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Relato de casos

Carcinoma de células escamosas cutâneo-invasivo - relato de caso

Erica Baptista Pinto1; Carla Andréa Avelar Pires1; Walter Refkalefsky Loureiro1; Patrícia Isabel Bahia Mendes2; Samira Oliveira Silveira1; Francisca Regina Oliveira Carneiro1

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2018103992

Data de recebimento: 24/03/2017

Data de aprovação: 24/09/2018


Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia, Universidade do Estado do Pará – Belém (PA), Brasil.

Suporte Financeiro: Nenhum

Conflito de Interesses: Nenhum


Abstract

O carcinoma de células escamosas cutâneo é resultante da proliferação maligna dos queratinócitos. Costuma surgir da evolução de lesões precursoras, mas pode crescer espontaneamente na pele normal ou cronicamente inflamada. O carcinoma de células escamosas invasivo corresponde à segunda forma mais comum de câncer da pele não melanoma e representa 20% de todas as neoplasias cutâneas. Este trabalho relata um caso clínico de carcinoma de células escamosas cutâneo, rapidamente progressivo e com metástases regionais, que mesmo com a ressecção completa e esvaziamento ganglionar, apresentou pouca resposta terapêutica e evoluiu a óbito.


Keywords: Carcinoma de células escamosas; Metástase neoplásica; Neoplasias cutâneas; Patologia


O câncer de pele não melanoma é o tumor mais incidente no mundo. No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer estimou, para o biênio 2016-2017, 175.760 novos casos.1 O carcinoma de células escamosas (CEC) cutâneo é resultante da proliferação maligna de queratinócitos da epiderme ou de seus apêndices. Costuma surgir de lesões precursoras (ceratose actínica; doença de Bowen), mas também pode crescer espontaneamente em pele normal ou com desordens inflamatórias crônicas. Considerando apenas as formas invasivas, é a segunda forma mais comum de câncer da pele não melanoma, representando 20% de todas as neoplasias cutâneas.2

O CEC pode enviar implantes inicialmente para linfo-nodos regionais e, posteriormente, para locais distantes. Apesar do baixo potencial metastático, esse fato está associado a pior prognóstico e sobrevivência média inferior a dois anos.3

Tem etiologia multifatorial, e a radiação ultravioleta (UV) crônica como fator de risco mais importante, o que explica o aumento da incidência com a idade e em locais de baixas latitudes, correlacionando-se com maior intensidade de luz ambiente. Em 90% dos casos, o tumor ocorre em áreas cronicamente expostas à radiação UV, como cabeça, pescoço, dorso das mãos e antebraços, sendo mais comum em pacientes que trabalham ao ar livre. Outros fatores são: radiações ionizantes, genodermatoses, infecções pelo HPV oncogênico, agentes químicos e imunossupressão4.

Geralmente, o CEC começa como lesão pequena e endurecida, que se pode infiltrar extensa e profundamente, devido a seu rápido crescimento. A lesão pode ser descamativa, irregular, verrucosa, crateriforme (ceratoacantoma-Zíke), ulcerada ou ne-crótica.3 Neste trabalho é relatado um caso de carcinoma de células escamosas rapidamente progressivo e metastático.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, fototipo IV, 50 anos, lavrador, apresentava ulceração há aproximadamente quatro meses. Na primeira consulta, a lesão se estendia da região cervical posterior até o terço proximal da escapula direita, medindo 9,8 x 14,1cm. Possuía fundo necrótico e vegetante, friável, com bordas irregulares, elevadas, infiltradas e eritematosas, aderentes aos planos profundos, com secreção purulenta (Figura 1). O paciente referia dor local intensa, febre noturna e perda de peso.

Realizada biópsia da lesão, a análise histopatológica demonstrou substituição de estruturas dérmicas por blocos sólidos constituídos por células escamosas atípicas, de núcleos hipercro-máticos, com dois ou mais nucléolos, atipia mitótica e citoplasma amplo, eosinofílico, compatíveis com CEC moderadamente diferenciado (Figuras 2 e 3).

As tomografias computadorizadas do pescoço e tórax demonstraram intenso comprometimento de partes moles na transição cervicotorácica posterior direita, acometendo pele, subcutâneo e com perda do plano de clivagem com o músculo trapézio. Imagens sugestivas de linfonodomegalias cervicais, com centro necrótico bilateralmente, medindo 3,8 x 3,4cm à direita e 2,1 x 1,6cm à esquerda, compatíveis com implantes secundários da doença.

Classificado como T3N2M0, o paciente foi encaminhado a um hospital de referência em cirurgia oncológica, onde foi realizada a ressecção da lesão e dos linfonodos acometidos e solicitada a cultura da ferida operatória para programação de enxertia (Figura 4).

A análise histológica da peça cirúrgica referiu CEC bem diferenciado e ulcerado, com margem profunda livre, porém exígua, e demais margens livres. O esvaziamento cervical nível 2 apresentou três linfonodos livres de neoplasia, mas o linfo-nodo axilar demonstrou três linfonodos comprometidos pela neoplasia.

Posteriormente, houve surgimento de lesões residuais e fistulização de linfonodos axilares. Após 25 dias foi submetido a nova cirurgia para linfadenectomia axilar bilateral e ressecção de área de recidiva no pescoço.

Evoluiu com drenagem de exsudato purulento pela ferida operatoria, com cultura positiva para Acinetobacter, e obituou devido a choque séptico.

 

DISCUSSÃO

O diagnóstico de CEC é estabelecido histologicamente com a demonstração de queratinócitos atípicos originários da epiderme infiltrando-se na derme. Podem ser bem diferenciados, apresentando pleomorfismo mínimo e queratinização proeminente com pérolas córneas; ou pouco diferenciados, com núcleos pleomórficos com alto grau de atipia, mitoses frequentes e poucas pérolas córneas. Em casos raros de diagnóstico incerto, especialmente em tumores não queratinizantes, podem ser aplicados marcadores imuno-histoquímicos de diferenciação, tais como citoqueratinas ou marcadores biológicos moleculares.5

A doença precoce é frequentemente curável com terapia local. Em uma grande análise prospectiva dos resultados em pacientes submetidos à excisão, a taxa de sobrevida em três anos foi de 100% para os pacientes sem fatores de risco adversos, mas caiu para 70% se pelo menos um fator de risco estivesse presente.6 Um grande estudo, com mais de 900 pacientes com CEC cutâneo acompanhados durante aproximadamente 10 anos demonstrou taxas de 4,6% de recorrência, 3,7% para doença nodal e 2,1% de evolução para óbito.7

O risco metastático é baixo na maioria dos pacientes, não excedendo 3-5% ao longo de seguimento de cinco anos. Aproximadamente 85% das metástases envolvem linfonodos regionais, seguidos de metástases a distância em pulmões, fígado, cérebro, pele e ossos.3 Tumores metastáticos do tronco e extremidades podem, às vezes, envolver os linfonodos axilares e inguinais. No estudo de Joseph et al.,8 com 695 casos de CEC cutâneo, a taxa de mortalidade foi 70,6% nos 34 casos de CEC metastático, com quase metade dessas mortes devida a recidiva inoperável ou regional da doença sem evidência de metástases a distância. Similarmente, Oddone et al.9 observaram que dos 250 pacientes com doença metastática regional da cabeça e pescoço, 70 desenvolveram doença recorrente regional, dos quais 73% evoluíram para óbito.

Vários parâmetros clínicos e histológicos têm sido estabelecidos como fatores prognósticos com risco potencial me-tastático aumentado. Eles incluem localização do tumor (orelha, lábio e áreas de úlceras crônicas duradouras ou inflamação crônica), tamanho clínico (> 2cm), extensão histológica (além do tecido subcutâneo), tipo histológico (acantolítico, fusiforme e subtipos desmoplásicos) e grau de diferenciação (pouco diferenciado ou indiferenciado), recorrência e imunossupressão. A taxa de crescimento (tumores de crescimento rápido versus tumores de crescimento lento) também foi incluída em vários esquemas de estratificação de risco. Além disso, excisão com margem positiva é considerada risco independente para recidiva locorregio-nal e deve ser classificada como tumor de alto risco.4 Dessa forma, o caso clínico corrobora os achados da literatura, classificado como alto risco.

Recentemente, a espessura tumoral vertical vem sendo considerada, desde que evidências demonstram que tumores com < 2mm têm 0% de taxa metastática em comparação com tumores de > 2mm de espessura, que apresentam taxa metastáti-ca de > 4%. Os tumores em doentes imunossuprimidos demonstram crescimento mais rápido, maior probabilidade de recorrência local e risco de cinco a dez vezes maior para metástases.10

O tratamento de primeira linha é a excisão completa com controle histopatológico das margens cirúrgicas. Pode ser feita de duas formas: a excisão cirúrgica-padrão seguida de avaliação patológica pós-operatória de margens e a cirurgia micro-gráfica e suas variantes.10 No caso do envolvimento dos nódulos linfáticos pelo CEC, o tratamento preferido é a dissecção de linfonodos regionais.

Para CEC cutâneo de diâmetro clínico maior que 2cm ou para tumores com mais de 6mm de espessura, ou tumores com outras características prognósticas de alto risco, margem de pelo menos 6mm é considerada necessária.1 O Consenso Europeu de diagnóstico e tratamento de carcinoma de células escamosas cutâneo invasivo3 recomenda margem mínima padronizada de 5mm para tumores de baixo risco e para tumores de alto risco margem estendida de 10mm ou mais.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Erica Baptista Pinto | 0000-0001-7568-0205
Elaboração e redação do original, revisão crítica da literatura, revisão crítica do original.

Carla Andréa Avelar Pires | 0000-0002-3405-0386
Revisão e aprovação da versão final do original, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Walter Refkalefsky Loureiro | 0000-0002-4957-9215
Revisão e aprovação da versão final do original, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Patrícia Isabel Bahia Mendes | 0000-0002-9678-9709
Revisão e aprovação da versão final do original, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Samira Oliveira Silveira | 0000-0001-9872-1786
Revisão e aprovação da versão final do original, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Francisca Regina Oliveira Carneiro | 0000-0001-6735-4004
Revisão e aprovação da versão final do original, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos

 

REFERÊNCIAS

1. Ministério da Saúde do Brasil, Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Estimativa 2016: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2015. 122 p.

2. Rogers HW, Weinstock MA, Harris AR, Hinckley MR, Feldman SR, Fleischer AB, et al. Incidence estimate of nonmelanoma skin cancer in the United States, 2006. Arch Dermatol. 2010;146(3):283-7.

3. Stratigos A, Garbe C, Lebbe C, Malvehy J, Del MV, Pehamberger H, et al. Diagnosis and treatment of invasive squamous cell carcinoma of the skin: European consensus-based interdisciplinary guideline. Eur J Cancer. 2015;51(14): 1989-2007.

4. Kyle A, Kurt AA, Amor K. Cutaneous Squamous Cell Carcinoma: A Review of High-Risk and Metastatic Disease. Am J Clin Dermatol. 2016;17(5):491-508.

5. PetterG, Haustein UF. Squamous cell carcinoma of the skin: histopathologic features and their significance for the clinical outcome. J Eur Acad Dermatol Venereol. 1998;11(1):37-44.

6. Clayman GL, Lee JJ, Holsinger FC, Zhou X, Duvic M, El-Naggar Ak, et al. Mortality risk from squamous cell skin cancer. J Clin Oncol. 2005;23(4):759-65.

7. Schmults CD, Karia PS, Carter JB, Han J, Qureshi AA. Factors predictive of recurrence and death from cutaneous squamous cell carcinoma: a 10- year, single-institution cohort study. JAMA Dermatol. 2013;149(5):541-7.

8. Joseph MG, Zulueta WP, Kennedy PJ. Squamous cell carcinoma of the skin of the trunk and limbs: the incidence of metastases and their outcome. Aust N Z J Surg. 1992;62(9):697-701.

9. Oddone N, Morgan GJ, Palme CE, Perera L, Shannon J, Wong E, et al. Metastatic cutaneous squamous cell carcinoma of the head and neck: the Immunosuppression, Treatment, Extranodal spread, and Margin status (ITEM) prognostic score to predict outcome and the need to improve survival. Cancer. 2009;115(9):1883-91.

10. Breuninger H, Eigentler T, Bootz F, Hauschild A, Kortmann RD, Wolff K, et al. Brief S2k guidelines - cutaneous squamous cell carcinoma. J Dtsch Dermatol Ges. 2013;11(Suppl) 3:37-45.


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