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Artigo Original

Ensaio clínico randomizado e unicego comparando a aplicação de toxina onabotulínica intradérmica versus intramuscular na região frontal

Mauricio de Quadros1; Mariana Silveira Ferreira Mylius2; Suelen Raquel Sebben1; Ana Paula Lodi1; Gabriela Mosena3; Analupe Webber4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20181041281

Data de recebimento: 11/11/2018
Data de aprovação: 30/11/2018
Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – Porto Alegre (RS), Brasil
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum


Abstract

INTRODUÇÃO: A aplicação-padrão da toxina botulínica para linhas frontais é feita no plano intramuscular. Alguns autores têm sugerido que a combinação com pontos intradérmicos pode trazer resultado mais natural, evitando o efeito muito paralisante do uso apenas intramuscular.
OBJETIVO: Estabelecer se o efeito paralisante da toxina onabotulínica tipo A na fronte, aplicada de forma intradérmica, é tão efetivo quanto o da mesma toxina aplicada de forma intramuscular após: 48 horas, uma, duas, quatro, oito e 12 semanas para o tratamento de linhas frontais.
MATERIAIS E MÉTODOS: 16 pacientes com rugas frontais foram randomizadas para receber toxina onabotulínica intramuscular ou intradérmica e foram reavaliadas em 48 horas, uma e duas semanas, um, dois, e três meses.
RESULTADOS: Foram coletados dados de 16 pacientes. A média de idade foi 33 anos (desvio-padrão 5,96). Em duas semanas a paralisia ocorreu em 93,3% no lado intramuscular e em 53,5% no lado intradérmico (p = 0,07). A nota mediana de dor foi 2,69 no lado intramuscular e 4 no lado intradérmico (p = 0,072).
CONCLUSÕES: apesar da mais alta frequência da presença de paralisia no lado intramuscular em todas as avaliações, não houve diferença estatisticamente significativa entre os lados.


Keywords: Injeções intradérmicas; Injeções intramusculares; Toxinas botulínicas tipo A


INTRODUÇÃO

Toxina botulínica (TB) tipo A é uma potente neurotoxina, derivada da bactéria Clostridium botulinum, que exerce seu efeito na junção neuromuscular pela inibição da liberação de acetilcolina, o que causa bloqueio neuromuscular temporário.1 Diversas publicações trouxeram recomendações sobre o tratamento com TB na região frontal.2,3 O músculo frontal se origina na gálea aponeurótica, próximo à sutura coronal e se insere no rebordo do osso frontal na região do supercílio, entrelaçando-se com as fibras dos músculos prócero, corrugador e orbicular ocular.4

Recomenda-se sempre tratar o músculo frontal em conjunto com a glabela, visto que o frontal é responsável pela elevação do terço superior da face e fundamental no posicionamento das sobrancelhas.5 O tratamento da fronte pode ser realizado no plano intramuscular (IM), mas alguns experts recomendam injeção intradérmica (ID) na fronte, especialmente próximo às sobrancelhas, para obter uma liberação mais superficial da toxina ao longo do frontal com o objetivo de modular a profundidade e a magnitude do efeito, tratando as linhas sem causar rebaixamento da sobrancelha.3 Iozzo et al. sugeriram uma técnica combinada de aplicação (ID e IM) de acordo com a força muscular e demonstraram que o nível de injeção regula a potência do efeito no músculo: quanto mais profundo, mais forte o efeito. Segundo os autores, a associação da aplicação da TB em diferentes níveis (IM, subcutâneo ou ID) proporciona resultados estéticos naturais, evitando resultado excessivamente paralisante, como no caso de somente aplicação IM.6

Jiang et al. demonstraram que o halo de difusão da TB na região frontal é menor quando a aplicação é realizada de maneira ID em relação à aplicação IM.7

Alguns estudos demonstram os benefícios da aplicação ID de TB, tais como relaxamento das bandas depressoras do platisma e das fibras laterais do orbicular do olho levando a um efeito de lifting facial,8,9,10 redução da produção de sebo, melhora da textura da pele e do eritema em pacientes portadores de rosácea.11-15

O presente estudo pretende comparar eficácia e durabilidade da aplicação da TB ID no tratamento das linhas dinâmicas frontais em relação à aplicação usual IM, bem como simetria. Os pacientes também serão avaliados quanto à dor nas duas técnicas.

 

MÉTODOS

Foi realizado ensaio clínico randomizado, cego, entre novembro de 2017 e maio de 2018. Pacientes entre 25 e 55 anos com rugas frontais de padrão simétrico, oriundos do Ambulatório de Dermatologia da Santa Casa de Porto Alegre, RG, Brasil, foram convidados a participar do estudo. Usando método de amostragem por conveniência, foram selecionados 16 pacientes, que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, tendo todos completado o estudo. Seriam excluídos os pacientes que apresentassem doença neuromuscular, alergia à TB do tipo A, paralisia facial, padrão frontal assimétrico, história de aplicação de TB há menos de 12 meses, história de lifting facial e uso de medicamentos que interferem na junção neuromuscular (aminoglicosídeos e bloqueadores do canal de cálcio). A TB foi reconstituída em 1ml de soro fisiológico 0,9% e a aplicação foi realizada com seringas BD Ultra-fineTM de 0,3ml com agulha conectada de 30G½.

Um só pesquisador aplicou em todos os pacientes participantes de 4U (2 pontos) a 6U (3 pontos) da TB na região frontal de forma IM em um dos lados e, no outro lado, igual quantidade da substância de forma ID. Os pacientes foram orientados a evitar manipulação ou massagem no local tratado, deitar em posição horizontal durante quatro horas e fazer exercícios físicos nas 24 horas seguintes.

Para avaliar a presença de paralisia muscular e simetria foram realizados registros fotográficos e vídeos da face dos pacientes em repouso e contraindo ao máximo a musculatura da região frontal, antes e após o procedimento, e nas seis avaliações subsequentes (48 horas, uma, duas, quatro, oito e 12 semanas). Os pacientes responderam a questionários ao longo da pesquisa para avaliar satisfação, efeitos adversos, dor e durabilidade do tratamento. Após o procedimento, três avaliadores cegados em relação ao lado tratado de forma IM e ao lado tratado de forma ID analisaram os vídeos, as fotografias e as respostas aos questionários de cada etapa. Caso houvesse discordância, fotos e vídeos eram reanalisados em grupo até obtenção de consenso.

Os dados foram digitados no programa Excel e posteriormente exportados para o programa SPSS v. 20.0 para análise estatística. Foram descritas as variáveis categóricas por frequências e percentuais. As variáveis quantitativas foram descritas pela mediana, o mínimo e o máximo quando assimétricas ou media e desvio-padrão quando simétricas. Foram comparadas as variáveis categóricas entre os tratamentos pelo teste de McNemar e as quantitativas pelo teste de Wilcoxon. Foi considerado nível de significância de 5% para as comparações estabelecidas. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Santa Casa de Porto Alegre (CAAE número 73221517.5.0000.5335), e o estudo está de acordo com a Declaração de Helsinki.

 

RESULTADOS

Foram coletados os dados de 16 pacientes. A média de idade foi de 33 anos (desvio-padrão de 5,97), com idade mínima de 25 e máxima de 45 anos (Tabela 1).

Em um e dois meses apenas 50% dos pacientes apresentavam simetria do efeito paralisante (Gráfico 1) e entre uma semana e dois meses metade dos pacientes apresentava maior paralisia no lado de aplicação intramuscular (Gráfico 2). A paralisia foi mais frequente no grupo intramuscular em todas as reavaliações (Tabela 2). Houve maior nota de dor no lado em que a toxina foi aplicada ID em relação ao lado IM (Tabela 3).

 

DISCUSSÃO

A toxina botulínica exerce seu efeito na junção neuromuscular, inibe a liberação da acetilcolina, gerando fraqueza ou paralisia do músculo. O uso da TB tipo A para o tratamento das rugas dinâmicas é o procedimento cosmético mais utilizado em todo o mundo. Essa toxina pode proporcionar resultados estéticos naturais, preservando ao máximo as mímicas e as expressões faciais, evitando “aspecto congelado” da face.3,6 No estudo de Lozzo et al. foi demonstrada técnica combinada de níveis de aplicação (ID, SC e IM) de acordo com a força muscular, permitindo melhor regulação da potência do efeito no músculo: quanto mais profundo, mais forte o efeito.6

O principal objetivo deste estudo foi estabelecer se o efeito paralisante da toxina onabotulínica tipo A aplicada de forma ID é tão efetivo quanto o efeito da mesma toxina aplicada IM em 48 horas e uma, duas, quatro, oito e 12 semanas para o tratamento das linhas dinâmicas frontais. Apesar da maior frequência de paralisia muscular encontrada no lado IM (diferença acima de 30% em duas semanas, um mês e dois meses após a aplicação), ela não foi suficiente para ser estatisticamente significativa. Gordin e colaboradores compararam a aplicação da toxina botulínica tipo A subcutânea (SC) à aplicação intramuscular (IM) no músculo frontal de 19 pacientes e descreveram que não houve diferença estatisticamente significativa entre as duas técnicas quando avaliada a atividade muscular.16 Estudo realizado por Campos e colaboradores utilizou como modelo experimental coelhos que receberam toxina botulínica tipo A intramuscular e perimuscular. Os grupos foram comparados com estudo eletroneuromiográfico e não apresentaram diferença estatisticamente significativa quanto ao bloqueio neuromuscular induzido pela toxina botulínica nesses dois locais de aplicação.17

No presente estudo, a durabilidade da aplicação e a simetria também foram avaliadas. Observou-se que mais de 90% dos pacientes apresentaram paralisia no lado IM da aplicação entre duas semanas e dois meses; em contrapartida, no lado IM, cerca de 50% apresentavam paralisia, porém essa diferença não foi estatisticamente significativa. No terceiro mês de observação, 62,2% dos pacientes apresentavam simetria entre os planos de aplicação. A durabilidade do efeito da TB varia em diferentes pacientes e pode ser influenciada por doses baixas, formação de anticorpos e diferenças na anatomia muscular (idade, sexo, diferentes padrões de musculatura frontal). Um dos fatores que poderia influenciar a durabilidade seria o uso mais superficial da toxina, tornando-a menos duradoura.18 Em relação à tolerância à dor nas duas técnicas, foi observada maior pontuação no lado de aplicação ID, que, entretanto, não foi suficiente para apontar diferença estatisticamente significativa. No entanto, no estudo conduzido por Gordin et al., foi observada maior pontuação para dor com a aplicação IM em relação à aplicação SC.16

Os resultados deste estudo apresentam como principal limitação o pequeno tamanho da amostra. Dessa forma, um valor não significativo permitiu afirmar não haver diferença ou que a amostra era muito pequena para detectar alguma diferença. O estudo não se propôs a avaliar as doses necessárias para obtenção de melhores resultados clínicos na região frontal, pois usou dose igual para todos os pacientes com o objetivo de verificar paralisia e simetria relativas às duas diferentes formas de aplicação. Por fim, os avaliadores cegados fizeram avaliação subjetiva de fotos e vídeos por não haver escala objetiva de medida.

 

CONCLUSÃO

Apesar da maior frequência de paralisia encontrada em duas semanas, um mês e dois meses no lado IM, não houve diferença estatisticamente significativa na eficácia e durabilidade da aplicação da TB quando comparados o plano IM e o ID no tratamento das linhas dinâmicas frontais, bem como na simetria. Os dados indicam que a durabilidade foi semelhante nos dois grupos. Não houve diferença estatisticamente significativa na intensidade de dor comparando as duas formas de aplicação.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Mauricio de Quadros | ORCID 0000-0003-1824-1729
Análise estatística, aprovação da versão final do original, concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do original, obtenção, análise e interpretação dos dados, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica da literatura, revisão crítica do original

Mariana Silveira Ferreira Mylius | ORCID 0000-0002-1741-8652
Aprovação da versão final do original, concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do original, obtenção, análise e interpretação dos dados, revisão crítica da literatura, revisão crítica do manuscrito

Suelen Raquel Sebben | ORCID 0000-0003-2867-1642
Aprovação da versão final do original, concepção e planejamento do estudo, obtenção, análise e interpretação dos dados, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica da literatura

Ana Paula Lodi | ORCID 0000-0002-9468-1366
Aprovação da versão final do original, concepção e planejamento do estudo, obtenção, análise e interpretação dos dados, revisão crítica da literatura

Gabriela Mosena | ORCID 0000-0002-4907-2713
Aprovação da versão final do original, concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do manuscrito, obtenção, análise e interpretação dos dados, revisão crítica da literatura

Analupe Webber | ORCID 0000-0002-8781-743X
Aprovação da versão final do original, concepção e planejamento do estudo, obtenção, análise e interpretação dos dados, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica da literatura, revisão crítica do manuscrito

 

REFERÊNCIAS

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