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Diagnóstico por Imagem

Apresentação exuberante de caso de esclerose sistêmica

Gabriela Momente Miquelin; Elizabeth Leocadia Fernandes; Mariana Morais Tavares Colferai; Camila Carneiro Marques; Eduardo Figueiredo Gatti; Denise Steiner; Luciana Couto e Silva

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2018103946

Data de recebimento: 24/11/2017

Data de aprovação: 24/09/2018


Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) - Mogi das Cruzes (SP), Brasil.

Suporte financeiro: Nenhum

Conflito de interesse: Nenhum


Abstract

A esclerose sistêmica (ES) é doença autoimune do tecido conjuntivo de etiologia desconhecida, caracterizada pela esclerose (fibrose), que afeta a pele, vasos sanguíneos e órgãos internos. O diagnóstico é firmado pelo quadro clínico compatível, pesquisa de autoanticorpos e capilaroscopia do leito ungueal. Destaca-se neste relato a importância do médico dermatologista frente ao diagnóstico de doenças sistêmicas. Na observação da pele, visível e palpável em todas as suas dimensões e na interpretação de todos os seus sinais, conclui-se que é possível revelar precocemente problemas internos que poderiam evoluir de forma oculta.


Keywords: Escleroderma sistêmico; Fibrose; Autoanticorpos


INTRODUÇÃO

A esclerose sistêmica (ES) é doença autoimune do tecido conjuntivo de etiologia desconhecida, caracterizada pela esclerose (fibrose), que afeta a pele, vasos sanguíneos e órgãos internos.1,2 Apresenta distribuição universal e atinge todas as raças e faixas etárias. As mulheres são afetadas de três a quatro vezes mais do que os homens, e a idade de início, ocorre entre 30 e 50 anos.2,3 As principais anormalidades patogênicas são disfunção vascular de pequenas artérias e microvasos, gerando um estado de isquemia tecidual crônica; ativação imune, com produção de autoanticorpos, que leva à mobilização de células inflamatórias, fibroblastos e fibrose tecidual.4 Classifica-se em: esclerose sistêmica limitada, que inclui a síndrome Crest (calcinose, Raynaud, esofagopatia, esclerodactilia e telangectasias); esclerose sistêmica difusa; forma visceral.2 Dentre as manifestações cutâneas, destacam-se a esclerodactilia; as úlceras cutâneas nas pontas dos dedos e sobre as articulações interfalengianas; a microstomia; a leucomelanodermia; as telangectasisas e a calcinose cutânea distrófica.

Nos vasos, o fenômeno de Raynaud é a principal manifestação e nos órgãos internos, evidenciam-se a esofagopatia, alveolite com fibrose intersticial pulmonar, vasculopatia pulmonar com hipertensão arterial pulmonar (HAP), crise renal da esclerodermia.1-3 O diagnóstico é firmado pelo quadro clínico compatível, pesquisa de autoanticorpos e capilaroscopia do leito ungueal. Os fatores antinuclear e reumatoide podem ser positivos.1,3 Os principais autoanticorpos associados à esclerodermia estão reunidos no quadro 1. A capilaroscopia do leito ungueal reflete o comprometimento característico de pequenos vasos; sua sensibilidade para o diagnóstico é de 98%. É um dos vários métodos não invasivos de bioengenharia utilizados para investigar a microcirculação da pele. É exame eficaz para avaliar alterações microvasculares na circulação periférica, tendo, portanto, papel significativo para o diagnóstico da esclerose sistêmica.5 Na histologia, há esclerose densa na derme, com colágeno compacto ou hialinizado, glândulas écrinas e pilossebáceas atróficas, perda da gordura subcutânea e infiltrado linfocítico esparso na derme e hipoderme; estruturas anexiais podem ser encarceradas pela excessiva deposição de colágeno.1 Os diagnósticos diferenciais são escleredema, escleromixedema, dermopatia nefrogênica fibrosante, amiloidose, fasciíte eosinofílica, porfiria cutânea tarda, doença enxerto-hospedeiro crônica.1,3 O tratamento é um desafio e compreende a prevenção do vasoespasmo e desbridamento das úlceras cutâneas; para a esclerose cutânea pode ser usada a D-penicilamina, o metotrexato, a Puva, além de uma longa lista de outros agentes testados, a maioria se mostrando ineficaz.3

 

RELATO DO CASO

Homem, 47 anos, branco, referindo queixa de artralgia e edema em mãos desde 2013; e também perda ponderal. Nega febre, demais sintomas sistêmicos, uso medicamentoso crônico ou demais comorbidades. Ao exame dermatológico, observou-se espessamento e rigidez da pele de maneira difusa na face, dedos e mãos; pele com aparência brilhante e tensa na face, com diminuição expressiva das rítides; diminuição da abertura da rima bucal; afilamento do nariz; dedos das mãos com tonalidade violácea distal (Figuras 1 e 2). Aventada hipótese diagnóstica de esclerose sistêmica. Os exames laboratoriais revelaram: FAN Reagente 1/320 com padrão misto do tipo nucleolar e nuclear pontilhado fino; anti-Scl-70, anticentrômero, anti-Ro, anti-La, anti-DNA de dupla hélice, anti-Jo-1 não reagentes. A capilaroscopia panorâmica periungueal evidenciou a presença de intensa dilatação capilar e moderada desvascularização de distribuição difusa, micro-hemorragia moderada de padrão focal, microangiopatia de padrão SD (scleroderma pattern) definida (Figura 3). A tomografia computadorizada do tórax demonstrou opacidades com atenuação “em vidro fosco” nas bases pulmonares, imagens nodulares mal definidas com distribuição centrolobular e padrão de “árvore em brotamento”, achados que podem estar relacionados à pneumonia intersticial não específica. A prova de função pulmonar caracterizou distúrbio ventilatório obstrutivo discreto. O exame anatomopatológico revelou: epiderme preservada, derme superficial apresentando infiltrado inflamatório linfocitário, derme reticular apresentando fibrose pauci-inflamatória entre os folículos pilosos que ainda se encontram preservados; no infiltrado inflamatório, há também a presença de numerosos eosinófilos; uma banda hialina paucicelular se estende da derme reticular até o subcutâneo e a fáscia subjacente, com hialinização da parede dos vasos, compatível com esclerodermia (Figura 4). Introduzido metotrexato 15mg/semana; acompanhamento conjunto com o reumatologista e o pneumologista.

 

CONCLUSÃO

A esclerose sistêmica é protótipo de doença autoimune idiopática, caracterizada por ativação do sistema imunitário, inflamação crônica, e, finalmente, a fibrose.6 Destaca-se neste relato a importância do médico dermatologista frente ao diagnóstico de doenças sistêmicas; na interpretação da pele que é visível em todas as suas dimensões e pode ser diretamente palpável, e como ela pode revelar precocemente, problemas internos que poderiam evoluir de forma oculta.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Gabriela Momente Miquelin | ORCID 0000-0002-8247-321X
Revisão bibliográfica, formulação do artigo, registro fotográfico, submissão do artigo.

Elizabeth Leocadia Fernandes | ORCID 0000-0002-2681-6775
Orientação, discussão, correção e revisão final do artigo.

Mariana Morais Tavares Colferai | ORCID 0000-0002-1667-4988
Revisão bibliográfica, formulação do artigo.

Camila Carneiro Marques | ORCID 0000-0002-1905-088X
Revisão bibliográfica, correção das fotografias.

Eduardo Figueiredo Gatti | ORCID 0000-0001-9544-500X
Revisão bibliográfica, correção ortográfica.

Denise Steiner | ORCID 0000-0001-6450-9234
Orientação e discussão do artigo.

Luciana Couto e Silva | ORCID 0000-0002-0516-1300
Revisão bibliográfica e registro fotográfico.

 

REFERÊNCIAS

1. Sampaio SAP, Rivitti EA. Dermatologia. 3.ed.rev. e ampl. São Paulo: Artes médicas, 2007.

2. Belda Junior W, Di Chiacchio N, Criado PR. Tratado de Dermatologia. 2 ed. São Paulo: Atheneu,2014.

3. Azulay RD, Azulay DR. Dermatologia. 4.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.

4. Manetti M, Guiducci S, Matucci-Cerinic M. The crowded crossroad to angiogenesis in systemic sclerosis: where is the key to the problem? Arthritis Res Ther. 2016;18(2):36-8.

5. Emrani Z, Karbalaie A, Fatemi A, Etehadtavakol M, Erlandsson BE. Capillary density: An important parameter in nailfold capillaroscopy. Micro-vasc Res. 2017; 109:7-18.

6. O'Reilly S, van Laar JM. Connective tissue diseases: nucleosomes and systemic sclerosis. Nat Rev Rheumatol. 2016;12(3):138-9.


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