Bianca De Franco Marques Ferreira; Guilherme Bezerra da Silva Modesto; Carolina Santos de Oliveira; Mário Chaves Loureiro do Carmo; Solange Cardoso Maciel Costa Silva
Data de recebimento: 05/10/2017
Data de aprovação: 08/12/18
Trabalho realizado no Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
O câncer da pele não melanoma é a neoplasia maligna mais comum em humanos, sendo os carcinomas basocelulares responsáveis por aproximadamente 80% dos casos. A exposição cumulativa à radiação ultravioleta é o principal fator de risco associado ao carcinomas basocelulares, ocorrendo maior incidência nas áreas fotoexpostas, incluindo a região auricular. A região auricular é uma unidade cosmética nobre, cujas peculiaridades anatômicas tornam as cirurgias, com necessidade de excisão de grande quantidade de tecido, um desafio para o cirurgião dermatológico. Os autores apresentam caso de reconstrução da hélice e região retroauricular por meio de retalho com tripla transposição.
Keywords: Carcinoma basocelular; Dermatoses faciais; Neoplasias da orelha; Orelha externa; Procedimentos cirúrgicos dermatológicos
O câncer da pele não melanoma é a malignidade mais comum em humanos, sendo os carcinomas basocelulares (CBC) responsáveis por cerca de 80% dos casos.1 A exposição cumulativa à radiação UV, com episódios intermitentes e intensos de queimadura, é o principal fator de risco associado à gênese do CBC, o que se evidencia pela maior incidência da neoplasia nas áreas fotoexpostas, como a face e região auricular.1 O CBC acomete frequentemente a cabeça e o pescoço de ambos os sexos e apresenta comportamento invasivo local, com baixo potencial metastático, sendo a excisão cirúrgica completa da lesão a principal abordagem terapêutica que leva à cura.1
A região auricular é unidade cosmética nobre, cujas peculiaridades anatômicas demandam nas cirurgias a excisão de grande quantidade de tecido, o que significa um desafio na maior parte dos casos. Apresentamos um caso no qual após defeito produzido para excisão completa da lesão neoplásica, a reconstrução da hélice foi realizada por meio de retalho com tripla transposição, sem complicações no peri e pós-operatório, e com resultado estético harmonioso.
Paciente idoso, do sexo masculino, fototipo II, sem comorbidades, apresentava ao exame clínico lesão ulcerada, de 5,5cm, acometendo a hélice e a região posterior da orelha esquerda (Figura 1). Análise histopatológica de biópsia prévia foi compatível com CBC micronodular. Devido à extensa área acometida e visando manter a simetria das orelhas, optou-se por realizar um retalho com tripla transposição. Após delimitação da área e infiltração do anestésico circunferencialmente (Figura 2), foi realizada excisão com margem de 5mm (Figura 3). Um retalho pré-auricular retangular foi confeccionado e rodado lateralmente para cobrir a região do terço superior da hélice e uma pequena área posterior do pavilhão auricular esquerdo (Figura 4). Em seguida foram seccionados dois retalhos romboidais nas regiões retroauricular e occipital, sendo o primeiro direcionado lateralmente para cobrir a região posterior da orelha (Figura 4), e o segundo para cobrir o defeito gerado após transposição do primeiro retalho (Figura 5). O defeito secundário foi fechado por sutura direta (Figura 6). Duas semanas após, garantida a vascularização, o pedículo do retalho na região retroauricular foi seccionado. Dessa forma, reconstituiu-se totalmente o defeito da orelha pela confecção de três retalhos que foram transpostos (Figura 7). O paciente não apresentou complicações no período pós-operatório imediato nem tardio, e observou-se resultado estético satisfatório com excisão completa da lesão, confirmada por laudo histopatológico (Figura 8).
A orelha externa é unidade cosmética nobre, junto de outras regiões como lábios, nariz e pálpebras. Possui estrutura anatômica peculiar com sua cartilagem constituída por saliências e reentrâncias, e é revestida em determinadas áreas por pele com baixo potencial de distensão. Por conta de tal particularidade, para prevenir deformidades e apresentação inestética, é mais indicado que o defeito cirúrgico seja reconstruído com tecido de áreas adjacentes.1,2 Retalhos da região auricular posterior são opções importantes, existem variadas técnicas descritas, e a pele possui aspecto semelhante, proporcionando resultados estético e funcional excelentes, superiores aos enxertos de sítios distantes.2
O câncer mais comum na região de cabeça e pescoço é o CBC, e devido a sua localização e exposição solar, a orelha é frequentemente acometida,1,3 sendo a excisão cirúrgica o tratamento definitivo para tais ocorrências.1 Embora metástases de CBC sejam raras, o caráter infiltrativo do tumor pode causar destruição local extensa.3 As técnicas de reconstrução cirúrgica do pavilhão auricular utilizadas variam de acordo com a localização e a extensão da lesão. Podem ser usados retalhos regionais ou enxertos.1 No caso de pequenos defeitos na hélice, pode-se optar pelo fechamento primário; em defeitos maiores, os retalhos de avanço são os indicados. Retalhos de transposição são particularmente úteis para lesões na região intermediária e superior da hélice, podendo-se utilizar áreas pré ou retroauriculares como doadoras.4
Uma vez que cada defeito gerado na excisão de lesões auriculares é singular, o cirurgião dermatológico enfrenta um desafio a cada reconstrução.5 Em defeitos localizados na hélice e região posterior da orelha externa, nos quais grande quantidade de tecido seria necessária para cobrir a área, pode-se utilizar uma combinação de três retalhos do tipo transposição. Nessa técnica, um retalho retangular é confeccionado na região pré-auricular, e outros dois romboides nas regiões retroauricular e occipital. Pela transposição dos retalhos para cobrir os defeitos adjacentes, é possível reconstruir completamente a hélice e a região retroauricular, preservando, assim, a anatomia auricular. O método descrito não apresentou complicações durante o procedimento ou no pós-operatório, permitiu manutenção da estrutura peculiar da região e proporcionou resultado estético favorável, sendo, portanto, uma opção relevante para correção de lesões extensas na orelha. O procedimento exposto é inovador, porém de execução relativamente fácil e prática, uma vez que utiliza técnicas de retalhos já descritas, mas em uma combinação não habitual: tripla transposição.
Bianca De Franco Marques Ferreira | ORCID 0000-0001-5997-4246
Idealizadora e escritora do artigo, revisão da literatura, fotografias do procedimento e evolução.
Guilherme Bezerra da Silva Modesto | ORCID https://orcid.org/0000-0002-5756-5622
Revisão da literatura, confecção do manuscrito.
Carolina Santos de Oliveira | ORCID https://orcid.org/0000-0002-5083-5466
Revisão da literatura.
Mário Chaves Loureiro do Carmo | ORCID 0000-0003-2943-0322
Participação no procedimento e acompanhamento do paciente.
Solange Cardoso Maciel Costa Silva | ORCID 0000-0003-0812-908X
Idealizadora da técnica, participação no procedimento e acompanhamento do paciente.
1. Kolk A, Wolff KD, Smeets R, Kesting M, Hein R, Eckert AW. Melanotic and non-melanotic malignancies of the face and external ear - A review of current treatment concepts and future options. Cancer Treat Rev. 2014;40(7):819-37.
2. Basu I, Way B, Al-Basri I. A novel lobule rotation flap for the reconstruction of middle third auricular defects. Int J Dermatol. 2013;52(12):1544-6.
3. Sand M, Sand D, Brors D, Altmeyer P, Mann B, Bechara FG. Cutaneous lesions of the external ear. Head Face Med. 2008;4(2):1-13.
4. Brodland DG. Advanced reconstruction of the ear: a framework for successful wound closure. Dermatol Surg. 2014;40 Suppl 9: S71-85.
5. Reddy LV, Zide MF. Reconstruction of skin cancer defects of the auricle. J Oral Maxillofac Surg. 2004;62(12):1457-71.