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Artigo Original

Avaliação da eficácia de um protetor solar contendo extrato de Polypodium leucatomos na redução de danos ocasionados pela exposição à radiação solar

Sérgio Schalka1; Ludmilla Coelho Donato2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201911408

Data de recebimento: 30/09/2019
Data de aprovação: 14/12/2019

Suporte Financeiro: Estudo patrocinado pela Farmoquímica S/A
Conflito de Interesses: O estudo recebeu suporte financeiro da Farmoquímica S/A para sua realização. A autora Ludmilla Coelho Donato é analista de pesquisa clínica da Farmoquímica S/A

Trabalho realizado na Medcin Instituto da Pele - Osasco (SP), Brasil


Abstract

INTRODUÇÃO: O extrato de Polypodium leucatomos (EPL) é um reconhecido agente de ação fotoprotetora tópica e oral, que adiciona uma proteção biológica aos filtros físicos e químicos.
OBJETIVO: Avaliar a eficácia de um fotoprotetor de FPS 90, contendo filtros físicos, químicos e EPL na redução dos danos decorrentes da radiação solar, quando comparado à mesma formulação, mas sem a presença do EPL.
MÉTODOS: Dez voluntários foram incluídos, cada um representando quatro áreas (pele não irradiada, irradiada e não protegida, irradiada e protegida por fotoprotetor sem e com EPL) expostas à radiação solar. Avaliações colorimétricas de eritema e pigmentação foram realizadas. Amostras foram coletadas para histopatologia.
RESULTADOS: A área tratada com o protetor solar de FPS 90 contendo EPL apresentou, comparativamente ao protetor solar de mesma formulação, mas sem a presença de EPL, menor intensidade de eritema e pigmentação, menor geração de sunburn cells, p53 e MMP-1 e maior positividade de células CD1-a (menor depleção das células de Langerhans).
CONCLUSÕES: A associação de extrato de Polypodium leucatomos aos filtros físicos e químicos demonstrou ser eficaz na redução dos danos causados pela radiação solar. A presença do EPL na formulação contribuiu para a redução dos danos, quando comparada à formulação sem o ativo.


Keywords: Protetores solares; Polypodium; Radiação solar


INTRODUÇÃO

A radiação solar é capaz de desencadear efeitos danosos à pele, de forma aguda ou crônica.1 Os mecanismos de fotodano decorrem da absorção da energia solar por diferentes cromóforos da pele, tais como melanina, DNA, RNA, proteínas, aminoácidos aromáticos, como a tirosina e o triptofano, ácido urocânico, entre outros. A absorção da radiação pelos cromóforos gera reações fotoquímicas diferentes e interações secundárias, envolvendo espécies reativas do oxigênio, que resultam em efeitos prejudiciais quando da exposição em excesso.1

Podemos considerar que os quatro principais mecanismos de fotodano são: dano direto ao DNA do queratinócito, geração de espécies reativas de oxigênio (EROs), supressão da imunidade celular inata por depleção da célula de Langerhans (fotoimunossupressão) e produção aumentada de melanina (melanogênese).1

O DNA é um dos principais alvos da radiação solar. As pirimidinas sofrem modificações fotoquímicas, resultando em dímeros de ciclobutano e demais subprodutos, que são reparados, fisiologicamente, por enzimas específicas. Este sistema é eficaz. Entretanto, o excesso de exposição solar pode tornar a reparação menos eficiente.2 A faixa da radiação solar capaz de danificar diretamente o DNA é a radiação ultravioleta B (UVB).2

Um segundo mecanismo de proteção contra as alterações promovidas no DNA nuclear é o mecanismo apoptótico, por meio do qual as células danificadas sofrem a ativação de mecanismo de autodestruição (apoptose), evitando-se assim a geração de novas células danificadas. O principal gene envolvido no mecanismo apoptótico decorrente da radiação solar é o gene p53.3

As células apoptóticas (também chamadas de sunburn cells ou células da queimadura solar) podem ser observadas logo após a exposição à radiação UVB.2

Quando os mecanismos de reparação do DNA ou de apoptose não são suficientes para evitar a geração de novas células danificadas, o mecanismo carcinogênico é iniciado e poderá resultar, anos depois, em lesões de câncer de pele, particularmente o câncer de pele não melanoma.3,4

As reações fotoquímicas apresentam efeitos importantes sobre a pele humana, dependendo do comprimento de onda e da quantidade de energia. A decorrência natural das reações fotoquímicas é a geração de espécies reativas de oxigênio, moléculas altamente reativas e capazes de gerar danos em estruturas celulares e extracelulares, como fibroblastos, colágeno, elastina e glicosaminoglicanas. A principal via de desencadeamento de alterações oxidativas do colágeno é por meio de proteinases como as metaloproteinases da matriz (MMPs), em particular a MMP-11.

A epiderme e a derme sofrem alterações químicas e histológicas após exposição solar persistente, o que favorece o surgimento acelerado de rugas, aspereza, ressecamento, telangiectasias e pigmentação irregular, manifestações clínicas do fotoenvelhecimento. Todas as faixas da radiação solar são capazes de gerar EROs: ultravioleta A e B (UVA e UVB), luz visível (LV) e infravermelho (IV)1.

Outro efeito celular da radiação solar, particularmente da radiação ultravioleta, é sua capacidade de reduzir a imunidade celular, basicamente pela redução do número e atividade das células de Langerhans, com impacto na capacidade de resposta frente a agentes externos como vírus e também contra agentes internos como células neoplásicas. Clinicamente, são efeitos possíveis da fotoimunosupressão o aparecimento de dermatoses infecciosas como o herpes simples e a contribuição no desenvolvimento de lesões neoplásicas.5

A pigmentação da pele é um mecanismo fotoadaptativo de proteção contra os efeitos danosos da radiação solar, e decorre da oxidação da melanina presente em queratinócitos ou da produção de uma nova melanina pelos melanócitos. Ambos os mecanismos dependem essencialmente das características fenotípicas do indivíduo (fototipo), do tempo de exposição e da radiação solar, sendo a radiação UVA e a luz visível as mais efetivas na produção de pigmentação imediata e persistente.6

O uso regular de protetores solares (fotoprotetores) é considerado medida essencial na redução dos efeitos danosos da radiação solar. 7

Os fotoprotetores agem essencialmente através dos filtros orgânicos e inorgânicos, moléculas ou partículas capazes de refletir, espalhar ou absorver a radiação incidente na superfície da pele, e assim inibir sua penetração nas camadas da epiderme e derme.8,9

O mecanismo pelo qual os fotoprotetores atuam depende essencialmente da formação de um filme homogêneo na superfície da pele, e assim são muito susceptíveis a aplicações insuficientes na forma, frequência ou quantidade recomendada.10,11

Mais recentemente, ativos com ação fotoprotetora biológica têm sido propostos. Esses ativos, ao invés de interagirem diretamente com a radiação incidente, agem por mecanismos biológicos protegendo ou reduzindo os efeitos da radiação nas estruturas celulares e minimizando seus efeitos danosos.1

Dentre esses agentes, destaca-se o extrato de Polypodium leucatomos, fitoextrato decorrente de um processo de extração padronizado de uma espécie de samambaia presente especialmente em países da América Central.12

Na literatura internacional indexada existem mais de 70 publicações acerca dos efeitos fotoprotetores do extrato de Polypodium leucatomos, demonstrando seu efeito biológico por uso tópico ou oral, por meio, entre outros mecanismos, da redução do dano ao DNA celular, antioxidação, proteção das células de Langerhans e redução da melanogênese.12,13,14,15,16,17

O presente estudo teve por objetivo avaliar, de forma comparativa, a eficácia de um fotoprotetor contendo extrato de Polypodium leucatomos e outro sem a presença do EPL na redução dos efeitos decorrentes da exposição aguda à radiação solar.

 

MÉTODOS

População estudada

O presente estudo foi realizado após a aprovação ética, emitida pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de São Francisco em 05 de novembro de 2018.

O estudo foi realizado no período de 03 de dezembro de 2018 até 06 de fevereiro de 2019, quando foram incluídos 10 voluntários de ambos os sexos, com idade variando entre 18 e 70 anos e de fototipo III, de acordo com a escala de Fitzpatrick. Foram determinados e avaliados demais critérios de não inclusão, tais como patologias ativas, uso de qualquer medicação sistêmica ou local, exposição prévia à radiação solar e alterações clínicas na área do dorso a ser irradiada e tratada.

Produtos estudados

O produto-teste foi o fotoprotetor FPS 90 (Heliocare Max Defense FPS 90) - FPS 90 com EPL, comercialmente disponível e devidamente registrado na ANVISA, contendo combinação de filtros orgânicos e inorgânicos e o extrato padronizado de Polypodium leucatomos (EPL) a 0,5%.

O produto comparador, de FPS 90 (filtro solar FPS 90 sem EPL), foi desenvolvido especialmente para o estudo, contendo a mesma combinação de filtros orgânicos e inorgânicos do produto-teste, mas sem a presença do EPL.

Fonte de exposição à radiação solar

O estudo foi realizado utilizando-se um simulador solar (Solar Light – USA), adaptado para exposição do espectro solar completo (UVB, UVA, luz visível e infravermelho).

Metodologia do estudo

A metodologia do estudo, no que se refere à determinação da dose eritematosa mínima, irradiação, equipamento, quantidade e forma de aplicação do produto e leitura visual do eritema, seguiu estritamente a normatização da ISO 24444:2010,18 norma essa considerada referência pela ANVISA para determinação do FPS para registro de protetores solares no Brasil.19

Antes do teste propriamente dito, foi necessário determinar a dose eritematosa mínima (DEM) de cada participante.

Para tanto, uma área do dorso do voluntário foi determinada e exposta à radiação UV em seis subsítios com doses em progressão geométrica de razão 1,12, com consequente variação de 12% entre cada subsítio.

Após 24 horas, a DEM dos participantes foi definida pela presença de eritema nítido com contornos bem definidos, no sítio da menor dose de radiação ultravioleta (UV) emitida.

Após a determinação da DEM, realizou-se a demarcação de quatro áreas na região do dorso do participante. As disposições das áreas foram aleatorizadas entre os participantes, seguindo as identificações da figura 1.

Realizadas as demarcações, os produtos investigados foram aplicados nas suas respectivas áreas, na quantidade de 2mg/cm2.

Após o tempo de secagem de, em média, 15 minutos, as áreas foram expostas à irradiação UV em seis subsítios com doses em progressão geométrica de razão 1,12, com consequente variação de 12% entre cada subsítio.

Importante destacar que, de acordo com a ISO 24444:201018, a dose irradiada nas áreas protegidas pelos dois produtos investigados foi multiplicada pelo FPS estimado do produto, nesse particular caso, 90. Em outras palavras, a irradiação oferecida nas áreas A1 e A2 foi 90 vezes superior à da área A3. Essa ação é necessária para se eliminar o efeito fotoprotetor (filtros físicos e químicos) da análise.

Após 24 horas da realização das exposições, foram realizadas leituras dos eritemas nas regiões de exposição e, em seguida, medida a colorimetria em todos os subsítios de todas as áreas do estudo.

Para a medida de colorimetria, foi utilizado o equipamento Chromameter CR-400 (Minolta), e os valores determinados dos parâmetros a*, b* e L* foram utilizados para determinação do ângulo tipológico individual (ITA°).

Após as medidas de colorimetria, foram realizadas coletas de material para exame anatomopatológico e imuno-histoquímica, tendo uma amostra coletada em cada uma das quatro áreas irradiadas, no mesmo subsítio, definido como o terceiro subsítio.

As amostras foram avaliadas por laboratório especializado, para os seguintes marcadores: quantificação de sunburn cells (apoptose de queratinócitos e, portanto, dano ao DNA), quantificação de anticorpos anti-CD1-A (marcador de célula de Langerhans), quantificação de anticorpos anti-p53 (marcador de dano ao DNA), quantificação de anticorpos anti-MMP-1 (marcador de metaloproteisanes da matriz e, portanto, dano ao colágeno) e quantificação de anticorpos antitirosinase (marcador de melanogênese).

 

RESULTADOS

Foram triados 21 participantes; destes, 10 foram selecionados para o estudo.

A faixa etária dos participantes esteve entre 18 e 55 anos, com média de 32 anos.

Avaliação instrumental da pigmentação - ITA (ângulo tipológico individual)

O ângulo tipológico individual é uma medida colorimétrica calculada a partir da variação dos parâmetros b* e L* da colorimetria, e determina a pigmentação da pele, conforme a equação abaixo:

ITA° = ArcTg [(L – 50)/b] x 180/3,14159

Quanto maior o ITAº, mais clara é a pele e, portanto, no processo de pigmentação, a diminuição do ITAo representa o escurecimento da pele.

A figura 2 apresenta as áreas tratadas e controle sem e com irradiação.

Observa-se que as três áreas irradiadas, tratadas ou não, apresentaram variação em relação à área não irradiada (controle).

Considerando-se que a área 04 (controle) não recebeu tratamento e irradiação durante o estudo, a diferença do ITAº entre as áreas tratadas (A1 e A2) e não tratadas (A3) em relação à área controle (A4) demonstra o quanto a pele foi pigmentada após irradiação, em que se espera que o uso do produto-teste (A1) apresente maior efeito protetor contra a pigmentação do que o produto filtro solar FPS90 (A2) e que ambos, por sua vez, apresentem menor variação que a área não protegida (A3). Portanto, quanto mais próximo de zero, menor a diferença entre as áreas irradiadas e controle, demonstrando menor pigmentação da área.

Os resultados mostraram que a área irradiada e não protegida apresentou uma variação do ITA° em 3,56 pontos em relação ao basal (área não irradiada), enquanto as áreas protegidas pelo produto-teste e pelo filtro solar FPS 90 apresentaram variação de 2,51 e 3,04 pontos, respectivamente.

A tabela 1 apresenta a variação percentual entre os deltas das áreas irradiadas e área controle sem irradiação.

Quando comparamos a área tratada com o produto-teste com a área não protegida, observamos que o produto foi 29,67% superior, enquanto o produto FPS 90 foi 14,56% superior à área não tratada, praticamente a metade da resposta do produto contendo EPL, o que mostra a eficácia da formulação desse último produto em relação ao seu comparador na inibição da pigmentação da pele pós-irradiação solar.

A diferença entre a intensidade da pigmentação das áreas tratadas com o produto-teste e as áreas tratadas com o produto filtro solar FPS 90 foi de 17,70%, em que o produto-teste foi mais efetivo na proteção contra a pigmentação da pele decorrente da radiação solar.

Avaliação instrumental do eritema – parâmetro a* da colorimetria

O parâmetro a* da colorimetria indica a variação de cor entre verde (negativo) e vermelho (positivo). Assim, quanto menor o a*, menor é a vermelhidão, ou eritema da pele.

Considerando que a área 04 (controle) não recebeu tratamento e irradiação durante o estudo, a diferença de a* entre as áreas tratadas (A1 e A2) em relação à área controle (A4) demonstra o quanto a pele produziu eritema, em que se espera que o produto-teste (A1) apresente menor intensidade de eritema que o produto filtro solar FPS90 (A2).

A figura 3 mostra as diferenças entre as áreas tratada (A1) e a de filtro solar FPS90 (A2) em relação à área controle sem irradiação (A4).

A diferença de intensidade do eritema entre as áreas tratadas foi de 6,79%, ou seja, o produto Heliocare MD 90 produziu 6,79% menos eritema do que o produto controle FPS 90.

Avaliação histológica da apoptose – contagem de Sunburn cells

Os queratinócitos são o principal tipo celular da pele e, portanto, o principal alvo das alterações mediadas pelos diferentes tipos de estresse.

A radiação solar é capaz de desencadear alterações morfológicas no DNA do queratinócito e, ao mesmo tempo, promover um mecanismo de apoptose celular, como mecanismo de proteção. As células apoptóticas são também denominadas sunburn cells.

Foram quantificadas as células de queratinócitos que sofreram apoptose nas quatro áreas de estudo (área protegida pelo produto-teste, área protegida pelo produto filtro solar FPS 90, área irradiada não protegida e área controle).

De forma geral, as amostras, cuja pele não foi protegida com um dos produtos testados, apresentaram maior número de queratinócitos apoptóticos por campo, e as áreas protegidas com os produtos testados apresentaram pequeno número de apoptoses (Figura 4).

A figura 5 apresenta as médias dos queratinócitos apoptóticos por campo, assim como a variação percentual entre as áreas avaliadas.

A área irradiada e não protegida apresentou maior positividade para apoptose dos queratinócitos, superior mais de 1600% em comparação com a área controle (sem irradiação e sem proteção), demonstrando o efeito da irradiação na apoptose de queratinócitos.

O produto filtro solar FPS 90 promoveu uma redução em 53,74% na quantidade de células apoptóticas, o que demonstra a eficácia da combinação de filtros físicos e químicos nesse efeito. O produto-teste, por sua vez, promoveu uma redução em 59,79% na quantidade de células apoptóticas.

Quando comparados, o produto-teste apresentou 13,08% menos células apoptóticas em relação ao outro protetor solar de mesmo FPS, demonstrando maior efetividade na proteção contra o dano ao DNA celular e, portanto, contra a apoptose de queratinócitos em decorrência da presença do extrato de Polypodium leucatomos.

Avaliação imuno-histoquímica da expressão da proteína p53 (dano ao DNA)

A proteína p53 expressa-se em queratinócitos mutados, como decorrência da alteração do DNA nuclear com geração de dímeros do ciclobutano-pirimidina (CPD), em virtude da ação da radiação UVB. Dessa forma, podemos entender que a expressão do anticorpo p53 marca o dano ao DNA celular e, por consequência, a ação carcinogênica da radiação solar. Esperava-se que a área irradiada sem proteção apresentasse maior positividade para esse marcador, o que, de fato, aconteceu, como vemos na figura 06.

A área irradiada não protegida apresentou maior positividade para o marcador de anti-p53 em 426% em comparação à área controle (sem irradiação e sem proteção), demonstrando a eficácia da irradiação na geração de dano ao DNA celular, e, por consequência, na expressão de p53.

O produto filtro solar FPS 90 promoveu uma redução em 69,10% na expressão de p53, o que demonstra a eficácia da combinação de filtros físicos e químicos nesse efeito. Por seu lado, o produto-teste promoveu uma redução em 75,34% na expressão de p53.

Na comparação entre os produtos, observamos que o produto-teste foi 20,18% mais efetivo que o comparador na proteção contra a geração de p53 e, portanto, na proteção contra a carcinogênese. Esse efeito foi decorrente da presença do extrato de Polypodium leucatomos no produto.

Avaliação imuno-histoquímica da proteção às células de Langerhans (fotoimunoproteção)

O anticorpo CD1-a marca a expressão das células dendríticas epidérmicas apresentadoras de antígeno, também denominadas de células de Langerhans. As células de Langerhans são elementos celulares importantes na imunidade celular inata, com a ação apresentadora de antígenos microbianos (como vírus e bactérias) e também de antígenos de células tumorais. Sabemos que a radiação solar reduz de forma relevante a atividade ou a quantidade de células de Langerhans na epiderme, desencadeando a fotoimunossupressão e permitindo a maior ocorrência de infecções virais (tais como herpes simples) e também reduzindo a atividade imunológica na proteção contra expansão clonal de células tumorais.

Como dito então, para este anticorpo, seria esperado que a irradiação afetasse negativamente a pele irradiada. Dessa forma, notaríamos uma diminuição no número de células de Langerhans marcadas pelo anticorpo, o que de fato ocorreu.

A figura 7 mostra as médias da quantificação dos anticorpos anti-CD1a nas áreas avaliadas.

Os resultados demonstraram que a exposição à radiação solar desencadeou uma redução de 33,89% da expressão de CD1-a, demonstrando um efeito redutor das células de Langerhans (e, portanto, um efeito imunossupressor) da radiação solar.

O produto filtro solar FPS 90 promoveu, ao contrário do esperado, uma redução em 12,02% na expressão de CD1a, o que demonstra que a combinação de filtros físicos e químicos não foi efetiva na proteção contra a fotoimunossupressão. O produto-teste, por sua vez, promoveu um aumento em 33,01% na expressão de CD1a e, desta forma, observamos que o produto-teste foi efetivo na proteção da célula de Langerhans contra os efeitos da radiação solar.

Ao compararmos os resultados entre os dois fotoprotetores, observamos que o produto Heliocare FPS 90 foi 51,18% mais efetivo na expressão de CD1a (e, portanto, das células de Langerhans) do que o produto com a mesma formulação e mesmo FPS, mas sem a presença do extrato de Polypodium leucatomos.

Avaliação imuno-histoquímica da expressão das metaloproteinases de matriz – MMP-1 (dano ao colágeno e às estruturas dérmicas)

Foram realizadas marcações para o MMP-1 contracorando as amostras com Giemsa. Isso fez com que toda a melanina presente no citoplasma dos queratinócitos fosse corada em verde, enquanto a metaloproteinase-1 produzida por eles ficasse marcada em marrom (Figura 08).

A MMP-1 pode ser considerada como um marcador do estímulo ao dano do colágeno desencadeado por fatores de estresse oxidativo, no presente caso decorrente da radiação solar. A radiação solar, como sabido, promove um processo de estresse oxidativo, desencadeando a maior expressão de metaloproteinases, dentre as quais a MMP-1. Estas, por sua vez, são reconhecidas enzimas que determinam a degradação do colágeno, e consequente alteração trófica da derme, levando a longo prazo a evidências clínicas do envelhecimento cutâneo, tais como rugas e flacidez.

Como esperado, na grande maioria dos casos, as áreas protegidas pelos produtos testados apresentaram pouca ou nenhuma positividade para MMP-1. Por outro lado, a área desprotegida e irradiada mostrou grande positividade para este anticorpo.

A figura 9 apresenta o gráfico de médias e variações da marcação positiva para o anticorpo MMP-1 nas áreas protegida pelo produto Heliocare Max Defense FPS 90, protegida pelo produto filtro solar FPS 90, irradiada não protegida e controle.

A área irradiada não protegida apresentou positividade maior em 100% para o marcador de MMP-1 em relação à área controle (sem irradiação e sem proteção), demonstrando a eficácia da irradiação na geração de metaloproteinase 1.

O produto filtro solar FPS 90 promoveu uma redução em 36,92% na expressão de MMP-1, o que demonstra a parcial eficácia da combinação de filtros físicos e químicos nesse efeito. O produto-teste, por sua vez, promoveu uma redução em 70,90% na expressão de MMP-1.

A comparação entre os produtos demonstrou que o produto-teste foi mais efetivo que o produto filtro solar FPS 90 na redução da expressão de MMP-1 em 53,88%, demonstrando maior capacidade em proteger a pele contra os efeitos degenerativos da radiação solar no colágeno em decorrência da presença do extrato de Polypodium leucatomos.

Avaliação imuno-histoquímica da expressão da tirosinase (melanogênese)

A enzima tirosinase participa da cascata da melanogênese, transformando tirosina em melanina ao final do processo.

Sabemos que a radiação solar é capaz de estimular a melanogênese, com aumento da atividade da tirosinase. Por outro lado, protetores solares com ação antimelanogênese devem ser capazes de inibir a expressão da tirosinase, ainda que parcialmente.

A figura 10 mostra as médias da marcação positiva para o anticorpo antitirosinase nas áreas protegida pelo produto teste, protegida pelo produto filtro solar FPS 90, irradiada não protegida e controle.

Os resultados demonstraram que a exposição à radiação solar desencadeou um aumento de 26,06% da expressão de tirosinase, demonstrando um efeito pigmentar da radiação solar, como era de se esperar.

O produto filtro solar FPS 90 promoveu, de forma inesperada, um aumento de 2,95% na expressão da tirosinase, o que demonstra uma ausência do efeito na proteção contra a pigmentação da combinação de filtros físicos e químicos.  O produto-teste, por sua vez, promoveu uma redução em 2,77% na expressão de p53.

Na comparação entre os produtos, observamos que o produto-teste foi mais efetivo na proteção contra a melanogênese se comparado ao produto FPS 90 sem a presença do extrato de Polypodium leucatomos, ainda que a diferença entre os grupos tenha sido discreta, em 5,55%.

 

DISCUSSÃO

O extrato de Polypodium leucatomos é um reconhecido agente fotoprotetor, de uso oral e/ou tópico, por meio de sua ação antioxidante, imunoprotetora, protetora do DNA celular e da ação degradadora do colágeno decorrente da radiação solar.12

Na literatura científica, encontram-se muitas publicações demonstrando seu efeito por meio de estudos in vitro e in vivo, particularmente do uso pela forma oral.

Em relação à forma tópica, alguns estudos demonstram a ação do EPL, protegendo o DNA do queratinócito, as células de Langerhans e também a ação das metaloproteinases da matriz na degradação do colágeno.13-16

O objetivo do presente estudo, e de forma inovadora, foi demonstrar a ação tópica do extrato de Polypodium leucatomos na fotoproteção, mas em combinação com filtros físicos e químicos, dentro de uma formulação acabada de fotoprotetor com FPS 90.

Para tanto, e para reforçar a ação do EPL propriamente dita, optou-se por realizar a comparação com a mesma exata formulação, excetuando-se pela ausência do EPL. Assim, as alterações encontradas nos resultados dos produtos (investigado e comparador) seriam decorrentes exclusivamente da presença do EPL na fórmula.

O modelo de estudo escolhido foi o clínico em voluntários submetidos à radiação solar através de um simulador solar capaz de emitir radiação nas faixas UV, luz visível e infravermelho.

Os voluntários foram submetidos a doses crescentes de radiação, num modelo de estudo semelhante ao realizado para determinação de FPS, inclusive seguindo as premissas do método internacionalmente aceito, a ISO 24444: 2010.18

Os resultados obtidos nas avaliações colorimétricas foram consistentes, e, como era de se esperar, mostraram que a radiação solar foi capaz de produzir eritema e pigmentação. A utilização de um protetor solar de FPS 90 conseguiu reduzir a intensidade do eritema e da pigmentação, como esperado também. Quando utilizado um protetor solar que, além dos filtros físicos e químicos, continha em sua formulação o extrato de Polypodium leucatomos, os resultados na redução de eritema e pigmentação foram ainda mais evidentes, demonstrando, assim, de forma inédita, a eficácia desse extrato quando associado aos filtros físicos e químicos na redução dos dois principais eventos biológicos de dano solar agudo: eritema e pigmentação.

Quando avaliamos os resultados dos marcadores histológicos e imuno-histoquímicos, observamos que em todas as situações (dano ao DNA, imunossupressão, degradação do colágeno e elementos dérmicos pelas MMP-1 e estímulo à melanogênese) a radiação solar de espectro inteiro (ultravioleta A e B, luz visível e infravermelho) foi capaz de produzir o efeito biológico. Esse dado demonstra a adequada seleção de marcadores para execução do estudo.

Quando protegemos a pele dos voluntários com filtro solar FPS 90 sem extrato de Polypodium leucatomos, observamos que a ação dos filtros físicos e químicos foi parcialmente efetiva na proteção contra o dano ao DNA e na proteção contra os danos às estruturas dérmicas, mas não foi efetiva na proteção contra a imunossupressão e na proteção contra a melanogênese. A possível justificativa para esses achados talvez seja a participação da radiação UVA longa, luz visível e infravermelho nesses efeitos, particularmente na melanogênese, não adequadamente protegidos pelos filtros ultravioleta.

Finalmente, ao avaliar a resposta nas áreas protegidas pelo produto investigado, uma formulação contendo combinação de filtros físicos e químicos e o extrato de Polypodium leucatomos, observamos a efetividade dessa formulação na redução de todos os marcadores histológicos, e de forma superior à redução apresentada na área tratada somente pela combinação de filtros físicos e químicos.

A tabela 02 apresenta, de forma didática, as variações encontradas nos resultados histopatológicos e que podem ser atribuídas ao conjunto de filtros UV, ao EPL, ou ao conjunto de ambos.

Como vemos, os dados mais relevantes são observados quando comparamos os resultados do produto-teste com o produto comparador. As diferenças atribuídas na comparação desses resultados são decorrentes exclusivamente da presença do extrato de Polypodium leucatomos, pois é o único ingrediente presente no produto testado e que não está presente no produto comparador.

Na análise individual dos marcadores, destacam-se o efeito fotoimunoprotetor (com aumento proporcional de 51,18% das células de Langerhans se comparado ao produto FPS 90) e a proteção contra o dano às estruturas do colágeno, evidenciada pela redução 53,88% maior do produto-teste se comparado ao produto de mesma formulação sem a presença de EPL.

Em relação ao p53 e às sunburn cells, marcadores de dano ao DNA, vemos que o produto testado tem melhor resposta em comparação ao produto comparador FPS 90, em 20,18% e 13,08%, respectivamente.

Por fim, em relação à ação inibidora da tirosinase, vemos que o comportamento dos produtos é praticamente semelhante, tendo uma variação pequena e favorável ao produto testado. Potencialmente, isso se deve à característica menos aguda do processo de pigmentação cutânea, que depende de sucessivas exposições à radiação solar, o que não ocorreu no presente estudo.

Os resultados demonstram que a presença do extrato de Polypodium leucatomos foi capaz de agregar efeitos positivos ao fotoprotetor composto somente por filtros ultravioleta, indicando um efeito fotoprotetor biológico do ativo.

 

CONCLUSÃO

Entendemos que o presente estudo-piloto conseguiu evidenciar um efeito positivo da combinação de filtros químicos e físicos ao extrato de Polypodium leucatomos na redução dos efeitos clínicos (eritema e pigmentação) e biológicos (dano ao DNA, degradação do colágeno e imunossupressão) decorrentes da exposição à radiação solar.

Esses dados, ainda que preliminares tendo em vista a amostra reduzida de voluntários, indica uma ação biológica do extrato de Polypodium leucatomos que, quando agregado à combinação de filtros físicos e químicos, potencializa o efeito desses últimos e contribui para uma fotoproteção mais completa e efetiva.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Sérgio Schalka | 0000-0003-2425-7962
Investigador principal, concepção, execução do estudo, confecção do relatório.

Ludmilla Coelho Donato | 0000-0003-1838-8464
Concepção e planejamento do estudo, revisão crítica do artigo

 

REFERÊNCIAS

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