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Artigo Original

Toxina botulínica para o tratamento de hidrocistomas faciais

Ada Regina Trindade de Almeida; Jaqueline Guerra; Marcelo Margarido Bellini; Alessandra Ribeiro Romiti; Maria Victoria Súarez Restrepo

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201911101

Data de recebimento: 20/02/2019
Data de aprovação: 15/03/2019

Trabalho Realizado no Ambulatório de Dermatologia, Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (HSPM-SP) - São Paulo (SP), Brasil
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

INTRODUÇÃO: Hidrocistomas são cistos cor da pele ou translúcidos, únicos ou múltiplos, que aparecem na face. Têm origem na glândula sudorípara écrina ou apócrina e, às vezes, são desfigurantes. Podem ser tratados com cirurgia, eletrodissecção ou cáusticos, mas costumam ser recidivantes e os tratamentos podem deixar cicatrizes ou discromias. A toxina botulínica A (BoNT-A) foi sugerida como terapia em poucos casos na literatura.
OBJETIVO: Analisar os efeitos da toxina botulínica em casos de hidrocistoma da face.
MÉTODOS: Estudo observacional retrospectivo de série de casos. Foram avaliados pacientes portadores de hidrocistoma na face, tratados com BoNT-A.
RESULTADOS: De 13 pacientes avaliados, cinco foram incluídos, a maior casuística descrita até o momento. Destes, todas as lesões tratadas apresentaram melhora clínica durante o período avaliado. Quatro pacientes mostraram regressão parcial e um, regressão total das lesões.
CONCLUSÕES: Nesta série de casos, a BoNT-A mostrou resultados positivos e duradouros no tratamento de hidrocistomas faciais, sem efeitos adversos.


Keywords: Hidrocistoma; Terapêutica; Toxinas botulínicas


INTRODUÇÃO

Hidrocistomas são lesões císticas translúcidas ou da cor da pele, frequentes na face, especialmente ao redor dos olhos. São originárias das glândulas sudoríparas e podem ter origem écrina ou apócrina.1 São benignas, únicas ou múltiplas, relativamente comuns e mais frequentes em mulheres de meia-idade.2

A causa de sua formação ainda não está esclarecida. Oclusão ou bloqueio do ducto sudoríparo, resultando em retenção de suor e consequente dilatação do ducto cístico, poderia ser uma das possíveis causas.2,3 Alguns autores sugerem que ambientes quentes e úmidos aumentariam a produção de suor e poderiam agir como fatores agravantes.4,5

Clinicamente, surgem sob a forma de uma ou mais lesões de tamanhos variados, localizadas no segmento cefálico, preferencialmente em fronte, regiões malares e palpebrais, sendo o canto externo da pálpebra inferior o de maior incidência.6

Diferenciam-se histologicamente em dois tipos: apócrino (ou cisto de Moll) e écrino, porém a diferenciação clínica dificilmente é feita, exceto pelo caráter solitário e localização preferencial do cisto de Moll próximo aos cílios e à via de drenagem lacrimal, e do hidrocistoma écrino sobre a pele da pálpebra, podendo ser único ou múltiplo.7 Podem ainda estar associados a síndromes de displasias ectodérmicas como Schopf-Schulz-Passarge e Gorlin-Goltz.6-9

Na literatura, são citados inúmeros tratamentos, como excisão cirúrgica, drenagem simples com agulha, cáusticos como ácido tricloroacético ou fenol, laser de dióxido de carbono e eletrodissecção.10 Devido ao caráter recidivante das lesões, o risco de cicatrizes inestéticas e/ou discromias com os procedimentos cirúrgicos ou ablativos é alto.

As glândulas sudoríparas écrinas são inervadas por fibras simpáticas pós-ganglionares e regidas por mediadores como acetilcolina, pilocarpina e adrenalina, enquanto as glândulas apócrinas são mediadas por adrenalina, noradrenalina e metacolina.11 Todos estes mediadores podem ser bloqueados pela toxina botulínica. Por este motivo, o neuromodulador surgiu como opção terapêutica, tendo como vantagem não ser invasivo, não apresentar risco de cicatrizes residuais nem de discromias.

Nos hidrocistomas, a BoNT-A é ainda pouco utilizada como opção terapêutica. A técnica de aplicação consiste no esvaziamento do conteúdo cístico da lesão, imediatamente antes da injeção local do medicamento, com o objetivo de bloquear o estímulo à produção de secreção sudoral pelas glândulas sudoríparas.12,13 A dose aplicada em cada lesão não é ainda padronizada e a duração do efeito produzido pela toxina ainda não está totalmente esclarecida.

O procedimento é simples, bem tolerado, tem boa evolução pós-procedimento e não apresenta risco de deixar cicatriz.13 A dor é um efeito adverso transitório, geralmente presente somente durante a aplicação. Cefaleia, náusea, ptose palpebral e assimetria facial são efeitos adversos incomuns.2

O objetivo deste estudo foi analisar retrospectivamente a eficácia e a segurança de casos de hidrocistoma da face tratados com BoNT-A.

 

METODOLOGIA

Estudo observacional retrospectivo de série de casos. Foram selecionados portadores de hidrocistomas faciais do Setor de Cosmiatria do Ambulatório de Dermatologia do Hospital do Servidor Público Municipal tratados com toxina botulínica entre janeiro de 2014 e dezembro de 2015.

Critérios de inclusão: Pacientes de ambos os gêneros, idade entre 18 e 80 anos, com pelo menos um hidrocistoma na face tratado com BoNT-A e com acompanhamento clínico e fotográfico, no dia da aplicação do neuromodulador (D0) e 14 (D14), 30 (D30), e entre 90 e 120 dias (D90 e D120) após o procedimento.

Variáveis analisadas: Dados demográficos (idade e sexo do paciente), localização e número de lesões (única ou múltiplas), dose (por lesão e total), número de sessões realizadas e eficácia da terapêutica instituída. A avaliação da resposta clínica ao tratamento foi realizada por observador não envolvido no tratamento, por meio dos registros fotográficos, conforme esquema a seguir:

Escala de avaliação clínica:

A) Regressão total das lesões; desaparecimento das lesões;

B) Regressão parcial das lesões: diminuição do tamanho da lesão e/ou do número de lesões;

C) Sem resposta: lesões inalteradas.

Eventos adversos: A identificação dos eventos adversos foi realizada por meio dos dados obtidos pela revisão dos prontuários médicos. Análise estatística: Por tratar-se de um estudo observacional retrospectivo, a análise estatística foi realizada por meio da descrição dos achados relatados em prontuários.

 

RESULTADOS

Neste estudo, foram selecionados 13 indivíduos com hidrocistomas na face tratados com BoNT-A. Destes, apenas cinco contemplavam os critérios de inclusão. A idade oscilou entre 45 e 73 anos, sendo a média de 57,8 anos. Quatro casos foram do gênero feminino (80%) e o fototipo variou de I a VI, sendo o último mais incidente (40% da amostra). Dados de antecedentes familiares com hidrocistomas na face não foram encontrados nos prontuários revisados. A maioria dos casos (60%) apresentou lesão única, e a localização mais comum foi na porção lateral da pálpebra inferior, seguida pelos epicantos oculares. A diferenciação histológica entre hidrocistomas écrino e apócrino não foi feita.

A toxina botulínica A foi reconstituída com 2ml de SF para cada frasco de 100U. A dose total utilizada em cada paciente variou de 5U a 33U, dois pacientes (2 e 4) foram tratados em apenas uma sessão enquanto em três deles (1, 3 e 5) a segunda sessão ocorreu entre 15 e 30 dias após a primeira (Tabela 1).

Ao final dos 120 dias de acompanhamento, todos os pacientes apresentaram algum grau de melhora clínica. A regressão total das lesões ocorreu em um caso (2), enquanto a regressão parcial (diminuição do tamanho e/ou do número de lesões) foi vista em quatro pacientes (80%), como se pode observar nas figuras correspondentes (Figuras 1A e 1B até 5A e 5B).

 

DISCUSSÃO

Segundo Correia et al2, o hidrocistoma é mais incidente em mulheres de meia-idade, característica epidemiológica compatível com os pacientes deste estudo.

O quadro clínico pode ser composto por lesões isoladas ou múltiplas.6 Nesta amostra, foram encontradas tanto lesões únicas quanto múltiplas, porém a maioria dos casos (três) apresentou lesão única. A localização mais frequente foi nas pálpebras inferiores, principalmente no canto externo, estando de acordo com os achados de Couto Junior et al1 e Yaghoobi et al .6 Dos cinco pacientes estudados, todos apresentaram pelo menos uma lesão localizada na pálpebra inferior.

Apesar do número pequeno, nossa casuística foi maior do que a dos artigos de hidrocistoma tratados com BoNT-A encontrados na literatura. De 13 casos tratados, apenas cinco foram incluídos por preencherem os critérios de inclusão, enquanto, com exceção de Correia et al 2, que relatou sua experiência com dois pacientes, a maioria dos artigos relata apenas um caso tratado com tal terapêutica.4,5,12,13

Por não existir consenso sobre a dose a ser aplicada, os pacientes receberam doses não padronizadas, variando de 5U a 33U da substância de acordo com o número de lesões. Na literatura, a dose total de toxina botulínica variou de 4U4 a 60U5 (Tabela 2). Todos os casos eram de hidrocistomas múltiplos (mais de cinco) e pequenos. A dose média aplicada foi de 1-4U por lesão. Neste estudo, a dose cumulativa do neuromodulador aplicada não ultrapassou 33U, e a média de unidades por lesão ficou em aproximadamente 3U, porém apenas um paciente apresentou mais de cinco lesões (caso 3).

O procedimento foi bem tolerado por todos os pacientes e, em relação aos possíveis efeitos colaterais, a dor foi efeito adverso transitório presente apenas durante a aplicação.

Ao fim dos 120 dias de acompanhamento, o resultado encontrado foi de melhora total das lesões em um caso e melhora parcial em quatro pacientes (80%). Estes resultados são semelhantes aos descritos na literatura citada.2,4-5,12,13

Quanto à duração do efeito, nos casos descritos por Correia et al 2 e Blugerman et al13 foi de seis meses, enquanto para Kontochristopoulos et al 5 o tempo de resposta clínica foi de quatro meses. Como o seguimento dos pacientes desse estudo ocorreu apenas durante 120 dias (16 semanas), a durabilidade exata do efeito da neurotoxina não pôde ser determinada, fazendo-se necessário um maior tempo de acompanhamento. No entanto, vale ressaltar que, ao longo desse período, não houve o surgimento de novas lesões nem aumento do tamanho das lesões tratadas, fato este que já mostra superioridade da toxina sobre o simples esvaziamento das lesões com agulha. Nestes casos, conforme a literatura, a recidiva já ocorre entre duas a seis semanas depois da aplicação.4,11,15,16

Diferentemente dos casos de resolução completa descritos na literatura, a maioria dos indivíduos desse trabalho obteve melhora parcial das lesões. No entanto, observação detalhada de fotos clínicas das referências citadas mostra que o tamanho das lesões desta amostra foi muito maior do que o dos casos descritos na literatura (Figuras 6A e 6B).

A grande limitação deste estudo foi não haver a medição precisa do diâmetro de cada lesão identificada. Desta forma, não se pôde correlacionar dose de toxina por milímetro de lesão, não sendo possível estimar a dose ideal para cada tamanho de hidrocistoma. No entanto, vale salientar que o tamanho preciso das lesões também não foi especificado nos artigos aqui referenciados.

Quando comparada a outras modalidades terapêuticas disponíveis (excisão cirúrgica, eletrodissecção, laser de dióxido de carbono, cáusticos), a toxina apresenta vantagens: além da boa evolução pós-procedimento, não existe risco de cicatrizes inestéticas nem de discromias. Esse fato é de extrema importância, pois os hidrocistomas têm localização predominante na face e deixar uma cicatriz nessa área do corpo pode ser mais desfigurante do que a própria lesão, piorando assim a qualidade de vida do portador.

 

CONCLUSÃO

Apesar de os hidrocistomas serem tumores benignos, o caráter desfigurante e recidivante são elementos que devem ser ponderados na escolha terapêutica. A toxina botulínica é um procedimento ambulatorial, foi bem tolerada e mostrou-se capaz de reduzir o tamanho e o número das lesões de hidrocistoma nesta série de casos. Pode ser considerada como opção de tratamento quando comparada aos métodos tradicionais que apresentam riscos de cicatrizes e/ou discromias. Tendo em vista não existir na literatura dose-padrão desse neuromodulador a ser administrada nem número de aplicações necessárias, os pacientes devem ser avaliados de forma individualizada, considerando-se localização, tamanho, número e impacto estético de cada lesão.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Ada Regina Trindade de Almeida | ORCID 0000-0002-4054-2344
Tratamento e acompanhamento dos pacientes. Coleta de dados, revisão da literatura e confecção do texto escrito.

Jaqueline Guerra | ORCID 0000-0002-7837-9685
Coleta de dados, revisão da literatura e confecção do texto escrito.

Marcelo Bellini | ORCID 0000-0002-8138-715X
Tratamento e acompanhamento dos pacientes.

Alessandra Romiti | ORCID 0000-0002-2231-0232
Tratamento e acompanhamento dos pacientes.

Maria Victoria Súarez Restrepo | ORCID 0000-0002-2614-6011
Coleta de dados, revisão da literatura e confecção do texto escrito.

 

REFERÊNCIAS

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