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Toxina botulínica no tratamento de sequelas da paralisia facial: área de atuação do dermatologista

Chan I Thien; Mairam Santos Steffen; Mariana Rita de Novaes Fernandes; Daniela Alves Pereira Antelo

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20191131241

Data de recebimento: 26/05/2019
Data de aprovação: 14/07/2019
Trabalho realizado no Hospital Universitário Pedro Ernesto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Rio de Janei ro (RJ), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum


Abstract

A aplicação de toxina botulínica nos pacientes com sequela de paralisia de Bell é uma terapia auxiliar de extrema valia para a redução da sincinesia e de assimetrias faciais. A paralisia de Bell é a causa mais comum de paralisia do neurônio motor facial.Após a fase de paralisia dos músculos da face, o quadro pode evoluir com assimetria facial e sincinesia. No tratamento da sincinesia, as injeções pontuais no músculo orbicular e platisma aliviam os espasmos.A aplicação seletiva na hemiface não acometida objetiva reduzir a assimetria facial e seu impacto social negativo, com melhora da qualidade de vida.


Keywords: Paralisia facial; Paralisia de Bell;Toxinas botulínicas tipo A;Terapêutica; Qualidade de vida; Reabilitação


INTRODUÇÃO

A paralisia de Bell tem início súbito e é unilateral, com paresia facial associada a dor retroauricular, disgeusia, parestesia e hiperacusia.A sintomatologia máxima ocorre nas primeiras 4872h.1 A gravidade da paralisia correlaciona-se com a duração da distensão facial, a extensão da recuperação facial e com o comprometimento da qualidade de vida.1

Alguns pacientes apresentam recuperação incompleta e desenvolvem hipertonia,hipercinesia ou sincinesia.A toxina botulínica associada à fisioterapia é uma opção no tratamento da sincinesia.

 

MÉTODOS

No presente estudo, relata-se o caso de uma paciente com boa resposta terapêutica ao uso de toxina botulínica para correção de assimetria facial.A revisão da literatura especializada, realizada entre maio e julho de 2018, utilizou artigos científicos selecionados por meio de busca no banco de dados do Pubmed. As palavras-chave empregadas foram paralisia de Bell, paralisia facial e toxina botulínica.

Os critérios de inclusão para os estudos encontrados foram a abordagem terapêutica do emprego da toxina botulínica no tratamento da sincinesia e da assimetria facial pós-paralisia facial, com ênfase nos casos de paralisia de Bell. Foram excluídos estudos que relatavam o emprego da toxina botulínica em outras etiologias de assimetria facial.

Logo em seguida, buscou-se estudar e comparar o número de pacientes envolvidos em cada estudo (n), a toxina botulínica utilizada, a dose média utilizada, o intervalo de aplicação, a duração do efeito e o tempo de seguimento.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 54 anos, referiu que, durante o verão de 1999, quando saiu de um ambiente refrigerado para outro com temperatura ambiente, apresentou paresia e parestesia na hemiface esquerda. Foi realizado o diagnóstico de paralisia de Bell e iniciado tratamento com corticoterapia sistêmica e fisioterapia (crio e eletroestimulação). Apresentava história de episódios de herpes no mesmo território acometido pela paralisia, tendo sido o último há quatro meses. Manteve sequela da paralisia da hemiface esquerda e sincinesia oro-ocular, com fechamento do olho esquerdo ao sorrir (Figura 1). Quando recruta a musculatura da mímica facial do lado não acometido (para contrair – Figura 2 ou elevar a fronte direita – Figura 3, fechamento da cavidade oral e deslocamento lateral – Figura 4), também ocorre o fechamento do olho esquerdo. Há contratura da banda do platisma ipsilateral, causando dor na região (Figura 5). Faz aplicações anuais de toxina botulínica (já realizou cerca de 16 sessões), com redução da assimetria, das contraturas dolorosas e da sincinesia. Está em acompanhamento multidisciplinar com otorrinolaringologista, neurologista, dermatologista e fisioterapeuta. Optou-se pela aplicação de toxina onabotulínica A (no total de 85U – Figura 6 e Tabela 1), com o uso de creme anestésico antes do procedimento e seringa com agulha 30G, a fim de reduzir a dor da injeção. Na hemiface esquerda (acometida) foram aplicadas injeções de 1U de toxina botulínica em três pontos no músculo orbicular do olho e 2U em cada um dos quatro pontos no músculo platisma a fim de aliviar espasmos. O músculo corrugador também foi abordado, tendo sido feitas 3U em um ponto de aplicação, com o intuito de reduzir a hipertonia.A aplicação seletiva na hemiface direita (não acometida), na fronte, glabela, orbicular do olho e da boca, músculo depressor do ângulo oral, masseter, mentual, nasal e platisma foi orientada na tentativa de melhorar a assimetria facial e corrigir algumas rugas, segundo a tabela 1. Os resultados funcional e estético foram considerados satisfatórios pela paciente, na revisão 20 dias após o procedimento.

 

DISCUSSÃO

A paralisia de Bell é a causa mais comum de paralisia do neurônio motor facial e acomete fibras motoras, sensitivas e parassimpáticas. Foi descrita pela primeira vez em 1830 por Charles Bell e apresenta taxa de incidência entre 15 a 40 por 100.000 pacientes.2 De acordo com Eviston TJ et al1, não há preferência por sexo, mas tende a ocorrer em faixas etárias mais avançadas.

A patogênese ainda é controversa e está relacionada à infecção pelo herpes-vírus tipo 1, à compressão de nervo (mecanismos isquêmicos) e à autoimunidade. Sabe-se que os subtipos de herpes-vírus HSV-1, HSV-2 E VZV se estabelecem de forma latente em múltiplos gânglios cranianos, raiz dorsal e gânglio autonômico após a exposição mucocutânea.3 Acredita-se que a degradação intra-axonal e a ativação de vias apoptóticas em resposta ao vírus, associadas a um fenótipo susceptível, contribuam para o episódio de paralisia facial.1

O tratamento combinado com aciclovir e corticosteroides para a paralisia de Bell clássica na fase aguda continua controverso.4 Alguns autores sugerem uso apenas de corticosteroides sistêmicos.

A toxina botulínica é uma neurotoxina produzida pela bactéria anaeróbica Clostridium botulinum. 5 Atua na membrana pré-sináptica da junção neuromuscular, inibindo a liberação de acetilcolina e provocando uma redução dose-dependente da contração muscular.

Após a fase de paralisia dos músculos da face, há tendência à hipertonia.A toxina realiza a quimiodenervação,enfraquecendo os músculos hipertônicos e contribuindo na correção da assimetria facial e da sincinesia.

A sincinesia corresponde à contração muscular anormal involuntária durante movimentos voluntários, atribuídos à reinervação aberrante após injúria nervosa. Pode ser oro-ocular, com o fechamento do olho quando o paciente sorri ou se alimenta, ou óculo-oral, com desvio labial quando fecha o olho.A ativação das bandas platismais ao movimento da hemiface contralateral também ocorre.1 Além das bandas platismais, a paciente apresenta sincinesia oro-ocular.

No tratamento da sincinesia, as injeções pontuais de toxina botulínica no músculo orbicular e platisma aliviam espasmos e devem ser associadas à fisioterapia, com foco em particular nos exercícios de bioestimulação.6 A aplicação seletiva na hemiface não acometida, na fronte e no músculo depressor do ângulo oral pode ser considerada na tentativa de melhorar a assimetria facial, conforme foi realizado na paciente relatada. Importante ressaltar que a aplicação no músculo zigomático parestésico ou acometido com sincinesia não é recomendada para evitar a perda da sua função no sorriso.1

Segundo Jowett et al7, a dose inicial recomendada para correção da fraqueza da sobrancelha contralateral é de 9U de toxina no músculo frontal, distribuída em três zonas, seguindo padrão triangular, sempre 1,5cm acima da sobrancelha para evitar ptose palpebral.A dose inicial para o músculo platisma seria 20U distribuídas em quatro zonas (padrão retangular), 2cm abaixo do mento.

Alguns pacientes necessitam de três-quatro aplicações anuais enquanto outros não se beneficiam. A paciente relatada já fez cerca de 16 aplicações anuais, sem perda da eficácia. Nega eventos adversos e realiza sessões de fisioterapia como adjuvante.

A revisão da literatura (Tabela 2) demonstrou que o número de pacientes envolvidos em cada estudo sobre paralisia facial e tratamento com toxina botulínica variou de um a 353, e a toxina botulínica utilizada foi toxina A onabotulínica e abobotulínica.A dose média utilizada em cada paciente variou de 2U a 120U, o intervalo de aplicação variou de aplicação única a 7,7 meses, com duração do efeito de dois a seis meses e tempo de seguimento de um mês a 11 anos.

 

CONCLUSÃO

A aplicação de toxina botulínica nos pacientes com sequela de paralisia de Bell (aproximadamente 16% dos casos)2 é uma terapia auxiliar para redução de sincinesia e de assimetrias faciais. Muitas vezes realizada por outras especialidades médicas, também é campo de atuação de dermatologistas, sendo necessários o estudo e o domínio da técnica para a segurança do paciente e a obtenção de resultados satisfatórios.

 

AGRADECIMENTOS

Aos pacientes do Ambulatório de Cosmiatria e Corretiva do Hospital Universitário Pedro Ernesto/Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Chan I Thien | ORCID 0000-0002-3188-959X
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.

Mairam Santos Steffen | ORCID 0000-0003-1728-9640
Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Mariana Rita de Novaes Fernandes | ORCID 0000-0003-1359-7187
Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

Daniela Alves Pereira Antelo | ORCID 0000-0001-8203-1772
Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

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