatriz hipocrômica na região malar após queimadura por laser Nd:YAG (1064nm) long pulse para tratamento de telangiectasias faciais. Todas as cicatrizes em questão apresentavam mais de um ano de evolução.

Os pacientes foram submetidos ao tratamento com LFA seguido da aplicação de solução de bimatoprosta a 0,03% com massagem local. Os parâmetros utilizados foram: energia: 12,5mj; tempo de pulso: 300 microssegundos; ponteira 100mtz/cm². A substância aplicada foi mantida no local do tratamento por um período mínimo de seis horas, sendo removida por meio de lavagem do local com água. Foram realizadas quatro sessões com intervalo quinzenal.

Os registros fotográficos foram feitos no mesmo ambiente antes do tratamento e após 30 dias da última sessão. A satisfação do paciente com o tratamento foi avaliada por meio de um questionário com cinco perguntas (Quadro 1).

 

RESULTADOS

O seguimento após quatro semanas do último tratamento revelou que todos os pacientes obtiveram melhora clínica das áreas tratadas. O grau de satisfação dos indivíduos coincidiu com a nossa avaliação clínica e com os registros fotográficos. Dois pacientes ficaram satisfeitos com os resultados e os outros dois, muito satisfeitos. Todos responderam “sim” para as demais perguntas, com exceção de uma paciente que respondeu que o tratamento não alcançou as suas expectativas de melhora, embora tenha ficado satisfeita. Os resultados podem ser visualizados nas figuras 1, 2, 3 e 4.

 

DISCUSSÃO

Além do LFA, as modalidades terapêuticas até então utilizadas incluem tatuagem cosmética, peelings químicos de profundidade média, dermoabrasão, enxerto de pele, camuflagem cosmética e várias formas de fototerapia e outras terapias a laser.2

O LFA tem sido a tecnologia escolhida para promover o drug delivery de medicamentos na maioria dos estudos recentemente publicados. O rompimento do estrato córneo com a formação de microcanais envoltos por uma zona de coagulação possibilita a penetração dos ativos de forma eficaz e relativamente controlada. Waibel e colaboradores presumem que a área de tecido desnaturado que envolve os microcanais pode funcionar como uma barreira que mantém os ativos na derme, reduzindo, dessa forma, a sua absorção sistêmica e, consequentemente, tornando o procedimento mais seguro.22

A baixa densidade e a baixa fluência utilizadas nessa série de casos vão ao encontro dos parâmetros descritos na literatura.22,23,24 Tais parâmetros se baseiam em um estudo de Bachhav e colaboradores, o qual demonstrou que há uma densidade mínima de canais necessária para se atingir o máximo de penetração dos ativos, não ocorrendo uma melhora da entrega quando são aumentados esses valores. Baixas fluências, por sua vez, asseguram uma zona de dano térmico favorável e produzem microcanais de profundidade adequada para manter os ativos na derme.22,23,25

A eficácia do uso da bimatoprosta no tratamento das hipocromias foi avaliada por Massaki e colaboradores e Regis e colaboradores em estudos recentemente publicados.17,18 Em ambos, os autores utilizaram a bimatoprosta sob a forma de drug delivery em associação com aplicação tópica domiciliar. Na presente série de casos, a bimatoprosta foi utilizada somente sob a forma de drug delivery, o que permitiu avaliar a eficácia desse método isoladamente, fato ainda não descrito na literatura. Todos os pacientes obtiveram melhora das áreas tratadas e demonstraram satisfação com o procedimento. Todavia, postulamos que a manutenção das sessões de tratamento, bem como a aplicação domiciliar da bimatoprosta nas áreas tratadas, pode auxiliar na obtenção de resultados superiores aos observados.

 

CONCLUSÃO

Esse estudo-piloto demonstra que a aplicação do LFA associado ao drug delivery de bimatoprosta 0,03% pode ser um tratamento potencialmente eficaz e seguro para as cicatrizes hipocrômicas.

Um seguimento em longo prazo é desejável para que se possa mensurar a sustentabilidade dessa resposta. Mais estudos, com número maior de pacientes e controlados, são necessários para avaliar o papel do LFA e da bimatoprosta na pigmentação das cicatrizes hipocrômicas. Contudo, os resultados obtidos demonstram que esse pode ser um tratamento promissor.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Manuela da Silva | 0000-0003-4419-6722
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Alexandre de Almeida Filippo | 0000-0001-9550-5156
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

Paula Regazzi de Gusmão | 0000-0002-7060-6062
Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

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