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Artigo Original

Uso do cloridrato de lisina na profilaxia do herpes simples nos procedimentos faciais com tecnologias

Victor Bechara de Castro; Maria Eduarda Pires; Paula Regazzi de Gusmão; Alexandre de Almeida Filippo; Manuela da Silva

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20191111273

Data de recebimento: 22/10/2018
Data de aprovação: 22/12/2018

Trabalho realizado no Instituto de Dermatologia Professor Rubem David Azulay, Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro (RJ), Brasil
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

INTRODUÇÃO: A lisina é um dos aminoácidos essenciais, cuja ação na profilaxia do herpes simples recorrente orolabial tem sido demonstrada em estudos científicos. Procedimentos de resurfacing facial com laser e outras tecnologias podem reativar quadros de herpes simples.
OBJETIVO: Avaliar a incidência de casos de herpes orolabial em pacientes submetidos a tratamentos com lasers fracionados, ablativo e não ablativo, e microagulhamento robótico, em uso profilático de L-lisina.
MÉTODOS: Selecionada amostra de 100 pacientes a ser submetidos a profilaxia para herpes simples com L-lisina, todos reavaliados sete dias após a sessão de laser. Caso fosse verificada infecção herpética, doses de antivirais orais equivalentes às utilizadas para o tratamento do herpes-zóster seriam prescritas, conforme orienta a literatura.
RESULTADOS: Apenas 2% da amostra apresentou herpes simples após o procedimento com o uso da profilaxia com L-lisina; ambos os pacientes realizaram sessões de laser fracionado ablativo e apresentavam história prévia de infecção pelo herpes simples.
CONCLUSÕES: Além do baixo custo, a L-lisina é produto natural que se mostrou seguro e eficaz na profilaxia do herpes simples em procedimentos de resurfacing, apresentando taxa de reativação viral similar ou inferior às obtidas com o uso de antivirais.


Keywords: Herpes Labial; Herpes Simples; Lasers; Lisina; Terapia a Laser


INTRODUÇÃO

A L-lisina é um dos oito aminoácidos essenciais, cuja ação na profilaxia do herpes simples recorrente orolabial e abreviação do curso dessa patologia vem sendo demonstrada em estudos científicos.1 O mecanismo de ação envolvido é decorrente da interação da lisina com a arginina, um aminoácido essencial para a replicação do vírus do herpes. A lisina aumenta a eliminação renal e intestinal da arginina e compete com o transporte celular desta, além de induzir a ativação da enzima arginase.1

O ciclo de replicação viral do herpes simples varia de quatro a 12 horas e resulta, normalmente, em morte celular. No entanto, em células neuronais, o vírus permanece em estado latente, até o momento de sua reativação, como em tratamentos de resurfacing com laser.2

Griffith e colaboradores demostraram redução da recorrência e do tempo de recuperação dos casos de herpes simples quando submeteram 45 pacientes com quadro de herpes orolabial recorrente ao tratamento com dose diária de 312-1200mg de lisina.3

Pacientes submetidos a procedimentos de resurfacing facial com laser são passíveis de reativação à reativação do HSV. Um estudo com 907 pacientes que sofreram esse procedimento com laser de CO2 relatou incidência de infecção aguda pelo HSV de 3%, que foi reduzida para 1% após a profilaxia com aciclovir. Dados publicados em 2001 relativos a taxas de herpes simples antes do uso de antivirais nesses procedimentos são de uma análise retrospectiva e de ensaio clínico com controle histórico. No primeiro, seis (50%) dos 12 pacientes com história de episódios de herpes simples orofacial que haviam sido submetidos à dermoabrasão ou peeling químico com fenol desenvolveram lesões no pós-procedimento. No ensaio clínico, a profilaxia com famciclovir foi realizada em 121 pacientes submetidos ao laser de CO2 facial, utilizando controle histórico de 127 pacientes com o mesmo procedimento sem profilaxia, o qual demonstrou taxa de reativação de 9,4%.4,5

A dose exata e o tempo de tratamento com L-lisina necessários para reduzir os surtos de herpes simples orolabial ainda não foram estabelecidos. Deve-se considerar no tratamento profilático o tempo necessário de reepitelização que, após tratamentos ablativos fracionados, costuma durar de 5,5 dias (Erbium-Yag) a 8,5 dias (Laser CO2).6

Griffith RS e colaboradores, em estudo multicêntrico, duplo-cego, caso-controle, demostraram que uma dose diária de L-lisina de 3000 mg por 6 meses foi capaz de diminuir o número de surtos de herpes orolabial e o tempo de recuperação, além de reduzir a gravidade dos sintomas.7 Em seu estudo, Mc Cune MA e colaboradores notaram resultado semelhante nos pacientes em uso de dose diária de 1248mg de L-lisina, embora não tenham percebido redução no tempo de recuperação.8

O objetivo deste trabalho é avaliar a incidência de casos de herpes orolabial em pacientes submetidos a tratamentos com laser fracionado, ablativo e não ablativo, e microagulhamento robótico, em uso profilático de L-lisina.

Métodos: Pacientes acima de 18 anos, que seriam submetidos eletivamente a resurfacing com laser fracionado ablativo e não ablativo ou microagulhamento robótico (com ou sem radiofrequência), que apresentassem ou não história prévia de infecção pelo herpes vírus simples, realizaram profilaxia com uma cápsula de 500mg de L-lisina, três vezes ao dia ingerida às refeições, iniciada sete dias antes e continuada durante sete dias após o procedimento. Foi realizada reavaliação de todos os pacientes sete dias após a sessão de laser. Nos casos em que se verificou infecção herpética, doses de antivirais orais equivalentes às utilizadas para o tratamento do herpes-zóster foram prescritas, conforme orienta a literatura.

Critérios de exclusão: Gravidez ou lactação, vigência de profilaxia para herpes simples com outras medicações, hipersensibilidade a qualquer componente da fórmula da L-lisina, portadores de doenças renal e/ou hepática.

Local: Setor de Laser do Instituto de Dermatologia Prof. Rubem David Azulay da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, com amostra de 100 pacientes.

Descrição dos métodos utilizados para avaliar os resultados: A avaliação dos resultados foi realizada pela análise clínica dos casos de ativação de herpes orolabial, comparando-os, de acordo com o procedimento realizado e história prévia ou não de herpes simples.

 

RESULTADOS

Cem pacientes foram submetidos a procedimentos com tecnologias na face e foram orientados a realizar profilaxia com L-lisina. A maioria da amostra pertencia ao sexo feminino (Gráfico 1).

O procedimento mais realizado foi o laser fracionado ablativo, seguido de radiofrequência microagulhada e laser fracionado não ablativo (Gráfico 2).

História prévia de herpes simples labial foi relatada por 21% dos pacientes.

Apenas 2% da amostra apresentou herpes simples após o procedimento com o uso da profilaxia com cloridrato de lisina. Esses pacientes realizaram tratamento com laser ablativo fracionado e apresentavam relato de infecção prévia pelo herpes simples (Gráfico 3).

 

DISCUSSÃO

Griffit et al., bem como Pedrazini e colaboradores, mostraram resultados positivos na redução da incidência e recorrência do herpes simples com a administração do L-lisina durante seis meses e um mês, respectivamente.7,9

Apesar da comum ocorrência de reativação do herpes vírus simples após procedimentos de resurfacings faciais, ainda não existem protocolos na literatura para a aplicação da L-lisina como esquema profilático.

Neste estudo, em vigência de profilaxia com L-lisina, evidenciamos que 2% dos pacientes apresentaram lesões de herpes simples labial após procedimentos com tecnologia. Esses casos foram brandos, tratados com antiviral, evoluindo sem cicatrizes inestéticas ou outras complicações.

Nosso estudo é concordante com os resultados de Wall et al., em que 1,1% da amostra de pacientes que realizaram sessões de laser ablativo fracionado de CO2 teve lesões de herpes simples mesmo em vigência de profilaxia com famciclovir 250mg/dia, iniciada dois dias antes e mantida durante cinco dias depois do procedimento. Esses pacientes não tinham história prévia de infecção orofacial por herpes simples.5

Já os trabalhos de Alster & Nanni e Naouri et al., mostram índices mais altos de complicações por surgimento de lesão herpética após laser fracionado ablativo. No primeiro, 10,1% dos pacientes apresentaram lesões clínicas compatíveis com herpes simples em vigência de famciclovir profilático durante 11 dias. O segundo evidenciou incidência de herpes em 10,6% dos pacientes em uso de valaciclovir durante sete dias.10,11

Cohen et al., em análise envolvendo 730 pacientes submetidos a sessões de lasers ablativos e não ablativos fracionados, e realizando profilaxia com valaciclovir 500mg/dia iniciada 48 horas antes do procedimento, demonstraram a ocorrência de apenas cinco casos de reativação viral, que evoluíram sem formação de cicatrizes ou resultados inestéticos.12

Nos estudos de Gilbert & McBurney, ao contrário da maioria dos trabalhos existentes na literatura, não houve relatos de ocorrência de lesões herpéticas no pós-procedimento. No entanto, vale ressaltar que nesse caso foram utilizados critérios exclusivamente laboratoriais para detecção da infecção viral, mesmo que lesões clínicas compatíveis com o quadro em questão tenham ocorrido. Dos 84 pacientes analisados por Gilbert & McBurney, 16 apresentaram vesicopústulas, erosões, prurido ou ardor após o procedimento. Laboratorialmente, quatro desses casos demonstraram crescimento de Staphylococcus, quatro apresentaram presença de organismos gram-negativos, e um indivíduo teve crescimento de Candida albicans na cultura. Os outros oito casos tiveram culturas virais, fúngicas e bacterianas negativas.13

A maioria dos autores argumenta que quadros clinicamente suspeitos devem ser considerados herpes simples, uma vez que os sinais e sintomas característicos das lesões herpéticas não são encontrados no epitélio lesionado. Além disso, métodos laboratoriais tradicionais usados para detectar o HSV (esfregaço de Tzanck, cultura) talvez sejam menos precisos nesse cenário.10

Espera-se que estudos futuros utilizem o teste laboratorial de reação em cadeia da polimerase (PCR) específico do HSV, que recentemente se tornou disponível, para uma avaliação mais fidedigna e precisa de casos suspeitos.

Em nossa casuística não foram relatados eventos adversos associados ao uso do cloridrato de lisina. Em contrapartida, a ocorrência de náuseas e cefaleia associada ao uso profilático de valaciclovir e famciclovir é relativamente frequente.5

 

CONCLUSÃO

Além do baixo custo, a lisina empregada no presente estudo é produto natural que se mostrou seguro para uso com fins de profilaxia pré-procedimentos, apresentando ocorrência de lesão herpética semelhante ou menor à encontrada na literatura.

Nosso estudo é pioneiro, sendo que ensaios clínicos controlados randomizados em amostras maiores são necessários para que a eficiência dessa droga seja comprovada para esse uso. Podemos, contudo, concluir que a L-lisina apresentou resultados positivos, sendo nova opção no arsenal terapêutico do dermatologista.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecimento aos pacientes que se comprometeram a terminar o protocolo.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Victor Bechara de Castro | ORCID 0000-0003-1651-2919
Análise estatística, aprovação da versão final do original, concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do original, obtenção, análise e interpretação dos dados, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica da literatura, revisão crítica do original.

Maria Eduarda Pires | ORCID 0000-0002-5755-5328
Análise estatística, aprovação da versão final do original, concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do original, obtenção, análise e interpretação dos dados, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica da literatura, revisão crítica do original.

Paula Regazzi de Gusmão | ORCID 0000-0002-7060-6062
Análise estatística, aprovação da versão final do original, concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do original, obtenção, análise e interpretação dos dados, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica da literatura, revisão crítica do original.

Alexandre de Almeida Filippo | ORCID 0000-0001-9550-5156
Análise estatística, aprovação da versão final do original, concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do original, obtenção, análise e interpretação dos dados, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica da literatura, revisão crítica do original.

Manuela da Silva | ORCID 000-003-4419-5722
Elaboração e redação do original.

 

REFERÊNCIAS

1. Miller CS, Foulke CN. Use of lysine in treating recurrent oral herpes simplex infections. Gen Dent. 1984; 32(6):490-3.

2. Corey, L., 2005. Herpes simplex virus. In: Mandell, G.L., Bennett, J.E., Dolan, R. (Eds.), Mandell's Principles and Practice of Infectious Diseases, sixth ed. Churchill Livingstone, New York, pp. 1762-1780.

3. Griffith RS, Norins AL, Kagan C. A multicentered study of lysine therapy in Herpes simplex infection. Dermatologica. 1978;156(5):257-67.

4. Gilbert S; Improving the outcome of facial resurfacing-prevention of herpes simplex virus type 1 reactivation, J Antimic Chemother. 2001; 47(suppl T1): 29-34.

5. Wall SH., Ramey SJ, Wall F. Famciclovir as antiviral prophylaxis in laser resurfacing procedures. Plast Reconstr Surg. 1999; 104(4):1103-8.

6. Buthani T., Batra SR, Dermatologia Cosmética, 1 edição, Rio de Janeiro, Elsevier Editora, 2009. Dispositivos ablativos, cap 7, pp 238-242

7. Griffith RS, Walsh DE, Myrmel KH, Thompson RW, Behforooz A. Success of L-lysine therapy in frequently recurrent herpes simplex infection. Treatment and prophylaxis. Dermatologica. 1987; 175(4):183-90.

8. McCune MA, Perry HO, Muller SA, O'Fallon WM. Treatment of recurrent herpes simplex infections with L-lysine monohydrochloride. Cutis. 1984; 34(4):366-73.

9. Pedrazini MC, Cury PR, Araújo VC, Wassall T. Efeito da lisina na incidência e duração das lesões de herpes labial recorrente. RGO. 2007; 55(1): 7-10.

10. Nanni CA, Alster TS. Complications of carbon dioxide laser resurfacing: an evaluation of 500 pts. Dermatol Surg. 1998; 24(3):315-20.

11. Naouri M, Delage M, Khallouf R, Georgesco G, Atlan M. CO2 fractional resurfacing: Side effects and immediate complications. Ann Dermatol Venereol. 2011; 138(1):7-10.

12. Cohen SR, Goodacre A, Lim S, Johnston J, Henssler C, Jeffers B, et al. Clinical Outcomes and Complications Associated with Fractional Lasers: A Review of 730 Patients. Aesthetic Plast Surg. 2017;41(1):171-78.

13. Gilbert S, McBurney E. Use of valacyclovir for herpes simplex virus-1 (HSV-1) prophylaxis after facial resurfacing: A randomized clinical trial of dosing regimens. Dermatol Surg. 2000; 26(1):50-4.


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