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Relato de casos

Reconstrução de lábio inferior pela w-plastia

Livia Matida Gontijo; Carolina Ferraz do Amaral; Lissa Sabino de Matos; André Luiz Simião

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20181031081

Data de recebimento: 11/09/2017

Data de aprovação: 04/04/2018


Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas) – Campinas (SP), Brasil.

Suporte financeiro: Nenhum

Conflito de interesse: Nenhum


Abstract

O CEC do lábio inferior representa entre 20% e 30% de todos os cânceres da cavidade oral. Atinge principalmente homens com mais de 50 anos que têm histórico prévio de tabagismo, etilismo e exposição solar. O diagnóstico é clínico e confirmado pela análise histopatológica. O presente trabalho relata caso de uma paciente que apresentava carcinoma espinocelular acometendo mais de 1/3 do lábio inferior, mas que devido à grande mobilidade apresentada pela região após a ressecção da lesão primária, optou-se por reconstrução conservadora para preservar a funcionalidade sem comprometer o resultado estético.


Keywords: Carcinoma de células escamosas; Neoplasias bucais; Reconstrução


O câncer da pele é responsável por 25% dos tumores malignos notificados no Brasil, sendo em 70% dos casos carcinoma basocelular (CBC), em 25% carcinoma espinocelular (CEC), em 4% melanoma cutâneo e em 1% relacionado a tipos menos comuns. Os tumores de lábios, por sua vez, correspondem a cerca de 15% de todas as neoplasias da cabeça e pescoço, sendo o lábio inferior, em relação ao superior, o mais acometido. 1,2 O CEC do lábio inferior representa entre 20% e 30% de todos os cânceres da cavidade oral.2 O CEC labial atinge o sexo masculino, principalmente, pacientes expostos ao tabaco, álcool, raios ultravioleta e com 50 anos ou mais, na proporção de 5:1 em relação ao sexo feminino. Raros casos foram vistos em negros e crianças.3,4

Clinicamente o CEC labial inicia-se como pápula ou nódulo eritematoso e hiperqueratótico, evoluindo com diferentes padrões morfológicos, dos quais o verrucoso é o mais esporádico, menos agressivo e com mais chances de cura, enquanto o ulcerado é o mais propenso à invasão das estruturas profundas, e o vegetante o mais prevalente.3,5 Tumores labiais com menos do que 2cm possuem evolução arrastada, bom prognóstico, baixo grau de malignidade e disseminação linfonodal tardia. Isso resulta em incidência de metástases linfonodais de 13,7%, considerada baixa.3-4,6-10 O diagnóstico é clínico e confirmado pela análise histopatológica, na qual se observam ninhos, cordões ou blocos de células epiteliais escamosas originadas na epiderme e que invadem a derme e estruturas profundas. As células apresentam-se com citoplasma eosinofílico e núcleo vesiculoso. Ainda é vista presença de pontes intercelulares e formação de pérolas córneas dependendo da diferenciação tumoral. A classificação histológica de Broders é utilizada para analisar o grau em porcentagem de diferenciação das células.11 Quando diagnosticados precocemente apresentam índice de cura em torno de 90% em cinco anos.

O tratamento de escolha para neoplasias dos lábios é a ressecção cirúrgica. São descritas diversas técnicas para a reconstrução dos lábios e devem ser escolhidas considerando o tamanho causado pelo defeito primário e a mobilidade labial que o paciente apresenta após ressecção da lesão. Os defeitos que acometem até 1/3 do lábio inferior podem ser reconstruídos com fechamento primário, pela excisão em V, M ou pela W-plastia, gerando assim menor perda de funcionalidade.12-15 Em 2016, Morais e Santos, relatam caso em que o paciente foi submetido à W-plastia e obteve resultado estético pós-cirúrgico considerável tanto do ponto de vista do doente quanto do cirurgião dermatológico. Metsavaht, recentemente, realça a importância da indicação adequada da W-plastia e ratifica suas vantagens, citando como exemplo seu fácil planejamento.16-18

 

RELATO DE CASO

Paciente de 84 anos, do sexo feminino, fototipo III, apresentou-se no Ambulatório de Dermatologia da PUC-Campinas, São Paulo, Brasil, referindo lesão no lábio inferior há aproximadamente um ano e meio. Neste período a lesão apresentou crescimento progressivo. Possuía antecedentes pessoais de hipertensão, cardiopatia isquêmica e acidente vascular cerebral prévio há cinco anos, estando em uso de hidroclorotiazida, enalapril, anlodipina, varfarina e clonazepan.

Ao exame físico apresentava tumoração de aproximadamente 2cm acometendo toda a espessura do vermelhão do lábio inferior, à direita (Figura 1).

Na região da mucosa a lesão apresentava superfície verrucosa e na região de semimucosa apresentava-se eritêmato-que-ratótica encimada por crostas.

Apesar de a lesão aparentemente acometer apenas 1/3 do lábio, à palpação acometia aproximadamente 2/3 do lábio inferior, revelando-se muito maior. Não apresentava linfonodos palpáveis em cadeias cervicais, supraclaviculares e axilares.

O diagnóstico clínico de carcinoma espinocelular foi confirmado por biópsia incisional, a qual revelou neoplasia de células escamosas bem diferenciadas. Optamos por exérese completa da lesão considerando seu padrão de crescimento, tipo histológico e localização, favorecendo metástases.

A paciente foi submetida, em regime ambulatorial e com anestesia local, à excisão total da lesão com margem de 0,5cm, resultando em defeito de aproximadamente 2/3 do lábio inferior à direita, com espessura total (Figura 2). Apesar de não haver indicação para defeitos maiores do que 1/3 do lábio, optou-se pela W-plastia, pois após a exérese da tumoração observou-se que a paciente apresentava boa elasticidade e mobilidade da região, podendo então ser submetida a uma técnica mais simples que preservaria as funções motoras do lábio sem perda estética significativa. A W-plastia foi realizada a partir da excisão de um conjunto de pequenos triângulos subsequentes da rima bucal e mucosa oral até o terço superior do mento, na porção inferior ao defeito anatômico, originando assim um “W”. O procedimento foi realizado sem intercorrências.

Foi realizada hemostasia e sutura inicialmente no plano muscular com fio de Vycril® 40 (Ethicon, Nova Jersey, EUA) na pele com náilon 5.0 e finalmente na mucosa com catgut 5.0. Os bordos foram reaproximados de forma a que as pontas dos retalhos triangulares se interdigitassem, formando, assim, uma linha única em “Y” ao contrário. O curativo foi realizado com gase e micropore, tendo sido orientados cuidados domiciliares com água; sabonete e gel de vaselina duas vezes ao dia. A paciente retornou ao ambulatório após quatro dias, apresentando boa cicatrização, discreto edema e mobilidade satisfatória do lábio inferior (Figura 3).

Os pontos foram retirados após 12 dias. Após 60 dias, a paciente se mostrou satisfeita com o resultado estético e funcional, observando-se cicatriz quase imperceptível (Figura 4).

 

CONCLUSÃO

Apresentou-se caso de carcinoma espinocelular que acometia aproximadamente 2/3 do lábio inferior à direita e, apesar da técnica de W-plastia não ser recomendada para defeitos maiores que 1/3 do lábio inferior, optou-se por sua realização devido a seu baixo potencial de perda na funcionalidade. Cabe aqui ressaltar que nesse caso a paciente apresentava boa mobilidade da região, o que possibilitou esse tipo de reconstrução. Podemos, portanto, concluir que a avaliação individual de cada caso e a experiência do cirurgião dermatológico são condições essenciais para bons resultados tanto funcionais quanto estéticos.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Livia Matida Gontijo | 0000-0003-0130-7525
Revisão literararia, preparo do artigo, realizaçao da cirurgia.

Carolina Ferraz do Amaral | 0000-0001-7102-3873
Revisão literaria, ajudante de cirurgia.

Lissa Sabino de Matos | 0000-0002323393
Revisão final do artigo, orientação da cirurgia.

André Luiz Simião | 0000-0002-0246-2001
Mentor do artigo, revisão final, orientador da cirurgia.

 

REFERÊNCIAS

1. Andra C, Rauch J, Li M, Ganswindt U, Belka C, Saleh Ebrahimi L, et al. Excellent local control and survival after postoperative or definitive radiation therapy for sarcomas of the head and neck. Radiat Oncol. 2015;10:140.

2. Inca.gov.br [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva; c1996-2018 [atualizado 1 out 2018; citado set 2017]. Disponível em: http://www2.inca.gov.br/.

3. Abreu MAMM, Pimentel DRN, Silva OMP, Blachman IT, Michalany NS, Hirata CHW, et al. Alchorne Carcinoma espinocelular do lábio: avaliação de fatores prognósticos. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70(6):765-770.

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