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Como eu faço ?

Reparo da pálpebra inferior por fechamento direto com cantopexia lateral e elevação da fáscia suborbicular dos olhos: uma técnica simples para evitar o ectrópio pós-operatório

Ricardo Vieira1,2; André Pinho1; Ana Brinca1

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201810403

Data de recebimento: 20/11/2018
Data de aprovação: 15/12/2018

Trabalho realizado no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra - Coimbra, Portugal

Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum


Abstract

Os defeitos cutâneos da pálpebra inferior frequentemente requerem reconstruções com enxertos ou retalhos para evitar-se o ectrópio. A retirada de um carcinoma basocelular da pálpebra inferior de uma paciente de 39 anos resultou em um defeito exclusivamente cutâneo, com diâmetros transversal e vertical de 32 e 13mm, respectivamente. Apesar da grande dimensão do defeito, a elevação da fáscia suborbicular dos olhos para o periósteo da borda orbital lateral permitiu o fechamento primário. A posição da pálpebra inferior também foi reforçada com uma cantopexia lateral, com excelentes resultados estético e funcional.


Keywords: Carcinoma basocelular; Ectrópio; Pálpebras; Órbita; Reconstrução


INTRODUÇÃO

Defeitos envolvendo a lamela anterior da pálpebra inferior são relativamente comuns na cirurgia dermatológica. A maioria resulta da excisão de carcinomas basocelulares, xantelasma e várias outras neoplasias ou condições benignas. O reparo desses defeitos é desafiador devido à quantidade relativamente pequena de tecido, requerendo com frequência o uso de retalhos ou enxertos de pele para prevenir a retração da pálpebra ou para evitar que os vetores de tensão vertical causem ectrópio pós-operatório com impactos estético e funcional relevantes.1

Portanto, o fechamento primário é geralmente limitado a alguns defeitos pequenos. Os defeitos maiores devem ser reparados com enxertos de pele de espessura total (geralmente colhidos na pálpebra superior) ou com vários tipos de retalhos (retalho de Tripier ou retalhos de avanço e rotação da pele da bochecha).1,2

 

MÉTODOS

Uma mulher de 39 anos foi submetida à excisão ampla de um carcinoma basocelular na pálpebra inferior (Figura 1). O defeito resultante envolvia a lamela anterior da pálpebra inferior, a 4mm de distância da margem palpebral, com diâmetro transversal de 32mm e vertical de 13mm (Figura 2). O teste de retorno (“snapback”) não revelou alterações, com a pálpebra voltando imediatamente à posição normal. Realizou-se outro teste utilizando-se uma pinça para elevar a parte inferior da ferida cirúrgica, através da fáscia suborbicular dos olhos, em direção à borda orbital lateral. Esta ação permitiu uma completa justaposição das bordas do defeito.

Assim, o reparo foi planejado em três etapas:

1. Elevação da fáscia suborbicular dos olhos, ligando a fáscia profunda da área pré-zigomática ao periósteo da borda orbital lateral. O tipo de sutura utilizado nesta etapa foi um fio não absorvível de polipropileno 4/0, com agulha dupla. Com a primeira agulha, foi abordada uma porção generosa da fáscia subjacente à gordura subcutânea na margem inferior do defeito. Com a segunda agulha, foi alcançado o periósteo da borda orbital lateral. Quando fixada, esta sutura elevou a margem inferior do defeito, permitindo uma aproximação quase completa (Figura 3).

2. Cantopexia lateral realizada com a mesma sutura de polipropileno duplamente agulhada, fixando-se a extremidade lateral da placa tarsal inferior ao periósteo da face interna da borda orbital lateral, com o cuidado de preservar a posição do canto lateral no mesmo nível observado no lado contralateral.

3. Fechamento primário da pele com sutura contínua de polipropileno 5/0, sem nós, fixada em cada lado por fitas adesivas reforçadas de 6mm de largura (Steri-Strip, 3M) (Figura 4).

A sutura contínua foi removida no dia seis.

 

RESULTADOS

O resultado final após um mês foi considerado excelente tanto pela equipe médica quanto pela paciente (Figura 5). Não foram observados ectrópio nem comprometimento funcional da pálpebra inferior durante o seguimento.

 

DISCUSSÃO

O ectrópio com comprometimento estético e funcional é uma possível complicação dos procedimentos cirúrgicos na pálpebra inferior.3 Mesmo em procedimentos estéticos, assim como a blefaroplastia da pálpebra inferior, o ectrópio é provavelmente a mais grave complicação de longa duração.4 Pode resultar da excessiva remoção de pele, mas também pode ocorrer mesmo nos casos em que o resultado imediato parece ser adequado, principalmente em pacientes com diminuição da elasticidade da pálpebra. Nesses casos, uma técnica modificada, associando a cantopexia e a elevação da fáscia suborbicular, pode prevenir essa complicação.5 Essa técnica modificada pode ser aplicada à reconstrução de defeitos palpebrais, permitindo uma aproximação efetiva das bordas, elevando-se os tecidos moles pré-zigomáticos,6 colocando a tensão sobre os tecidos profundos e removendo toda a tensão da pele. A elevação do tecido mole suborbicular a uma estrutura fixa (borda orbital lateral) impede a criação de vetores de tensão vertical sobre a pálpebra inferior que resultariam em ectrópio. Além disso, como o ligamento cantal lateral é reforçado por uma cantopexia lateral, obtém-se facilmente o posicionamento adequado da pálpebra inferior.

 

CONCLUSÃO

A elevação da fáscia suborbicular associada à cantopexia lateral pode permitir o fechamento primário de defeitos relativamente grandes da lamela anterior da pálpebra inferior, para os quais, em condições normais, seria necessário enxerto de pele de espessura total ou retalho local. Este procedimento parece ser uma alternativa relativamente simples aos retalhos e enxertos, principalmente nos defeitos que afetam os terços centrais ou laterais da pálpebra inferior. A escolha deste método deve ser cautelosa em pacientes com diminuição da elasticidade da pálpebra inferior (“snapback” teste anormal), em defeitos muito próximos à margem palpebral ou naqueles localizados na parte medial da pálpebra inferior.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Ricardo Vieira | ORCID 0000-0002-5914-9171
Redação do manuscrito, tendo sido o cirurgião responsável pelo procedimento cirúrgico apresentado.

André Pinho | ORCID 0000-0001-6433-311X
Revisão do manuscrito e membro da equipa cirúrgica responsável pelo procedimento cirúrgico apresentado.

Ana Brinca | ORCID 0000-0002-7539-9912
Revisão do manuscrito e membro da equipa cirúrgica responsável pelo procedimento cirúrgico apresentado.

 

REFERÊNCIAS

1. Hayano SM, Whipple KM, Korn BS, Kikkawa DO. Principles of periocular reconstruction following excision of cutaneous malignancy. J Skin Cancer 2012;2012: 438502.

2. Subramanian N. Reconstructions of eyelid defects. Indian J Plast Surg. 2011;44(1): 5-13.

3. Baek JS, Kim KH, Lee JH, Choi HS. Ophtalmologic complications associated with oculofacial plastic and esthetic surgeries. J Caraniofac Surg. 2018;29(5):1208-11.

4. Oestreicher J, Mehta S. Complications of blepharoplasty: prevention and management. Plast Surg Int. 2012; 2012: 252368.

5. Khan M, Aziz K, Javed A, Gorman M, Othman D, Riaz M. Modified lower eyelid blepharoplasty improves aesthetic outcomes in patients with hypoplastic malar prominences. Plast Aesthet Res. 2017;4:228-35.

6. Amodeo CA, Casasco A, Cornaglia AI, Kang R, Keller GS. The suborbicular oculi fat (SOOF) and the fascial planes: has everything already been explained? JAMA Facial Plast Surg. 2014;16(1):36-41.


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