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Artigo Original

Comparação entre retalho paramediano frontal e retalho interpolado do sulco nasogeniano para reconstrução nasal após cirurgia micrográfica de Mohs

Felipe Bochnia Cerci

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20181031167

Data de recebimento: 24/03/2018
Data de aprovação: 27/09/2018


Trabalho realizado no Hospital Santa Casa de Curitiba e no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná - Curitiba (PR), Brasil.
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum


Abstract

INTRODUÇÃO: Os retalhos interpolados constituem técnica consagrada para reconstrução nasal após remoção de câncer da pele. Idealmente, devem ser realizados após análise completa das margens cirúrgicas pela cirurgia micrográfica de Mohs.
OBJETIVO: Comparar o retalho paramediano frontal com o retalho interpolado do sulco nasogeniano para reconstrução nasal após cirurgia de Mohs.
MÉTODOS: Estudo retrospectivo descritivo de amostra consecutiva de pacientes submetidos a retalhos interpolados para reconstrução nasal após cirurgia de Mohs.
RESULTADOS: Vinte pacientes foram incluídos no estudo, dez submetidos a cada tipo de retalho. Dezoito (90%) pacientes tinham defeitos que envolviam múltiplas subunidades anatômicas nasais. Ponta (n = 10) e dorso nasal (n = 7) foram as mais afetadas em pacientes reparados com retalho paramediano frontal enquanto asa (n = 10) e parede nasal (n = 7) foram as mais envolvidas nos casos de retalho interpolado do sulco nasogeniano. Remoção de porção adicional de alguma subunidade foi realizada em 15 (75%) pacientes. Complicações foram mínimas e incomuns.
CONCLUSÕES: O retalho paramediano frontal foi mais indicado para defeitos que acometeram ponta e dorso nasais, enquanto o retalho interpolado do sulco nasogeniano foi mais indicado para restauração da asa nasal. O princípio das subunidades nasais permitiu camuflar as incisões.


Keywords: Cirurgia de mohs; Neoplasias nasais; Retalhos cirúrgicos


INTRODUÇÃO

A delicada anatomia do nariz, combinada com sua importância funcional e estética, faz da reconstrução nasal um processo desafiador e recompensador.1 Um resultado satisfatório com preservação da função e restauração da anatomia é fundamental nas diferentes faixas etárias, já que um nariz deformado tem profundo impacto psicológico (e potencialmente fisiológico) no paciente.2

As opções de reparo devem ser individualizadas de acordo com o paciente e a ferida cirúrgica. Diferentes opções podem ser utilizadas, incluindo cicatrização por segunda intenção, fechamento primário, enxertos de pele, retalhos locais, retalhos interpolados e métodos combinados. Em defeitos nasais extensos, entretanto, os retalhos interpolados são capazes de restaurar a anatomia e a função nasal de maneira diferenciada, sem distorcer subunidades anatômicas adjacentes.3-6

Pode-se definir um retalho interpolado como aquele que tem área doadora distante e não contígua com o defeito, pedículo vascular com uma artéria específica e/ou em suas tributárias, e que precisa de mais de um estágio para sua realização integral.7,8 Esse pedículo geralmente contém músculo que garante suprimento vascular robusto, permitindo-lhe suportar maiores volumes de tecido do que pedículos de retalhos locais.9

Os dois retalhos interpolados mais comumente utilizados para reconstrução nasal são o retalho paramediano frontal (RPF) e o retalho interpolado do sulco nasogeniano (RISN). As principais indicações do RPF são feridas extensas e profundas na região distal do nariz (ponta, asa) e dorso, enquanto as do RISN são feridas extensas e profundas da asa nasal. As desvantagens relacionadas aos retalhos são a necessidade de dois ou mais estágios e a cicatriz da área doadora, que, entretanto, geralmente se torna imperceptível, principalmente no RISN (camuflada no sulco nasogeniano).7 Técnica cirúrgica meticulosa e treinamento apropriado são necessários para ótimos resultados.

Previamente à realização dos retalhos interpolados, o planejamento pré-operatório e a discussão com o paciente (e familiares) são extremamente importantes.4 Apesar de essas técnicas em geral levarem a melhores resultados em feridas extensas, enxerto de pele pode ser opção razoável para um paciente cuja prioridade não seja a estética (desde que não prejudique a função), que tenha múltiplas comorbidades ou prefira uma cirurgia em único tempo. Deve-se, entretanto, lembrar que a despeito de o pedículo e a troca de curativo ocasionarem incômodo durante três ou quatro semanas, trata-se de restauração nasal para o restante da vida.4

Os resultados cirúrgicos dependem de planejamento e de execuções precisas. Retalhos interpolados bem executados respeitam subunidades e camuflam as incisões sempre que possível, mesmo em casos grandes e complexos. Antes da reconstrução, entretanto, é fundamental a compreensão do princípio oncológico. Em primeiro lugar, retirar todo o tumor e, em segundo, reconstruir. Uma reconstrução bem-feita é uma falha se não for realizada após retirada completa do tumor.4 Idealmente, retalhos interpolados devem apenas ser realizados após 100% das margens cirúrgicas terem sido avaliadas e estarem livres de tumor. Para isso, a técnica mais usada é a cirurgia micrográfica de Mohs, que tem as maiores taxas de cura para carcinomas basocelulares (CBCs) e espinocelulares (CECs).10,11 Por outro lado, em uma cirurgia convencional, por exemplo, a quantidade de margens cirúrgicas examinadas fica em torno de 1% apenas.12,13

Apesar de no exterior haver publicações sobre retalhos interpolados para reconstrução nasal após cirurgia micrográfica de Mohs, este é o primeiro estudo que compara uma casuística de pacientes tratados no Brasil. Dessa maneira, o objetivo deste estudo é comparar a utilização do RPF e do RISN para reconstrução nasal após cirurgia micrográfica de Mohs.

 

METÓDOS

Estudo retrospectivo descritivo de amostra consecutiva de pacientes submetidos à reconstrução nasal com RPF ou RISN pelo autor, entre agosto de 2014 e dezembro de 2016. Previamente à reconstrução, todos os tumores foram tratados com cirurgia de Mohs pelo mesmo autor. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética da instituição, protocolo 64573517.7.0000.0020.

Todos os dados foram rotineiramente inseridos em uma base de dados, logo após as cirurgias e consultas de seguimento. As cirurgias foram realizadas no centro cirúrgico, sob anestesia local com lidocaína e bupivacaína com vasoconstritor. Bloqueio de nervos (supraorbital e supratroclear ou infraorbital) suplementaram a anestesia local. Quando necessário, benzodiazepínico oral (lorazepam) foi usado para maior conforto. Para evitar que o paciente ficasse cansado devido ao longo tempo cirúrgico (cirurgia de Mohs + reconstrução), os pacientes que não fizeram uso de benzodiazepínico podiam aguardar parte do tempo sentados entre os estágios da cirurgia de Mohs. Enquanto aguardavam, estavam sob efeito da anestesia local e com curativo compressivo. Nova antissepsia e colocação de campos estéries era realizada antes de cada novo estágio da cirurgia de Mohs ou previamente à reconstrução. Apesar de controverso, porém de maneira similar aos estudos de retalhos interpolados,3-5 na primeira cirurgia os pacientes receberam antibióticos pré (2gr cefalexina) e pós-operatório (cefalexina 500mg 6-6 horas durante sete dias).

Mediante revisão da base de dados e da documentação fotográfica, os seguintes dados demográficos e cirúrgicos foram analisados: idade, gênero, características do tumor, tamanho da ferida operatória e subunidades anatômicas afetadas, número de estágios de Mohs, retalho executado, medidas suplementares para conforto do paciente, uso de enxerto de cartilagem, complicações, tabagismo, uso de anticoagulante, seguimento e resultados.

As subunidades nasais foram divididas em ponta, dorso, columela, asas, paredes nasais e triângulos moles.14-16 Se a ferida cirúrgica se estendesse além do nariz, esses locais eram reparados de maneira independente do retalho interpolado, incluindo cicatrização por segunda intenção, fechamento primário ou retalho local. Quando o enxerto de cartilagem foi necessário, enxertos da concha ou fossa escafoide/anti-hélice foram utilizados.

Complicações de curto prazo foram definidas como hematoma, sangramento persistente que necessitou de reintervenção, infecção, necrose do retalho (parcial ou total) e deiscência.

Complicações de longo prazo foram definidas como retalho “espesso”, retração da asa nasal e obstrução nasal.

 

DESENHO DO RETALHO

Nos casos de RPF, o pedículo foi baseado na artéria supratroclear, que está situada na borda medial da sobrancelha, entre 1,7cm e 2cm da linha média da face. Apesar de o Doppler poder ser utilizado para localizar a artéria, isso em regra não é necessário, visto que sua localização é muito previsível. Além disso, estudos mostraram que a fronte medial é uma região altamente vascularizada suprida pelas artérias supraorbital, supratroclear, infratroclear, dorsal do nariz e angular. Essas artérias formam múltiplas anastomoses entre si e com suas contralaterais.17,18 Para criar o molde do defeito, a embalagem metálica da sutura foi usada e transferida para a área doadora frontal conectada ao pedículo. O retalho foi inicialmente descolado no plano subcutâneo superficial e aprofundado progressivamente para subcutâneo profundo e plano subgaleal conforme a dissecção se aproximava da base do pedículo no rebordo orbital superior. Após seu descolamento, o retalho foi aparado conforme necessário e suturado com mínima tensão no nariz. As áreas doadoras foram fechadas de maneira primária sempre que possível, deixando o restante cicatrizar por segunda intenção (Figura 1).

Nos casos de RISN, o retalho foi desenhado de maneira a camuflar a cicatriz da área doadora no sulco nasogeniano. O retalho foi elevado no plano subcutâneo, preservando o pedículo muscular em ilha em sua porção proximal (Figura 2). A espessura do retalho foi adequada para a profundidade da ferida cirúrgica. As áreas doadoras foram todas reparadas de maneira primária.

O segundo estágio dos retalhos foi realizado após período que variou de três a quatro semanas e consistiu na secção do pedículo seguido de afinamento da porção proximal dos retalhos conforme necessário (Figura 3). Não foram realizadas revisões cirúrgicas.

Descrições detalhadas da execução de cada passo do RPF e do RISN estão disponíveis na literatura para melhor compreensão de cada etapa.8,19

 

RESULTADOS

Vinte pacientes foram incluídos no estudo. Dez (50%) submetidos ao RPF e dez (50%) ao RISN. A idade dos pacientes variou de 38 a 77 anos (média, 64), com predominância de homens (13 homens x 7 mulheres). Todos os pacientes eram portadores de CBCs (n = 20), sendo que dois deles também apresentavam CECs. O subtipo histológico mais comum de CBC foi o infiltrativo. O número de estágios de cirurgia de Mohs necessários para se atingir margens livres variou de um a quatro (média, 1.65). Apenas um paciente era tabagista, e dois usavam ácido acetilsalicílico.

A tabela 1 compara características dos defeitos cirúrgicos e dos reparos. O tamanho dos defeitos variou de 1,5cm x 1,2cm a 3,5cm x 3,8cm (média, 2,1cm x 2,4cm) entre os pacientes submetidos ao RPF e entre 1cm x 1,2cm a 1,4cm x 2cm (média, 1,3cm x 1,6cm) para os casos de RISN. A média das subunidades anatômicas envolvidas foi de 4,6 (n = 1 a 9) para os casos de RPF e de 2,1 (n = 1 a 3) para os de RISN. Dezoito pacientes (90%) tinham feridas que envolviam múltiplas subunidades. Ponta nasal (n = 10) e dorso nasal (n = 7) foram as mais afetadas em pacientes reparados com RPF, enquanto asa (n = 10) e parede nasal (n = 7) foram as mais envolvidas nos casos de RISN. Ressecção de porção adicional de alguma subunidade foi realizada em 15 pacientes (75%) (Figuras 4 e 5). O RPF foi associado a outras opções de reparo em três pacientes, e o RISN em sete. Sete pacientes (35%) receberam lorazepam como adjuvante à anestesia local e bloqueios nervosos.

Restauração da mucosa nasal foi necessária para defeitos de espessura total em quatro pacientes (20%) e foi obtida com fechamento primário (n = 3) ou retalho em dobradiça (n = 1).

Suporte estrutural fornecido por cartilagem auricular foi necessário em 14 pacientes (70%), cinco (50%) no grupo do RPF e nove (90%) no do RISN. A cartilagem foi retirada da fossa escafoide/anti-hélice (n = 8) ou concha auricular (n = 6). As áreas doadoras do retalho foram fechadas por completo de maneira primária em todos casos de RISN, mas em apenas dois de RPF. Nos demais casos, o restante da fronte cicatrizou por segunda intenção (Figura 1).

As complicações foram mínimas, tendo ocorrido em quatro das 40 cirurgias (Tabela 2). Um paciente desenvolveu hematoma na área doadora de cartilagem (concha), que drenou espontaneamente e cicatrizou sem intercorrências. Duas pacientes tiveram necrose parcial distal do retalho (5% e 20% da superfície do retalho; Figuras 6 e 7) e foram tratadas com cuidados locais. Uma cicatrizou sem intercorrência, a outra evoluiu com cicatriz deprimida de 1mm x 5mm, mas não quis ser submetida à revisão de cicatriz. Ambas eram não tabagistas. Um paciente desenvolveu cicatriz hipertrófica na fronte, manejada com corticoide tópico oclusivo durante quatro semanas. Não houve caso de infecção, retalho “espesso” ou distorções da anatomia nasal. A longo prazo nenhum paciente se queixou de dificuldade para respirar. Todos tiveram ótimos a excelentes resultados funcionais e estéticos. Após seguimento médio de 23 meses (9 a 35), não houve recorrência tumoral.

 

DISCUSSÃO

O RPF e o RISN são técnicas bem estabelecidas para reconstrução nasal após remoção de câncer da pele.9,20 Apesar de a principal indicação do RPF ser reparo de ponta nasal, ele é frequentemente utilizado para reparar feridas cirúrgicas que afetam múltiplas subunidades anatômicas nasais.2,21 No presente estudo, a média de subunidades envolvidas nos casos de RPF foi 4,6, sendo a ponta envolvida em todos os casos.

Por outro lado, o RISN é praticamente utilizado para reparo da subunidade alar isoladamente.6,19,22 Apesar de os pacientes submetidos ao RISN terem média de 2,1 subunidades afetadas pelo defeito, esse envolvimento da subunidade adjacente foi pequeno, tendo sido deixado cicatrizar por segunda intenção na maior parte dos casos. Esse detalhe é fundamental porque a tentativa de restaurar a asa e a parede nasal apenas com o RISN pode resultar em asa nasal maior e apagamento do sulco alar. Ou seja, se outras subunidades estiverem afetadas, parede nasal por exemplo, outro método de reparo deve ser associado ao RISN. Pequenos defeitos adjacentes nessas áreas podem ser deixados para cicatrizar por segunda intenção.19 Seguindo esse princípio, foi possível recriar o sulco alar e restaurar simetria alar conforme demonstrado nas figuras 2 e 5. Para defeitos médios a grandes de subunidades adjacentes, fechamento primário ou retalho de avanço da bochecha para redução da área a ser deixada por segunda intenção são opção, como demonstrado na figura 7.

Quinze pacientes (75%) tiveram a porção remanescente de alguma subunidade ressecada para que a subunidade fosse restaurada por inteiro (Figuras 1, 4 e 5). Esse dado é consistente com estudos similares (74%8 e 78%19), sendo a essência do princípio das subunidades anatômicas, fundamental em reconstrução nasal. Se um defeito envolver mais do que 50% de uma subunidade, excisar o restante e restaurá-la por inteiro pode oferecer melhores resultados. Ao fazer isso, as incisões podem ser camufladas entre as subunidades.15 Esse princípio, entretanto, não é absoluto.1 Excelentes resultados podem ser obtidos com reposição parcial da subunidade. Além disso, apesar da importância do princípio das subunidades nasais, outras variáveis são determinantes no resultado das reconstruções nasais: afinar o retalho apropriadamente, promover a adequada coaptação dos bordos do retalho com os do defeito, a semelhança da pele doadora e o contorno do retalho, que pode ser influenciado pela presença de enxerto de cartilagem subjacente.23

Previamente ao retalho interpolado, deve-se avaliar se a mucosa nasal (forro nasal) está intacta ou deve ser restaurada. Há diferentes opções para o reparo de pequenos defeitos de mucosa (< 1cm), entre elas fechamento primário da mucosa, retalho cutâneo em dobradiça, RPF dobrado, enxerto de pele de espessura total ou retalho vestibular bipediculado de avanço.8,24-26 Defeitos de mucosa maiores podem ser restaurados com enxerto de pele de espessura total com um RPF sobreposto ou retalhos intranasais (retalho em dobradiça mucopericondrial do septo, retalho composto condromucoso do septo).21,25 Quando esses retalhos de mucosa são necessários, a abordagem multidisciplinar com otorrinolaringologista, cirurgião plástico ou cirurgião de cabeça e pescoço é essencial. No presente estudo, dos quatro pacientes com componente de espessura total, três foram reparados com sutura primária devido à pequena área de espessura total (Figura 2), e um necessitou de retalho em dobradiça da parede nasal para restaurar o forro nasal.

Após restauração da mucosa (se necessária), deve ser avaliada a necessidade de enxerto de cartilagem. Em cirurgia dermatológica, a área doadora mais comum é a orelha.27,28 Ao selecionar a área doadora, fossa escafoide/anti-hélice ou concha, deve-se levar em conta os seguintes aspectos: diferenças da cartilagem desses locais, morbidade e facilidade da remoção.27,29 Quando a cartilagem nativa não é removida, mas há necessidade de cartilagem adicional para suporte, o enxerto é chamado de estrutural. Nos casos em que cartilagem foi removida, o enxerto é chamado de restaurador. No caso do RISN, enxertos de cartilagem são geralmente estruturais, já que não há cartilagem na maior parte da asa nasal, e sim tecido fibrogorduroso. Enxertos de cartilagem para o RPF podem ser estruturais ou restauradores dependendo da ferida operatória. Entre as funções estruturais da cartilagem, podem-se citar prevenção da contração tecidual e distorção, suporte do retalho para evitar colapso da asa nasal, manutenção da patência da válvula nasal e dar suporte para melhor contorno.7,8,20,27,28 Em estudo de 48 casos de RISN, houve alta frequência de obstrução nasal subjetiva quando enxertos de cartilagem não foram usados.6 No presente estudo, enxerto de cartilagem auricular foi utilizado em 50% e 90% dos casos de RPF e RISN, respectivamente, valor semelhante a estudos prévios (67% para RPF e 94% para RISN).8,19 Entre os pacientes submetidos ao RISN, um deles não foi submetido a enxerto de cartilagem, já que o defeito envolvia predominantemente a lateral da ponta nasal. Entre os pacientes do grupo do RPF, metade recebeu enxerto de cartilagem, quatro devido ao acometimento extenso da asa e um para melhor projeção da ponta nasal.

A segurança de realizar cirurgia de Mohs e reconstruções subsequentes sob anestesia local é bem estabelecida na literatura.30-32 Em relação aos retalhos interpolados, apesar de tradicionalmente realizados sob anestesia geral ou sedação endovenosa,33 a segurança de realizá-los sob anestesia local foi demonstrada na maior casuística de retalhos interpolados já publicada.3 Cook, autor sênior, realizou 653 retalhos interpolados sob anestesia local em ambiente ambulatorial com baixa incidência de complicações. Anedoticamente, os autores também relataram que os procedimentos foram bem tolerados, com alta aceitação dos pacientes. No entanto, os autores sugeriram que um estudo prospectivo seria importante para entender melhor a experiência do paciente e suas necessidades. No mesmo estudo, para aumentar o conforto dos pacientes, 67% dos casos de RPF e 46% de RISN receberam diazepam oral durante a cirurgia de Mohs ou durante o primeiro estágio da reconstrução, como adjuvante à anestesia local e bloqueios nervosos. A segurança dos benzodiazepínicos orais (midazolam) para pacientes saudáveis submetidos à cirurgia micrográfica de Mohs foi bem documentada por Ravitskiy et al. O midazolam oferece os benefícios da amnésia, redução da ansiedade e do estado de alerta, além de ter reduzido discretamente a pressão arterial (provavelmente pela redução da ansiedade) sem efeitos clínicos adversos.34 Em estudos prévios de Cerci e Nguyen, 58% (RPF) e 33% (RISN) dos pacientes receberam lorazepam oral sem efeitos adversos.8,19 No presente estudo, pacientes sem contraindicações ao lorazepam foram informados de que a medicação estava disponível para uso durante a cirurgia caso sentissem muita ansiedade ou algum desconforto. Quatro pacientes submetidos ao RPF e três submetidos ao RISN o receberam. É importante mencionar que técnicas consagradas para redução do desconforto durante anestesia local foram respeitadas em todos os pacientes.

À primeira vista, é intimidador realizar um retalho interpolado sob anestesia local com bloqueio de nervos e benzodiazepínico oral. Entretanto, retalhos locais comumente realizados sob anestesia local como os de rotação de dorso nasal ou grandes bilobados exigem descolamento significativo, muitas vezes da maior parte do nariz, para adequada mobilização de tecido. Por outro lado, no RPF e no RISN não há necessidade de descolar o nariz, mas o que impressiona a quem não está familiarizado é a mobilização de tecido da área doadora. É importante mencionar que no RPF o bloqueio dos nervos supraorbitário e supratroclear minimiza ou anula o desconforto da anestesia local da área doadora frontal. No caso do RISN, o bloqueio do nervo infraorbitário minimiza a anestesia da asa nasal e do sulco nasogeniano. Outro bloqueio também realizado foi do ramo nasal externo do nervo etmoidal anterior para reduzir o desconforto da anestesia da ponta nasal (sempre utilizado pelo autor em cirurgias de ponta e dorso nasais). Com seleção cautelosa do paciente e técnica adequada, há boa tolerabilidade dos retalhos interpolados.3 O método de anestesia, entretanto, depende de alguns fatores que incluem indicação, preferência do cirurgião, perfil e risco para o paciente, disponibilidade e custo.

Complicações potenciais do RPF e do RISN incluem sangramento pós-operatório do pedículo, dor, cicatrização inadequada, infecção, deiscência, distorção de margens livres, necrose do retalho, obstrução nasal e retalho “espesso”.35 Em estudo recente por Newlove et al.,3 a taxa de complicações do RPF e do RISN realizados por cirurgião dermatológico, em ambiente ambulatorial sob anestesia local, foi igual ou menor do que em estudos de outras especialidades cirúrgicas. Importante mencionar que o autor sênior (Cook) do estudo tem vasta experiência em retalhos interpolados e dedica-se integralmente à cirurgia micrográfica de Mohs e reconstrução. Em estudo de Padack et al., a taxa de sucesso foi de 94,4% para 107 casos de RPF e RISN. Espessura do defeito (parcial x total), uso de enxerto de cartilagem, retalho utilizado e presença de comorbidades não afetaram os resultados das complicações. Ainda que de modo não estatisticamente significativo, necrose de retalho foi mais comum em tabagistas.20 No presente estudo, necrose superficial do retalho (10%) ficou entre os valores relatados na literatura,8,20,35 embora não tenha influenciado significativamente o resultado final de ambos os casos (Figuras 6 e 7).

Uma limitação do presente estudo é sua natureza retrospectiva. Os dados de cada cirurgia, entretanto, foram inseridos pelo autor na base de dados imediatamente após o término do procedimento; os de seguimento foram inseridos após as consultas de retorno para reavaliação. Tais medidas minimizam possíveis vieses de um estudo retrospectivo.

 

CONCLUSÃO

O retalho paramediano frontal e o retalho interpolado do sulco nasogeniano são opções fundamentais e seguras para reparo de defeitos cirúrgicos nasais após cirurgia micrográfica de Mohs. O RPF foi mais indicado para defeitos mais extensos que acometeram ponta e dorso nasais, enquanto o RISN foi mais indicado para restauração da asa nasal. A combinação com outro método de reconstrução foi mais frequente com o RISN, para o reparo de feridas que se estenderam além da asa nasal. Enxerto de cartilagem auricular foi mais utilizado em casos de RISN, a fim de evitar colabamento da asa nasal e consequente prejuízo estético e funcional. Técnica minuciosa e planejamento apropriado são essenciais para bons resultados.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Felipe Bochnia Cerci | ORCID 0000-0001-9605-0798
Planejamento, elaboração, análise e revisão do estudo.

 

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