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Artigo Original

Perfil histológico das lesões melanocíticas excisadas em um serviço de Dermatologia, com base em critérios clínicos e dermatoscópicos

Luísa Saccaro1; Carolina Zárate1; Rodolfo Alves Lopes2; André Cesar Antiori Freire Pessanha3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20191121307

Data de recebimento: 20/12/2018
Data de aprovação: 05/04/2019
Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia da Universidade de Mogi das Cruzes - Mogi das Cruzes (SP), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum


Abstract

INTRODUÇÃO: O diagnóstico padrão-ouro do melanoma cutâneo é essencialmente histológico. A dermatoscopia agrega ao exame clínico melhora da sensibilidade e especificidade.
OBJETIVO: Avaliar o perfil histológico das lesões melanocíticas de risco excisadas em um serviço de dermatologia.
MÉTODOS: Revisão dos casos por meio da tabela Excel e levantamento de dados dermatoscópicos, histológicos e topográficos (janeiro de 2017 a dezembro de 2018).
RESULTADOS: Foram avaliados neste período dados de 62 lesões suspeitas de melanoma. Os principais resultados histológicos foram: nevos melanocíticos (37,1%), melanoma (19,35%) e nevos displásicos (17,7%).
CONCLUSÕES: O valor preditivo positivo para melanoma foi 19,35%, considerando a busca por um diagnóstico precoce em pacientes de risco.


Keywords: Neoplasias; Dermoscopia; Melanoma


INTRODUÇÃO

O melanoma é neoplasia com alta probabilidade de metástase. Um diagnóstico precoce é função que cabe ao dermatologista, uma vez que isto melhora sobremaneira o prognóstico do paciente.1 Pacientes com múltiplos nevos, síndrome dos nevos displásicos, história pessoal ou familiar de melanoma e com pintas em transformação na idade acima dos 35 anos devem ser considerados de risco.

O diagnóstico padrão-ouro do melanoma cutâneo é essencialmente histológico.2 Aspectos clínicos de lesões melanocíticas (nevos) contribui para a hipótese clínica. Utiliza-se a regra do ABCDE (A- Assimetria, B- Bordas irregulares, C- Cores diversas, D- Diâmetro maior que 6 mm, E- Evolução, em que se inclui crescimento rápido, prurido, sangramento, ulceração). Quanto maior o número destes sinais maior a probabilidade de melanoma.1

A dermatoscopia (luz polarizada que permite visualização de estruturas epidémicas e dérmicas) é um recurso que aumenta a acurácia do exame clínico e permite o diagnóstico diferencial entre uma lesão melanocítica e não melanocítica.2 Dentre as lesões melanocíticas, a análise de padrões estratifica a sua categoria de risco mas seu diagnóstico definitivo será histológico. Através das pistas de malignidade a dermatoscopia inclusive contribui com a indicação de exéreses de lesões melanocíticas atípicas iniciais e melanomas in situ. Além disso, por meio da análise comparativa de padrões de múltiplos nevos em um mesmo paciente pode se definir a exérese de uma lesão caótica com um padrão diferente (“sinal do patinho feio”).3 Este método confere sensibilidade que varia de 62 a 94%.2 Procianoy, 2009, também demonstrou a sensibilidade da dermatoscopia através do método Análise de Padrões, encontrando o valor de 91,7%, enquanto a especificidade do método foi de 41,7%.2 Já foi demonstrado que a dermatoscopia aumenta a sensibilidade e a especificidade do diagnóstico de melanoma em 35% quando comparada ao diagnóstico clínico.2 Importante lembrar que a dermatoscopia vem contribuindo para um diagnóstico mais precoce de melanoma. Hoje na Suécia 40% dos melanomas diagnosticados são in situ (em 1996 este número era de 20%).4

Existem diversas metodologias baseadas na dermatoscopia para estratificar o risco das lesões melanocíticas. O método “Chaos and Clues“ (Kitler H) ou “Caos e Pistas” é um algoritmo simples para facilitar a decisão médica quanto a excisar ou não determinada lesão.3 Para lesões caóticas (assimetria de cores e estruturas), deve-se buscar pistas de malignidade3(Quadro 1 de pistas de malignidade para lesões pigmentadas caóticas). Este método mostrou sensibilidade de 90,6% e especificidade de 62,7% (malignidades) em um estudo envolvendo 463 lesões pigmentadas excisadas, das quais 29 eram melanomas.3

Analisando a dermatoscopia temos que a sensibilidade é a capacidade do método em detectar melanoma na população. Geralmente estes números são expressivos entre os diversos algoritmos, ou seja, apesar de muitas lesões benignas removidas, os melanomas passam pouco despercebidos. A especificidade é a capacidade de encontrar lesões benignas na população. Este número é expressivo porém tende a ser menor que a sensibilidade pois há muitos casos de falso positivo (considerando-se que nevos displásicos ou mesmo nevos melanocíticos podem apresentar-se de forma caótica à dermatoscopia e/ou evoluírem com assimetria de crescimento). O valor preditivo positivo referente a um exame é: “uma vez que este exame se mostrou alterado, a probabilidade de o indivíduo ser realmente doente”.5 Pelo mesmo motivo da especificidade seu valor tende a ser menor que o da sensibilidade e menor ainda que o da especificidade pois no universo das lesões melanocíticas, encontrar normais é tarefa mais simples do que tentar diagnosticar um melanoma inicial considerando que neste processo evolutivo nevos, nevos displásicos e melanomas podem apresentar as mesmas características dermatoscópicas sem uma característica específica que os diferem, revelando-se neste momento a limitação da dermatoscopia apesar de sua inquestionável importância.

 

OBJETIVOS

Avaliar o perfil histológico de lesões melanocíticas de risco excisadas, baseadas nos padrões clínicos, história clínica e método dermatoscópico.

 

MÉTODOS

Estudo realizado no Serviço de Dermatologia da Universidade de Mogi das Cruzes, São Paulo, Brasil, de Janeiro de 2017 a Dezembro de 2018, no qual foram avaliadas 62 lesões suspeitas de melanoma.

Estudo epidemiológico retrospectivo contando com análise de informações contidas em tabela EXCEL de lesões melanocíticas suspeitas com descrição clínica, dermatoscópica e resultados histológicos. Análise de prontuários da Policlínica da UMC. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e pesquisa da UMC; número CAAE (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética) é 60657516.0.0000.5497.Foram analisados dados de adultos portadores de lesões melanocíticas de risco da UMC durante os anos de 2017 e 2018. A descrição clínica e a dermatoscopia foram os critérios utilizados para se optar pela exérese. Neste período diversos algoritmos dermatoscópicos foram utilizados mas principalmente o “Chaos and Clues“ ou “Caos e Pistas” (ano de 2018) portanto procuramos padronizar este estudo adaptando as outras descrições dermatoscópicas aos elementos deste que foi o método mais praticado. A avaliação dos resultados foi realizada a partir da correlação com os laudos histológicos.

As lesões foram registradas em banco de dados com as seguintes informações: hipótese diagnóstica, idade, sexo e topografia da lesão. Após essa etapa foi realizada a comparação da hipótese diagnóstica (dados clínicos e dermatoscópicos) com o resultado histológico final.

 

RESULTADOS

Foram avaliadas 62 lesões de pele com hipótese diagnostica de melanoma, sendo 24 homens (38,7%) e 38 mulheres (61.3%) com média de idade de 56 anos (Tabela 1).

A localização corporal com mais lesões biopsiadas foi o tronco com 30,6 % dos casos conforme mostra a tabela 2.

A dermatoscopia revelou maior proporção de lesões com padrão de pontos e grumos assimetricamente distribuídos em 25,8% dos casos, seguido por áreas sem estrutura (16,1%) de acordo com a tabela 3.

Quanto aos resultados histológicos (diagnósticos definitivos), os nevos melanocíticos foram as lesões mais encontradas (37,1%) e os melanomas surgem em seguida com 19,4% dos casos (tabela 4).

Dos casos confirmados de melanoma a ordem de frequência do achado 2 (tabela da Introdução) coincidiu com as exéreses gerais, ou seja, foi o mais encontrado, seguido das linhas radiais/ pseudópodes (2 casos) (Tabela 5).

 

DISCUSSÃO

A dermatoscopia é um instrumento de grande importância para triagem de diagnósticos de risco: baixo, moderado, elevado, critérios que podem ser utilizados para lesões melanocíticas e não melanocíticas. O conhecimento dos padrões que permitem tal estratificação define uma conduta adequada diante do paciente.

O estudo em questão avaliou pacientes com lesões supostamente melanocíticas (clinicamente suspeitas de melanoma ou nevóides), com risco moderado ou elevado para melanoma. Foram considerados na decisão pela exérese: história pessoal ou familiar de melanoma, história clínica, aspecto clínico (ABCD) e múltiplos nevos, definindo o paciente de risco.

O padrão “Caos e pistas” dermatoscópico contribui para a decisão mais invasiva em casos duvidosos. Quanto maior o número de padrões (caos dermatoscópico) maior a probabilidade de melanoma. Entretanto muitas vezes um único padrão dentre as pistas de malignidade (tabela de pistas de malignidade) pode já representar um melanoma (geralmente inicial: precocidade diagnóstica sendo grande objetivo frente a pacientes de risco ou não necessariamente de risco). Isto é o que nota-se na tabela 5: liderança de casos de melanoma com apenas 1 padrão (que é uma pista de malignidade): pontos e grumos assimetricamente distribuídos.

É evidente o grande número de lesões benignas excisadas (nevos melanocíticos), demonstrando que apesar da somatória de dados que confiram risco, estes não definem diagnóstico, que é essencialmente histológico. Carrera C et al ao comparar algoritmos de ensino dermatoscópicos encontraram níveis modestos de acurácia diagnóstica.6 Neste estudo o “Check list de 3 pontos” apresentou a menor sensibilidade (68,9%). Já o método de Menzies apresentou ao mesmo tempo a maior sensibilidade e a menor especificidade (95,1% e 24,8% respectivamente). A “regra do ABCD” mostrou-se com a maior especificidade (59,4%), maior que a do método “Chaos and Clues” (40,2%). Deduz-se destes últimos números a grande quantidade de falso-positivos encontrada. Considera-se também o viés da experiência clínica de quem faz a dermatoscopia.4

Devemos considerar dentre outros fatores a interação entre o dermatologista e o patologista para que em lesões com alta suspeição se faça uma revisão de lâminas mais acurada. O viés da histopatologia se torna mais evidente quando não se conhece o patologista que lauda a lâmina e mais do que isso, diversos patologistas analisam as amostras do estudo4 em questão, sendo a subjetividade interpatologistas uma limitação deste estudo.

Nota-se nesta amostra elevada frequência de nevo azul / nevo de Reed que têm aspectos dermatoscópicos (pistas) em comum ao melanoma invasivo (áreas sem estruturas azuladas ou enegrecidas em ambos e pseudópodes periféricos no caso dos nevos de Reed).

Ressalta-se que não incluímos na amostragem lesões supostamente benignas excisadas tampouco fizemos um teste de imagens dermatoscópicas com avaliações médicas deste serviço para quantificarmos a sensibilidade e a especificidade pois não temos o número possível de falsos-negativos da dermatoscopia. Sabe-se que melanomas muito recentes podem não ser discerníveis de nevos, daí a importância de seguimentos precoces em pacientes de risco ou ainda de exéreses em casos de dúvida.7

No presente estudo encontrou-se um valor preditivo positivo (VPP) de 19,35% para o diagnóstico de melanoma. No estudo de Ahnlide I7, encontrou-se um VPP de 51% para 108 lesões melanocíticas excisadas. Este mesmo estudo ainda menciona Heal et al, com um VPP de 33,3%, mas ressalta que a prevalência de melanoma (resultados de Suécia e Austrália, respectivamente) tende a elevar este número.

 

CONCLUSÃO

Neste estudo envolvendo 62 lesões de risco clínico e dermatoscópico foram encontrados 12 casos de melanoma, ou seja, valor preditivo positivo de 19,35%. Seguimentos dermatoscópicos rigorosos e formação de escalas de risco podem ser alternativas para otimizar o critério de exéreses. Por outro lado, diante da magnitude da evolução de um melanoma, deixar de fazer um diagnóstico precoce pode ser fatal para o paciente.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Luísa Saccaro | ORCID 0000-0003-0195-0537

Análise estatística, Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados.

Carolina Zárate | ORCID 0000-0001-5737-356X

Análise estatística, Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados.

Rodolfo Alves Lopes | ORCID 0000-0001-5560-2453

Elaboração e redação do manuscrito, Revisão crítica do manuscrito.

André Cesar Antiori Freire Pessanha | ORCID 0000-0001-9806-4245

Análise estatística, Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, análise e interpretação dos dados.

 

REFERÊNCIAS

1. American Academy of Dermatology Ad Hoc Task Force for the ABCDEs of Melanoma; Tsao H, Olazagasti JM, Cordoro KM, Brewer JD, Taylor SC, et al. Early detection of melanoma: Reviewing the ABCDEs. J Am Acad Dermatol. 2015; 72(4):717-23.

2. Antonio JR, Soubhia RMC, D'Avila SCGP, Caldas AC, Trídico LA, Alves FT. Correlation between dermoscopic and histopathological diagnoses of atypical nevi in a dermatology outpatient clinic of the Medical School of São José do Rio Preto, SP. An Bras Dermatol. 2013;88(2):199-203.

3. Rosendahl C, Cameron A, McColl I, Wilkinson D. Dermatoscopy in routine practice - ‘chaos and clues’. Aust Fam Physician. 2012; 41(7):482-7.

4. Ahnlide I, Bjelerupp M, Nilsson F, Nielsen K. Validity of ABCD rule of dermoscopy in clinical practice. Acta Derm Venereol. 2016; 96(3):367-72.

5. Kawamura T. Interpretação de um teste sob a visão epidemiológica: eficiência de um teste. Arq Bras Cardiol. 2002; 79(4):437-41.

6. Carrera C, Marchetti MA, Dusza SW, Argenziano G, Braun RP, Halpern AC, et al. Validity and reliability of dermoscopic criteria used to differentiate Nevi from Melanoma. JAMA Dermatol. 2016; 152(7):798-806.

7. Ahnlide I, Bjelerupp M. Accuracy of clinical skin tumour diagnosis in a dermatological setting. Acta Derm Venereol 2013; 93(3): 305-8.


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