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Artigo Original

Responsabilidade civil e suas consequências no exercício da Dermatologia

Valéria Maria de Souza Framil1; Erika Tiemi Fukunaga2; Eduardo da Costa Sá1,3; Daniel Romero Muñoz4,5

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20191116158

Data de recebimento: 13/06/2016
Data de aprovação: 26/07/2016
Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP) – São Paulo (SP), Brasil
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum


Abstract

INTRODUÇÃO: No Brasil estima-se que um grande número de processos de responsabilidade civil contra profissionais médicos esteja em andamento nos tribunais.
OBJETIVOS: Analisar os acórdãos dos Tribunais de Justiça das regiões Sudeste e Sul do Brasil que envolvam o dermatologista e sua responsabilidade civil.
MÉTODOS: Definição de protocolo de pesquisa no site dos Tribunais de Justiça dos estados da Região Sudeste e da Região Sul do Brasil.
RESULTADOS: Foram identificados 47 acórdãos nesses estados. As principais causas que motivaram a responsabilidade civil do dermatologista estão ligadas aos procedimentos estéticos, à insatisfação do paciente em relação às condutas terapêuticas e ao erro diagnóstico. As indenizações solicitadas nos processos judiciais contra o dermatologista foram, em sua maioria, por danos morais. A perícia médica foi solicitada pelos juízes na maioria dos processos, e, em 87,2% das conclusões das perícias, não foi observado o nexo causal. As decisões judiciais favoráveis ao dermatologista ocorreram em 82,9% dos casos. Não foi possível conhecer na íntegra o processo judicial, mas apenas o relatório final.
CONCLUSÃO: Podemos concluir que fatores como a boa formação do dermatologista, sua atenção à relação médico/paciente e o cuidado ao preencher o prontuário e os documentos necessários à prática médica foram essenciais para uma perícia médica adequada e, em consequência, fundamentais para que as sentenças judiciais fossem favoráveis ao dermatologista na maioria dos casos focalizados neste estudo.


Keywords: Dermatologia; Processo Legal; Responsabilidade Civil


INTRODUÇÃO

A expressão “erro médico” diz respeito a nada mais do que a responsabilidade civil do médico perante a Justiça e é utilizada quando ocorre falha do médico em sua conduta profissional em relação a seu paciente. Segundo o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), é inadequado o uso dessa expressão, que deveria ser substituída por “má prática médica”, assim conceituada:

Conduta inadequada que supõe uma inobservância técnica, capaz de produzir dano à vida ou agravo à saúde de outrem, mediante imperícia, imprudência ou negligência. Esta é a condição e definição de uma má prática médica, ressaltando-se que não há erro sem dano ou agravo à saúde de terceiros.1

Um dos conceitos de responsabilidade civil do médico vem da medicina legal que a define como:1

A obrigação, de ordem civil, penal e administrativa, a que estão sujeitos os médicos, no exercício profissional, quando de um resultado lesivo ao paciente, por imprudência, imperícia e negligência. Tal forma de responsabilidade fundamenta-se no princípio da culpa, em que o agente dá causa a um dano, sem o devido cuidado a que normalmente está obrigado a ter, e não o evita por julgar que esse resultado não se configure.

Já na doutrina jurídica há quem considere “erro médico”:1

O mau resultado involuntário, oriundo de falhas estruturais, quando as condições de trabalho e os equipamentos forem insuficientes para um satisfatório atendimento, ou trabalho médico danoso ao paciente que possa ser caracterizado como imperícia, imprudência ou negligência, gerando o dever de indenizar.

As demandas judiciais apareceram numa curva crescente contra os médicos à medida que a medicina evoluiu com o surgimento de novas especialidades, inovações trazidas pela tecnologia, incremento dos planos de saúde, envelhecimento da população e o expressivo aumento do número de escolas de medicina, algumas criadas para atender a finalidades empresariais e não às demandas sociais.1,2

Quando o “erro médico” é citado podemos, imediatamente, associá-lo a uma falha de diagnóstico e/ou de um procedimento cirúrgico ou estético, à quebra da relação médico/paciente, ao atendimento inadequado e, atualmente, à presença do mercantilismo na medicina.1 O Brasil não possui estatística oficial sobre “erro médico”, mas estima-se que um grande número de processos de responsabilidade civil contra profissionais médicos esteja em andamento nos tribunais.3,4

Em 1988, a Constituição assegurava ao cidadão brasileiro obter informações de qualquer natureza sobre sua pessoa, incluídas as informações de seu prontuário médico. E o Código de Defesa do Consumidor (CDC) chega para assegurar o direito às informações do fornecedor de produtos ou serviços, que devem ser liberadas ao cidadão quando solicitado, incluindo os procedimentos médicos.4

Na literatura encontramos relatos de várias ações judiciais que revelam o comportamento da Justiça em relação aos procedimentos estéticos e aos procedimentos cirúrgicos de algumas especialidades médicas. Não observamos nenhum estudo semelhante referente à dermatologia. Assim, os acórdãos (textos completos) dos Tribunais de Justiça das regiões Sudeste e Sul do Brasil em relação à responsabilidade civil do dermatologista foram analisados para um estudo inicial.

 

MÉTODO

Estudo descritivo com base na avaliação dos processos judiciais relacionados à responsabilidade civil do dermatologista e na pesquisa dos acórdãos (textos completos), ou seja, de ações judiciais já julgadas, no site dos Tribunais de Justiça dos estados das regiões Sudeste e Sul do Brasil, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

O período da pesquisa, compreendido entre janeiro de 2006 e julho de 2015, foi determinado de acordo com a busca nos sites dos Tribunais de Justiça ao entrar no ítem jurisprudência. As palavras-chave utilizadas para a pesquisa foram: “erro e dermatologia”, “responsabilidade e dermatologia”, “dermatologia”, “processo e dermatologia”.

Neste estudo foram incluídas apenas as decisões judiciais relacionadas exclusivamente às atividades do médico dermatologista dentro da sua especialidade clínica, os procedimentos estéticos e os cirúrgicos. As decisões judiciais que envolviam hospitais, laboratórios, plano de saúde, prefeitura ou governo do estado não foram consideradas.

Para análise de cada acórdão foi utilizado o protocolo com os seguintes dados: número do acórdão, ano, estado, danos causados, tipos de indenização, presença da perícia médica e sentença do Judiciário em relação à responsabilidade civil do dermatologista. Após a análise dos dados levantados foram elaboradas tabelas com os resultados encontrados.

Para realizar a análise estatística foi utilizado o programa SPSS v.13.0 (Statistical Package for Social Sciences). Para verificar a associação entre perícia e sentença foi utilizado o Teste Exato de Fisher. Todas as outras análises foram apenas descritivas. No teste estatístico foi adotado nível de significância de 5%.

 

RESULTADOS

Os acórdãos ou decisões judiciais em relação à responsabilidade civil do dermatologista foram obtidos nos sites dos Tribunais de Justiça de cada estado das regiões Sudeste e Sul.

As decisões judiciais totalizaram 47 acórdãos, sendo que nas regiões Sudeste e Sul foram encontrados 37 (79,86%) e 10 (21,26%), respectivamente. A prevalência das decisões judiciais nos estados da Região Sudeste foi de 57,44% (27 acórdãos) em São Paulo; 17,02% (oito acórdãos) no Rio de Janeiro; 5,4% (dois acórdãos) em Minas Gerais e nenhum acórdão no Espírito Santo. Nos estados da Região Sul encontramos cinco acórdãos (10,63%) tanto no Rio Grande do Sul quanto em Santa Catarina, e nenhum acórdão no Paraná (Tabela 1).

As cidades em que ocorreram as decisões judiciais de responsabilidade civil das regiões Sudeste e Sul foram Assis, São Paulo, Bauru, Araraquara, Campinas, Santo André, Santos, Amparo, Americana, Taubaté, São Carlos, Marília, em São Paulo; Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro; Lavras e Belo Horizonte, em Minas Gerais; Porto Alegre, no Rio Grande do Sul; Itajaí, Florianópolis e Araranguá, em Santa Catarina.

A tabela 2 demonstra o período de janeiro de 2006 a julho de 2015 em que ocorreram as decisões judiciais com dois picos de aumento de processos judiciais em 2011 e 2014 relacionados à responsabilidade civil do dermatologista, citadas nos sites dos Tribunais de Justiça de cada estado das regiões Sudeste e Sul.

As causas mais frequentes que motivaram o paciente a procurar a justiça contra o médico dermatologista, conforme observado na tabela 3, foram as queixas nos procedimentos estéticos realizados por dermatologistas, com 46,80% (22 acórdãos), seguidos por efeitos colaterais de medicações (efeitos colaterais) e insatisfação com o tratamento em algumas doenças dermatológicas (acne, dermatite atópica, verruga vulgar, hanseníase), com 44,57% (21 acórdãos), conduta ética inadequada do dermatologista e casos não identificados, com 4,25% do total de acórdãos (dois acórdãos).

A tabela 4 apresenta os tipos de procedimentos estéticos envolvidos em processos judiciais de acordo com o relatório dos acórdãos examinados: laser para depilação definitiva, com 14,89% (sete acórdãos), laser para tratamento de manchas, com 8,51% (quatro acórdãos), laser para rugas, com 4,25% (dois acórdãos), peeling químico (sardas e manchas), com 6,36% (três acórdãos), toxina botulínica e preenchimento, com 4,25%, e os demais procedimentos (preenchimento, dermoabrasão, hidrolipo e mesoterapia), com 2,12% (um acórdão) cada um deles.

Na tabela 5 são demonstradas as medicações e doenças dermatológicas que motivaram a queixa do paciente nos processos judiciais: vitiligo, psoríase, queratose actínica, verrugas e o fármaco flutamida, com 4,25% (dois acórdãos) em cada situação. As demais doenças dermatológicas, acne, hanseníase, melasma, HPV, dermatite atópica, extração de unha inflamada, lúpus eritematoso sistêmico, herpes-zóster, crioterapia e urticária, cada qual com 2,12% (um acórdão).

A tabela 6 demonstra a realização da perícia médica para apuração da responsabilidade civil do dermatologista, que ocorreu em 83% (39 acórdãos). A perícia médica, em 87,2% (34 acórdãos), determinou que o dano causado ao paciente estava relacionado a sua patologia e não à conduta do médico, ou seja, não foi confirmado o nexo causal. O nexo causal foi confirmado em 12,8% (cinco acórdãos).

De acordo com a tabela 7, as decisões judiciais favoráveis ao dermatologista foram em primeira e segunda instâncias com 80,8% (38 acórdãos) e 82,9% (39 acórdãos), respectivamente. As decisões desfavoráveis ao dermatologista em primeira instância foram de 19,1% (nove acórdãos) e em segunda instância 17,02% (oito acórdãos).

Os dados analisados nos acórdãos demonstraram três tipos de indenizações: 76,6% (36 acórdãos) por dano moral, 55,3% (26 acórdãos) por dano material e 48,9% (36 acórdãos) por dano estético (Tabela 8).

As decisões judiciais com sentenças desfavoráveis ao dermatologista foram encontradas em oito acórdãos com os valores das indenizações, que foram arbitrados pelo juiz em cinco acórdãos (em torno de 62,5% sentenças desfavoráveis) e em apenas três acórdãos (37,5% sentenças desfavoráveis) não foram citados os valores das indenizações (Tabela 9).

 

DISCUSSÃO

A literatura indica que o número de processos judiciais cíveis na área médica tem aumentado muito nos últimos dez anos, e no Brasil, segundo estatísticas recentes, houve expressivo aumento no número de processos contra médicos.5 A prevalência das decisões judiciais cíveis que envolveram médicos dermatologistas foi maior, em ordem decrescente, em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Com relação aos estados do Espírito Santo e do Paraná não foram encontrados acórdãos. Observa-se também uma tendência ao aumento de processos judiciais cíveis na dermatologia no período de janeiro de 2006 a julho de 2015.

Um levantamento de sindicâncias do Cremesp (Codame) foi realizado para apuração de indícios de ilícitos éticos nas especialidades de dermatologia, cirurgia plástica e cirurgia bariátrica, por alegação de propostas de resultados malsucedidos. Em 2000, a dermatologia apresentou 17 sindicâncias e, em 2007, 74 sindicâncias, caracterizando uma tendência ao aumento dos processos judiciais cíveis.5

As decisões judiciais foram equivalentes quanto às queixas sobre os procedimentos estéticos (48,93%) e a parte clínica da dermatologia (efeitos colaterais com as medicações e insatisfação com o tratamento em algumas doenças dermatológicas, 46,80%). Quando tomamos a dermatologia como especialidade essencialmente clínica, o dermatologista assume responsabilidade civil subjetiva ou obrigação de meio:6

Um bom exemplo de contrato de obrigação de meio é o contrato de tratamento de saúde, firmado com o médico, pois o resultado depende de fatores que fogem ao controle do profissional, como a natureza fisiológica do paciente, sua reação aos medicamentos, entre outros fatores. O médico só está obrigado a envidar seus melhores esforços e a aplicar as melhores técnicas e instrumentos que estiverem ao seu alcance para atingir o resultado contratado, mas não está obrigado a atingi-lo.

Quando, porém, a dermatologia envolve as áreas de cirurgia dermatológica e de dermocosmiatria passa a ser considerada medicina “estética”, como na cirurgia plástica “embelezadora” e cirurgia bariátrica. Hoje, há crescente intenção de essas atividades ser consideradas “de resultados”.7 O embelezamento do paciente é considerado por advogados, juízes e população responsabilidade civil objetiva por entender que o contrato entre as partes tem como objetivo final o resultado estético do paciente.5

Atualmente, novos conceitos vêm se tornando mais consistentes nos tribunais, em função da integração entre medicina e direito, e já há entendimento de que a medicina estética não é diferente da medicina curativa. Com base naquilo que é preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), ou seja, saúde é plenitude física, psíquica, moral e social, chega-se à percepção de que, se o paciente apresenta mal-estar por ter rugas no rosto, ele está doente. Assim, na área da dermatologia estética (dermocosmiatria e cirurgia dermatológica) deve ser considerado o princípio da Culpa Aquiliana, ou seja, a existência de negligência (omissão, inobservância de deveres e obrigações), imprudência (descuido, agir perigosamente) ou imperícia (inexperiência, desconhecimento). Ainda existem, contudo, tribunais que consideram o procedimento estético uma relação de resultado, ou seja, o paciente mostra-se insatisfeito com o resultado, e o médico é punido. A ação do profissional passa a ser uma simples relação contratual, ignorando que a medicina não é ciência exata e que devem ser consideradas as particularidades individuais e a biologia humana.8

Neste estudo foi observado que o juiz solicitou a perícia médica na maioria dos acórdãos (83%) avaliados para apuração da responsabilidade civil do dermatologista. E na conclusão das perícias médicas não foi confirmado o nexo causal em 87% dos casos. A importância da perícia médica encontra-se em identificar as causas anatômicas, fisiológicas, sociais ou psicológicas relacionadas à patologia ou ao procedimento, devendo buscar o nexo de causalidade entre os eventos, pois nem sempre a conduta médica é responsável pelo insucesso terapêutico.9 Um prontuário bem redigido (descrição detalhada do procedimento e letra legível), termo de consentimento adequado e a efetiva relação médico/paciente são fatores essenciais para evitar os processos judiciais e consequentemente todo esse desgaste emocional do médico.

A perícia médica irá trazer informações necessárias ao veredicto do juiz, pois trata-se de assunto médico que vai além de seu campo de conhecimento. Assim, o perito médico que elabora o laudo médico pericial deve evitar a subjetividade e procurar manter-se dentro dos protocolos e normatizações específicos destinados a esse fim.2

As decisões judiciais referentes à responsabilidade civil do dermatologista foram julgadas em primeira e segunda instâncias. As decisões judiciais favoráveis ao dermatologista em primeira e segunda instâncias foram 80,8% (38 acórdãos) e 82,9% (39 acórdãos), respectivamente. As decisões desfavoráveis ao dermatologista em primeira instância foram 19,1% (nove acórdãos) e em segunda instância 17,02% (oito acórdãos). A diferença de percentagem nos casos favoráveis ao dermatologista foi em função de um caso em que, o profissional prescreveu oxsoralen creme para psoríase e não orientou o paciente quanto ao cuidado à exposição ao sol, sendo que, com o aparecimento de bolhas e queimadura evoluiu com piora do quadro clínico de psoríase. O juiz em primeira instância arbitrou sentença desfavorável e em segunda instância os desembargadores consideraram a sentença favorável ao dermatologista. A perícia médica concluiu que a medicação indicada é utilizada para o tratamento de psoríase com exposição solar controlada e que as alterações de pele ocorridas não configuraram dano estético. Apesar da perícia médica não confirmar o nexo causal o magistrado de primeira instância julgou procedente o pedido, afirmando que:

A culpa, a falta do dever objetivo de cuidado, exsurge exatamente no momento em que o médico, em patologia de excepcional gravidade, restringe-se a afirmar que o tempo de exposição é de cinco minutos, quando o correto seria disponibilizar o equipamento de fototerapia ou, em não existindo, simplesmente proibir a exposição do paciente.10

E, em segunda instância o desembargador foi favorável ao dermatologista, argumentando:

Perícia que confirma que o médico agiu dentro das possibilidades e se utilizando de procedimento adequado. Reparação de danos. Descabimento. Obrigação de meio é a obrigação de empregar todas as técnicas, instrumentos e recursos disponíveis, e envidar todos os esforços possíveis, no sentido de alcançar o resultado contratado, independentemente de esse resultado ser ou não alcançado. Obrigação de resultado é a obrigação de alcançar o exato fim contratado, independentemente das técnicas e recursos empregados. Na obrigação de meio, não alcançar o resultado contratado é circunstância admitida no contrato e não implica inexecução da obrigação, e nem em responsabilidade civil tampouco. Já na obrigação de resultado, o devedor da obrigação somente se desincumbe dela se alcançar o resultado esperado, no tempo e no modo estipulados no contrato; caso contrário, suportará a responsabilidade civil contratual, se do inadimplemento decorrer um dano, é claro.10

O mesmo ocorreu nas sentenças desfavoráveis ao dermatologista. Em um caso de depilação a laser, em primeira instância o juiz deu a sentença favorável ao dermatologista, e os desembargadores em segunda instância deram a sentença desfavorável, mas não há detalhes do caso no acórdão avaliado.

Os três tipos de indenizações foram 76,6% (36 acórdãos) por dano moral, 55,3% (26 acórdãos) por dano material, e 48,9% (36 acórdãos) por dano estético. Os valores das indenizações solicitados variam de R$2.069,00 a R$100.000,00 e, em outra forma descrita, de 100 a 500 salários mínimos.

Os valores arbitrados nas sentenças pelo juiz, quando o dermatologista foi condenado, nem sempre foi o valor solicitado no processo judicial. Alguns casos observados foram o de procedimento de toxina botulínica com consequente ptose palpebral, solicitando valor total de R$ 12.069,00. O juiz arbitrou R$ 7.069,00. Em um tratamento a laser para depilação o valor total solicitado foi de R$ 13.543,91, e o juiz arbitrou valor de R$ 6.830,00. De acordo com a Justiça:

O valor a ser arbitrado a título de indenização por dano imaterial deve levar em conta o princípio da proporcionalidade, bem como as condições da ofendida, a capacidade econômica do ofensor, além da reprovabilidade da conduta ilícita praticada. Por fim, há que se ter presente que o ressarcimento do dano não se transforme em ganho desmesurado, importando em enriquecimento ilícito.11

Neste estudo foi observado que em um caso de tratamento com flutamida para acne com consequente hepatite grave o valor da indenização estabelecido no processo foi de R$ 15.000,00, e o valor arbitrado pelo juiz a ser indenizado foi de R$ 30.000,00.

Os processos judiciais geram, além do prejuízo financeiro, desgaste emocional que se pode evitar com mais atenção à relação médico/paciente, cuidado em preencher os documentos necessários e prontuários. De acordo com o Código de Ética Médica de 2009, no capítulo X:

Art. 87. Deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente.

§ 1° O prontuário deve conter os dados clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchido, em cada avaliação, em ordem cronológica com data, hora, assinatura e número de registro do médico no Conselho Regional de Medicina.

É muito importante enfatizar que a defesa do profissional médico é baseada na evolução dos prontuários médicos, no termo de consentimento informado, na descrição das cirurgias ou qualquer outro documento relacionado ao ato médico, que devem ser preenchidos com letra legível e sem rasuras.2

Na literatura, encontramos estudos de responsabilidade civil do médico em uma reflexão sobre o “erro médico” e a relação com as disciplinas afins às temáticas de responsabilidade civil, ética, bioética e deontologia no estado de Minas Gerais. Os autores concluem de que há necessidade de discussão durante a formação acadêmica em relação às questões éticas e jurídica como forma de compreender os aspectos que envolvem a relação médico/paciente e evitar a ocorrência do erro médico.8 Outros autores, também, concordam com uma abordagem de temas de direito médico nos cursos de graduação em medicina, que orientaria os futuros profissionais médicos nos aspectos jurídicos e éticos que abrangem o exercício profissional.2 De acordo com alguns autores, “melhor do que se defender de um processo é preveni-lo”.12

 

CONCLUSÕES

As principais causas que levaram o dermatologista a um processo judicial civil estão ligadas aos procedimentos estéticos, consultas com queixas sobre os efeitos colaterais das medicações, insatisfação com o tipo de tratamento em algumas doenças dermatológicas e conduta ética inadequada. As indenizações solicitadas nos processos judiciais contra o dermatologista foram em sua maioria por danos morais, seguidos por danos materiais e danos estéticos. Podemos concluir que fatores como boa formação do dermatologista, boa relação médico/paciente e cuidado no preenchimento do prontuário foram essenciais para uma perícia médica adequada e, em consequência, sentenças judiciais favoráveis ao dermatologista na maioria dos casos apresentados neste estudo.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Valéria Maria de Souza Framil | ORCID 0000-0002-8747-1926
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do original; obtenção, análise e interpretação dos dados

Erika Tiemi Fukunaga | ORCID 0000-0002-9616-3765
Análise estatística

Eduardo da Costa Sá | ORCID 0000-0001-6431-5421
Aprovação da versão final do original; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura

Daniel Romero Munoz | ORCID 0000-0002-4042-3070
Aprovação da versão final do original; revisão crítica do original

 

REFERÊNCIAS

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