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Relato de casos

Tratamento de neurofibromatose NF-1 com laser de CO2 - Relato de caso

Luciane Prado Silva Tavares1,2; Osterno Potenciano1; Yasmin Pugliesi2,3; Raissa Lelitscewa da Bela Cruz Faria3; Nathalia Lelitscewa da Bela Cruz Potenciano4; Lara Silva Paixão5

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20191111162

Data de recebimento: 12/03/2018
Data de aprovação: 24/03/2019


Trabalho realizado na Clínica Luciane Prado – Palmas (TO), Brasil
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum


Abstract

A neurofibromatose tipo 1 apresenta lesões cutâneas múltiplas e limitadas opções terapêuticas. O laser de CO2 é ferramenta útil na remoção de neurofibromas, a principal fonte de desfiguração cosmética nesses pacientes. Apresentamos o tratamento de neurofibromas com laser de CO2 em uma paciente ao longo de quatro anos e meio. A paciente apresentava lesões de diâmetro variável, distribuídas difusamente. Após 16 sessões com laser de CO2 constatou-se melhora clínica. Apesar de ser tratamento paliativo, a melhora estética obtida justifica o esforço e tempo demandados, tendo em vista os ganhos na esfera psicológica do paciente.


Keywords: Lasers de Gás; Neurofibromatose 1; Terapia a Laser


INTRODUÇÃO

Neurofibromatose tipo I (NF1), anteriormente conhecida como doença de Von Recklinghausen, é condição de herança autossômica dominante, com incidência variável de 1:2.500 a 1:3.000 habitantes. Resulta da perda da expressão do gene NF-1, responsável pela síntese de neurofibromina, proteína que intervém nos mecanismos reguladores da proliferação celular. É observada em todas as raças e sem relação com sexo. A NF1 pode envolver alterações em múltiplos sistemas, incluindo o sistema nervoso, ossos e na pele, representadas por neurofibromas e hiperpigmentação cutânea. Os neurofibromas são tumores benignos dos nervos periféricos, observados em 48% dos pacientes aos 10 anos.1-2

O Instituto Nacional de Saúde (NIH) estabeleceu em um consenso os critérios diagnósticos para a NF1. São necessários dois ou mais dos seguintes achados: seis ou mais manchas café com leite; dois ou mais neurofibromas cutâneos/subcutâneos ou um neurofibroma plexiforme; efélides axilares ou inguinais; glioma óptico; dois ou mais nódulos de Lisch nos olhos; displasia do osso esfenoide ou afinamento cortical de ossos longos e um parente de primeiro grau com NF1. Qualquer região do corpo pode ser afetada por neurofibromas cutâneos, os quais podem variar em tamanho, número e distribuição. Normalmente surgem na puberdade e continuam a crescer. Desfigurações podem resultar do crescimento de centenas de neurofibromas cutâneos, levando a isolamento social e sofrimento emocional.2

O tratamento dessa alteração cutâneas é predominantemente cirúrgico, mas tratamentos alternativos devem ser considerados para pacientes com múltiplas lesões, geralmente acima de 100, nas quais a intervenção cirúrgica não seja possível ou desejável. O laser de CO2 tem-se mostrado efetivo no tratamento de neurofibromas em grande número, de tamanho pequeno a médio, com resultados cosméticos semelhantes ou melhores do que a excisão cirúrgica. Entretanto, evidências da efetividade do CO2, efeitos do tratamento na satisfação do paciente e taxa de recorrência pós-tratamento são escassos.3-5

Neste trabalho será apresentado o caso de uma paciente de 37 anos com centenas de lesões dermatológicas da neurofibromatose tipo I, tratada com laser de CO2 ao longo de quatro anos e meio, bem como os resultados alcançados.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 37 anos, solteira, natural de Aracaju (SE). Relata manchas escuras pelo corpo, em número de seis, desde o nascimento. Aos 23 anos de idade notou aparecimento de lesões distribuídas por todo o tegumento. Nega antecedentes familiares dessa patologia.

Ao exame físico, presença de inúmeras lesões cutâneas papulosas e nodulares, com diâmetro variando de um a 15mm em todo o tegumento, principalmente face, pescoço, colo e abdômen, e em menor número nos membros e dorso. Presença de manchas acastanhadas tipo café com leite em abdômen, tórax, dorso e membros inferiores (MMII).

Iniciou tratamento aos 26 anos, quando foi submetida a 23 excisões cirúrgicas, tendo retirado outras 16 lesões posteriormente. Aos 37 anos foram ressecadas mais 30 lesões.

O tratamento das lesões com laser de CO2 teve início aos 37 anos.

Procedimento

Inicialmente foi realizado procedimento teste em três lesões submandibulares. Dois meses após avaliação, notou-se boa cicatrização, ausência de intercorrências e remissão das lesões tratadas. Iniciou-se, assim, o tratamento das demais lesões.

Foi utilizado o Laser Pixel CO2 70W, Alma Lasers® (Halamish St. Caesarea Industrial Park, Israel), com a ponteira cirúrgica, 2.5w, on time 10ms, off time 20ms. Lesões com até 3mm foram abordadas com o handpiece posicionado perpendicularmente à superfície realizando-se movimentos circulares. Lesões maiores foram cauterizadas inicialmente na periferia e depois pinçadas na base forçando a extrusão para facilitar a delimitação da lesão. Apenas em lesões com mais de 1cm foi feita sutura cirúrgica. Curetagem das lesões pós-cauterização foi realizada nas primeiras sessões para confirmação da completa ablação dos neurofibromas. Em média foram tratadas de 50 a 100 lesões por sessão dependendo de seus tamanhos. (Figura 1)

Foram feitas 16 sessões ao longo de quatro anos e meio, com intervalos variando de duas semanas a dez meses. Optou-se por tratar lesões de uma mesma região a cada sessão, priorizando-se as regiões de maior visibilidade (face, pescoço, colo, antebraços, dorso das mãos) e posteriormente tórax, abdômen, braços e dorso. (Figuras 2, 3 e 4)

Evolução clínica

A cicatrização por segunda intenção ocorreu em duas ou três semanas. Não se observou recorrência das lesões da face, embora tenha havido recorrência de várias lesões no tórax, assim como na região abdominal devido a sua cauterização incompleta. As cicatrizes mostraram-se eritematosas durante período variável de um a quatro meses, na face e no tórax, e evoluíram para hipopigmentação e algumas vezes atrofia. Não ocorreram outras complicações.

 

DISCUSSÃO

O procedimento-padrão para remoção de lesões da NF1 é a excisão cirúrgica com a vantagem de obtenção de cicatriz linear. As desvantagens são tempo maior de procedimento e maior risco de sangramento.3-4 Quanto a esse fato, o tratamento com laser de CO2 é mais adequado para a remoção de grande número de lesões com resultados estéticos razoáveis e baixo risco de complicações.6-7

Estudos prévios demonstraram que o tratamento com laser de CO2 melhorou a autoconfiança dos pacientes assim como sua vida social e sexual. Algermissen et al.4 reportaram que as cicatrizes despigmentadas do tratamento a laser foram mais aceitáveis aos pacientes do que as cicatrizes das excisões cirúrgicas, em concordância com a opinião da paciente aqui focalizada.

A tabela 1 mostra um resumo dos benefícios físicos e psicológicos previamente reportados na utilização do tratamento com laser de CO2.

A paciente tratada pelos autores demonstrou alto nível de satisfação, sendo a hipopigmentação nos sítios de tratamento o único efeito adverso reportado, o que sugere que o tratamento com laser de CO2 apresenta grande potencial de melhora no bem-estar psicológico dos pacientes que padecem dessa patologia. Até a presente data não se tem conhecimento de relatos prévios de seguimento a longo prazo, como foi reportado neste caso.

 

CONCLUSÃO

Apesar de não existir um tratamento eficaz para reverter as lesões características da NF1, o laser de CO2 constitui alternativa relacionada a alto nível de satisfação do paciente e agilidade no tratamento das lesões, permitindo tratar grande número de lesões por sessão associado a baixo risco de complicações.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Luciane Prado Silva Tavares | ORCID 0000-0002-2410-3843
Aprovação da versão final do original, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica do original

Osterno Potenciano | ORCID 0000-0002-7483-6463
Aprovação da versão final do original, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados

Yasmin Pugliesi | ORCID 0000-0003-0630-4980
Concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do original, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica da literatura

Raissa Lelitscewa da Bela Cruz Faria | ORCID 0000-0002-3925-9736
Elaboração e redação do original, obtenção, análise e interpretação dos dados, revisão crítica da literatura

Nathalia Lelitscewa da Bela Cruz Potenciano | ORCID 0000-0002-0002-8252
Elaboração e redação do original, obtenção, análise e interpretação dos dados, revisão crítica da literatura

Lara Silva Paixão | ORCID 0000-0001-7694-0531
Análise estatística, elaboração e redação do original, obtenção, análise e interpretação dos dados, revisão crítica da literatura

 

REFERÊNCIAS

1. Boyd KP, Korf BR, Theos A. Neurofibromatosis type 1. J Am Acad Dermatol. 2009;61(1):1-14.

2. National Institute of Health Concensus Development Conference. Conference statement. Neurofibromatosis. Arch Neurol, vol. 45, p. 575-8, 1988 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/3128965; https://jamanetwork.com/journals/jamaneurology/article-abstract/587659

3. Ferner RE. Neurofibromatosis 1 and neurofibromatosis 2: a twenty first century perspective. Lancet Neurol. 2007;6(4): 340-51.

4. Algermisse B, Muller U, Katalinic D, Berlien HP. CO2 laser treatment of neurofibromas o patients with neurofibromatosis type 1: five years experience. Med Laser Appl. 2001;16(4):265-74.

5. Moreno JC, Mathorest C, Lantieri L, Zeller J, Revuz J, Wolkenstein P. Carbon dioxide laser for removal of multiple cutaneous neurofibromas. Br J Dermatol. 2001;144(5):1096-8.

6. Steven M, Levine EL, Peter JT, HUBERT W. Electrosurgical excision technique for the treatment of multiple cutaneous lesions in neurofibromatosis type I. J Plast Recons Aesthet Surg. 2008;61(8):958-62.

7. Becker DW. Use of the carbon dioxide laser in treating multiple cutaneous neurofibromas. Ann Plast Surg.1991;26(6):582-6.


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