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Artigo Original

Sérum anidro fluido como veículo para formulações de drug delivery: resultados do teste de esterilidade para crescimento bacteriano e fúngico

Clarissa Prieto Herman Reinehr1; Célia Luiza Petersen Vitello Kalil1; Laura de Mattos Milman1; Christine Chaves2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20191121340

Data de recebimento: 20/03/2019
Data de aprovação: 13/06/2019
Trabalho realizado na Clínica Célia Kalil, Porto Alegre (RS), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum


Abstract

INTRODUÇÃO: A entrega tópica de medicamentos é essencial na Dermatologia. Devido à dificuldade de permeação do estrato córneo, as técnicas de drug delivery vêm recebendo destaque. O uso de formulações não específicas para este fim nos faz atentar para possíveis efeitos adversos e para a segurança microbiológica destas formulações.
OBJETIVO: Avaliar crescimento bacteriano e fúngico no sérum anidro fluido por meio do teste de esterilidade simples.
MATERIAIS E MÉTODOS: O teste de esterilidade simples foi realizado em um sérum anidro contendo ativos lipofílicos e hidrofílicos. Este teste foi realizado três meses após a manufatura do produto.
RESULTADOS: A formulação estudada foi aprovada no teste de esterilidade simples realizado três meses após a manufatura do produto, mesmo sem uso de conservantes na formulação. A formulação em estudo foi aprovada no teste de esterilidade possivelmente devido ao fato de o veículo sérum ser de origem mineral e anidra, características que não favorecem a proliferação de micro-organismos.
CONCLUSÕES: Embora somente o veículo contando ativos específicos tenha sido testado, os resultados deste estudo são promissores e demonstram a necessidade de estudos futuros que englobem de forma mais ampla o assunto.


Keywords: Vias de administração de medicamentos; Farmacopeia brasileira; Creme para a pele


INTRODUÇÃO

A entrega tópica de medicamentos é essencial na Dermatologia a fim de, efetivamente, realizarem sua função. Os medicamentos e ativos aplicados na pele precisam penetrar e atingir sua estrutura-alvo. A função de barreira da epiderme é mantida pela dupla camada lipídica do estrato córneo, o principal fator limitante para a entrega tópica de medicamentos.1 A penetração de fármacos através do estrato córneo intacto ocorre por difusão e, em menor grau, através de apêndices cutâneos; além disso, somente as moléculas lipofílicas menores do que 500da podem penetrá-la, e somente 1 a 5% dos medicamentos aplicados sobre a pele são efetivamente absorvidos para se tornarem biodisponíveis.2 A técnica de drug delivery consiste em utilizar técnicas para otimizar a penetração de fármacos por meio de métodos químicos, mecânicos ou físicos.2 O uso de formulações não específicas para drug delivery pode causar efeitos indesejáveis, tais como dermatite irritativa e alérgica, granulomas de corpo estranho e infecção cutânea.3

Muitas formulações cosméticas disponíveis no mercado contêm conservantes e aditivos químicos em sua formulação, o que as torna inadequadas para uso em drug delivery; além disso, pode ocorrer contaminação das formulações por micro-organismos, tornando-as não ideais para esse fim.4

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Motivados pela demanda crescente de formulações adequadas para drug delivery, aplicadas imediatamente após procedimentos médicos dermatológicos, os autores desta publicação realizaram o teste de esterilidade no veículo sérum anidro, com propriedades que promovem a entrega da medicação com segurança, contendo os seguintes ativos lipofílicos e hidrófilos: hydroxyprolisilane® 6% (promove aumento da síntese de colágeno e elastina, além de melhoria da cicatrização), MDI Complex® 4% (anti-inflamatório, reduz eritema e edema), PBR® 1% (ativo com propriedades reepitelizantes), madecassoside 0,1% (inibe uma série de citocinas inflamatórias e tem ação regenerativa, além de estimular colágeno I) e pantenol 4% (promove cicatrização e regeneração) (Tabela 1-Farmatec® Pharmacy, Porto Alegre (RS), Brasil).

A formulação foi submetida ao teste de esterilidade em relação à sua capacidade de permanecer estéril, mesmo após sua abertura, simulando o que ocorre quando a formulação é utilizada pelo médico no consultório e/ou paciente em domicílio.

Foi realizado o teste de esterilidade simples, descrito na Farmacopeia Brasileira 5a edição (metodologia descrita no item testes 5.5.3.2 para produtos estéreis) (Pharmacontrol — laboratório de controle de qualidade, Porto Alegre (RS), Brasil). Este mesmo teste, que é realizado para formulações injetáveis e tópicas estéreis, foi realizado três meses após a fabricação da amostra. Além disso, o frasco foi aberto e utilizado durante o período de três meses para mimetizar as condições de uso no consultório médico. O teste de esterilidade consiste no uso de dois meios de cultura, que são previamente testados para assegurar sua capacidade de promover o crescimento bacteriano, por inoculação direta de duas unidades de 4,5ml do lote produzido (representando 5% do lote total): meio líquido de 1-tioglicolato para bactérias aeróbias e anaeróbicas e 2- meio caseína-soja fluido para bactérias aeróbias, leveduras e fungos. A substância estudada, no nosso caso o sérum anidro, permanece incubada por um período de 14 dias. Após o primeiro frasco testado ser aprovado no teste de esterilidade, a esterilidade do lote é confirmada incubando-se todos os frascos produzidos nos meios de cultura, nas condições descritas acima, por 14 dias. Nenhum crescimento microbiano deve ocorrer. A ocorrência de crescimento microbiano ativo reprova o lote para o teste de esterilidade.

 

RESULTADOS

O teste de esterilidade resultou na ausência de contaminação microbiológica para bactérias, fungos e leveduras (Figura 1). Portanto, a formulação estudada foi aprovada no teste de esterilidade, mesmo sem conter conservantes e após três meses de sua manufatura.

 

DISCUSSÃO

A escolha do veículo adequado para a entrega de medicamentos é crucial: cremes, loções, géis e alguns séruns não são adequados devido à sua alta viscosidade, o que diminui a entrega transepidérmica/transdérmica de ingredientes ativos.4 A formulação ideal para drug delivery não deve conter água, deve repelir água e deve ser mineral a fim de fornecer uma barreira contra a perda de água transepidérmica (TEWL) e de favorecer a cicatrização e permeação cutânea de substâncias hidrofílicas e lipofílicas. Além disso, o pH da formulação deve assemelhar-se ao pH da pele pois um pH mais elevado pode conduzir à irritação de pele e ao rompimento do “manto ácido” cutâneo.5 O veículo anidro não provoca sensação de queimação e não requer a adição de conservantes e produtos químicos, o que teoricamente oferece segurança microbiológica relacionada à proliferação bacteriana e fúngica; além disso, o sérum anidro também promove a oclusão.6 Vale ressaltar que independentemente da técnica de drug delivery escolhida para otimizar a permeação de fármacos, a oclusão é benéfica para potencializar o método, pois retarda a recuperação da barreira cutânea, o que faz com que o estrato córneo permaneça permeável por mais tempo.7

Os autores acreditam que a razão pela qual a formulação estudada foi aprovada no teste de esterilidade deve-se ao fato de que o veículo é de origem mineral e anidra, características que não permitem a proliferação de micro-organismos, favorecendo a hipótese de que a formulação é segura para realização de drug delivery, mesmo se utilizada imediatamente após procedimentos ablativos.

 

CONCLUSÃO

Escolher o veículo apropriado para drug delivery é crucial, independentemente do método específico para promovê-lo que esteja sendo usado. Por este motivo, estudos sobre veículos específicos para entrega de medicamentos são de grande interesse para garantir a segurança no procedimento. Embora apenas o veículo anidro sérum contendo hidroxiprolisilane®, MDI Complex®, PBR®, madecassoside e pantenol tenha sido testado, os resultados observados neste relato são promissores para impulsionar estudos futuros e mais abrangentes sobre a questão.

 

AGRADECIMENTOS

A formulação utilizada de drug delivery foi manufaturada e cedida sem custos pela Farmatec Farmácia de Manipulação.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Clarissa Prieto Herman Reinehr | ORCID 0000-0003-1811-4519

Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.

Célia Luiza Petersen Vitello Kalil | ORCID 0000-0002-1294-547x

Aprovação da versão final do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Laura de Mattos Milman | ORCID 0000-0002-3249-0396

Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura.

Christine Chaves | ORCID 0000-0001-8861-6499

Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.

 

REFERÊNCIAS

1. Purdon CH, Azzi CG, Zhang J, Smith EW, Maibach HI. Penetration enhancement of transdermal delivery--current permutations and limitations. Crit Rev Ther Drug Carrier Syst. 2004;21(2):97-132.

2. Leite-Silva VR, de Almeida MM, Fradin A, Grice JE, Roberts MS. Delivery of drugs applied topically to the skin. Expert Rev Dermatol. 2012; 7(4):383-97.

3. Soltani-Arabshahi R, Wong JW, Duffy KL, Powell DL. Facial Allergic Granulomatous Reaction and Systemic Hypersensitivity Associated With Microneedle Therapy for Skin Rejuvenation. JAMA Dermatol. 2014;150(1):68-72.

4. Haedersdal M, Erlendsson AM, Paasch U, Anderson RR. Translational medicine in the field of ablative fractional laser (AFXL)-assisted drug delivery: A critical review from basics to current clinical status. J Am Acad Dermatol. 2016; 74(5):981-1004.

5. Brogden NK, Milewski M, Ghosh P, Hardi L, Crofford LJ, Stinchcomb AL. Diclofenac delays micropore closure following microneedle treatment in human subjects. J Control Release. 2012; 163(2):220-9.

6. Lin CH, Aljuffali IA, Fang JY. Lasers as an approach for promoting drug delivery via skin. Expert Opin Drug Deliv. 2014;11(4):599-614.

7. Kelchen MN, Siefers KJ, Converse CC, Farley MJ, Holdren GO, Brogden NK. Micropore closure kinetics are delayed following microneedle insertion in elderly subjects. J Controlled Release. 2016; 225:294-300.


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