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Como eu faço ?

Retalho jigsaw puzzle: uma técnica cirúrgica inusitada de reconstrução da asa nasal

José Antônio Jabur da Cunha1; Nabila Scabine Pessotti1; Caroline Andrade Rocha2; Flávia Nunes Maruyama2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20191131332

Data de recebimento: 26/02/2019
Data de aprovação: 11/04/2019
Trabalho realizado na Clínica de Der matologia, Departamento de Medicina da Santa Casa de São Paulo - São Paulo (SP), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum


Abstract

Defeitos cirúrgicos nasais provenientes da retirada de câncer de pele não melanoma representam um desafio para o cirurgião devido à complexidade anatômica e à alta relevância funcional e estética da região. O objetivo deste trabalho é demonstrar o retalho de avanço jigsaw puzzle. Foi realizada ressecção de carcinoma basocelular na região perialar do paciente, seguida de reconstrução com retalho jigsaw puzzle, com excelente resultado estético e funcional.A técnica apresentada é útil e pouco difundida, devendo fazer parte do arsenal do cirurgião dermatológico na reconstrução de defeitos cirúrgicos localizados nas regiões alar e perialar do nariz.


Keywords: Nariz; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Retalhos cirúrgicos


INTRODUÇÃO

O câncer de pele não melanoma (CPNM) localiza-se principalmente na face, correspondendo a 75% dos casos; desses, 30-35% localizam-se no nariz.1 Esses tumores estão distribuídos no nariz de forma homogênea, sendo mais frequentes na asa nasal, seguida do dorso e da ponta.2

O tratamento do CPNM na maioria das vezes é cirúrgico, objetivando retirada completa da lesão e mínimos danos funcionais e estéticos. Defeitos cirúrgicos localizados na asa nasal são de difícil reconstrução, uma vez que a integridade desta região é muito importante para a manutenção da estética e da função do nariz.3 Por se tratar de uma estrutura proeminente e central,

o nariz tem grande relevância na estética da face, onde mínimas distorções podem comprometer a harmonia facial.

Diversos métodos são descritos para o fechamento de defeitos cirúrgicos da região alar. Pequenos defeitos podem cicatrizar-se por segunda intenção.3 Defeitos superficiais, por sua vez, podem ser reparados com enxertos de pele de espessura total, muitas vezes com bons resultados estéticos. Raramente, alguns defeitos localizados na asa nasal podem ser reparados por fechamento direto borda a borda.

Apesar de serem mais difíceis de se realizarem do que os enxertos, os retalhos apresentam vantagens estéticas, uma vez que utilizam pele adjacente e semelhante à do defeito cirúrgico, minimizando assim os problemas relacionados a contorno, coloração e textura.3 Existem diversos tipos de retalhos descritos para

o fechamento da região alar4, e o cirurgião deve indicar a técnica que se adeque melhor ao paciente levando em conta fatores como localização, tamanho, profundidade e experiência pessoal.

Novos retalhos vêm sendo descritos para compor o conjunto de opções terapêuticas na reconstrução de defeitos cirúrgicos no nariz. Goldberg e colaboradores, em 2005, descreveram o retalho do tipo jigsaw puzzle com bom resultado.4 Este trabalho tem o objetivo de ilustrar e difundir esta técnica que, apesar de muito pouco conhecida, é reprodutível e útil na reconstrução de defeitos cirúrgicos localizados nas regiões alar e perialar do nariz.

 

MÉTODOS

Descrição da técnica cirúrgica

Foi realizada a excisão da lesão resultando em defeito cirúrgico profundo de 13mm na região perialar. Desenhado retalho de avanço com os triângulos de compensação inferiormente ao longo do sulco nasogeniano e superiormente ao longo do limite entre as unidades anatômicas nasal e malar. (Figura 1). O retalho é incisado, e os triângulos de compensação são removidos. O retalho tem pedículo randômico e base lateral.A gordura subjacente é removida do retalho para deixá-lo com a espessura do defeito cirúrgico. Os defeitos secundários resultantes da excisão dos triângulos de compensação são fechados com suturas subcutâneas absorvíveis. São realizados pontos de ancoragem fixando-se parte do retalho no periósteo do osso maxilar e forame piriforme. O fechamento é concluído com a execução de suturas cutâneas com fio de nylon. (Figura 2)

 

RESULTADOS

Paciente do sexo feminino, 72 anos, fototipo III, apresentava lesão localizada na região perialar esquerda (Figuras 3 e 4) caracterizada por pápula de 8mm, com bordas perláceas e dermatoscopia típica. Foi confirmado diagnóstico de carcinoma basocelular por exame anatomopatológico.

Após a ressecção total da lesão, que resultou em defeito cirúrgico profundo com 13mm no maior diâmetro (Figuras 1 e 2), seguiu-se a reconstrução da asa nasal com retalho de avanço tipo jigsaw puzzle utilizando-se o tecido localizado entre as unidades anatômicas nasal e malar.

O período pós-operatório imediato transcorreu sem complicações, sem sofrimento do retalho, hematoma, seroma ou infecção do sítio cirúrgico. O resultado estético foi muito satisfatório, sem que houvesse perda do sulco nasogeniano, do contorno da asa nasal ou distorção das margens livres. No pós-operatório de seis meses, a região tratada manteve excelente resultado estético e funcional (Figura 5).

 

DISCUSSÃO

A região nasal é local comum para ocorrência de CPNM, e a ressecção cirúrgica total da lesão é o método de escolha para o seu tratamento.5 As necessidades funcionais, as características anatômicas e a relevância estética das regiões alar e perialar do nariz configuram-se frequentemente em desafio ao cirurgião dermatológico na reconstrução de defeitos cirúrgicos dessa região.

Estudos demonstram que não há diferença estatisticamente significativa em relação às complicações quando se comparam a realização de retalhos e os enxertos de pele total.6 Em relação aos resultados estéticos, é consenso a superioridade dos retalhos quando bem executados, já que apresentam similaridade da textura e cor da pele local e tendem a preservar o contorno anatômico3, principalmente em defeitos profundos característicos da região nasal.

Diversas opções de retalhos são disponíveis para a reconstrução da região alar, tais como: retalho de avanço em V-Y, retalhos bilobados e retalhos interpolados do sulco nasogeniano, entre outros.7, 8 O retalho jigsaw puzzle, apesar de pouco convencional, permite reconstrução da asa nasal, mantendo o contorno e a integridade estrutural4, com ótimo resultado cosmético, como demonstrado neste paciente. Diversos autores têm utilizado retalhos obtidos da região nasogeniana e malar medial para a reconstrução de defeitos da região alar por uma boa compatibilidade entre os tecidos destas diferentes zonas anatômicas.8

Em relação à escolha da melhor região para o retalho, o tecido melolabial, que está localizado entre as unidades anatômicas nasal e malar, caracteriza-se como uma excelente opção para a reconstrução do nariz e da região malar.9 O tecido melolabial foi considerado superior para a reconstrução da região nasal por apresentar melhor correspondência de textura e ausência de cicatriz perceptível quando comparado ao retalho paramediano frontal.10

As vantagens do retalho jigsaw puzzle incluem: 1) excelente resultado estético pela similaridade de textura e cor da pele do retalho; 2) linhas de incisão localizadas no limite entre as unidades anatômicas nasal, perioral e malar, levando a uma boa camuflagem da cicatriz; 3) sutura de ancoragem no periósteo, fundamental para recriar o sulco alar e o limite entre as unidades anatômicas nasal e maxilar, e também retirada da tensão do defeito cirúrgico, evitando o movimento secundário da asa nasal; 4) realização em um único tempo cirúrgico.

Uma das limitações desta técnica é que, para a sua realização, é importante que haja uma flacidez da pele da região malar, além da desvantagem de remover pele sã de ambos os triângulos de compensação.

A amputação da asa nasal pode ser necessária para a remoção completa do tumor, levando a defeito cirúrgico extenso e de espessura total. Nesses casos, o retalho jigsaw puzzle deverá ser associado a técnicas que restaurem a mucosa nasal e a cartilagem. Quando realizado de maneira isolada, este retalho está indicado para a correção de defeitos que atinjam a espessura da derme, já que fornece espessura de tecido mole, mas não fornece suporte estrutural.4

 

CONCLUSÃO

Defeitos cirúrgicos localizados na região alar são frequentes, uma vez que é alta a incidência de carcinomas basocelulares e espinocelulares nessa região. Devido às características anatômicas da região alar, defeitos aí localizados são de difícil reconstrução, envolvendo alta relevância estética e funcional. O retalho de avanço tipo jigsaw puzzle é uma técnica reprodutível, útil, de fácil execução e apresenta excelente resultado estético. Assim, deve fazer parte do arsenal do cirurgião dermatológico para a reconstrução de defeitos cirúrgicos localizados nas regiões alar e perialar do nariz.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

José Antônio Jabur da Cunha | ORCID 0000-0002-5780-0653
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Nabila Scabine Pessotti | ORCID 0000-0003-0879-2981
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Caroline Andrade Rocha | ORCID 0000-0002-0116-8548
Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Flávia Nunes Maruyama | ORCID 0000-0003-0876-0824
Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

1. Santos ABO, Loureiro V, Araújo Filho VJF, Ferraz AR. Estudo epidemiológico de 230 casos de carcinoma basocelular agressivos em cabeça e pescoço. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço. 2007;36(4):230-3.

2. Netscher DT, Spira M. Basal Cell Carcinoma: an overview of tumor biology and treatment. Plast Reconstr Surg. 2004;113(5):74e-94e.

3. Lindsay KJ, Morton JD. Flap or graft: The best of both in nasal alar reconstruction. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2015; 68(10):1352-7.

4. Goldberg LH, Kimyai-Asadi A, Silapunt S. "Jigsaw puzzle" advancement flap for repair of a surgical defect involving the lateral nasal ala. Dermatol Surg. 2005; 31(5):569-71.

5. National Comprehensive Cancer Network. NCCN Guidelines for Treatment of Cancer by Site. [Internet]. [uptaded 2018 Aug 31]. Available from: https://www.nccn.org.

6. Rustemeyer J, Gunther L, Bremerich A. Complications after nasal skin repair with local flaps and full-thickness skin grafts and implications of patients' contentment. Oral Maxillofac Surg. 2009; 13(1):15-9.

7. Arginelli F, Salgarelli AC, Ferrari B, Losi A, Bellini P, Magnoni C. Crescentic flap for the reconstruction of the nose after skin cancer resection. J Craniomaxillofac Surg. 2016; 44(6):703-7.

8. Andrade P, Serra D, Cardoso JC, Vieira R, Figueiredo A. Melolabial fold interpolated flap for reconstruction of complex nasal defects. An Bras Dermatol. 2012; 87(5):762-5.

9. Lindsey WH. Reliability of the melolabial flap for alar reconstruction. Arch Facial Plast Surg. 2001; 3(1):33-7.

10. Arden RL, Nawroz-Danish M, Yoo GH, Meleca RJ, Burgio DL. Nasal alar reconstruction: a critical analysis using melolabial island and paramedian forehead flaps. Laryngoscope. 1999;109(3):376-82.


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