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Artigo Original

Estudo duplo cego comparativo entre hidroquinona e extrato de uva-ursina no tratamento do melasma

Andréia Mateus Moreira1, Bruna Souza Felix Bravo1, Adriana Gutstein da Fonseca Amorim1, Ronir Raggio Luiz1, Maria Cláudia Almeida Issa1

Recebido em: 10/01/2010
Aprovado em: 20/02/2010
Trabalho realizado no Instituto de Dermatologia
Professor Rubem David Azulay da
Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro
– Rio de Janeiro (RJ), Brasil
Conflito de interesse: Nenhum
Suporte financeiro: Nenhum

Abstract

Introdução: Melasma é hiperpigmentação adquirida e progressiva em áreas fotoexpostas. Seu tratamento continua sendo um desafio por ser dermatose recorrente e refratária. Objetivo: Avaliar a eficácia e segurança do Skin Whitening Complex no tratamento do melasma facial, e compará-lo à hidroquinona. Pacientes e Métodos: Estudo duplo-cego comparativo com 13 mulheres portadoras de melasma.Todas receberam duas formulações diferentes, identificadas como “lado direito da face” e “lado esquerdo da face”, que foram aplicadas duas vezes ao dia durante 90 dias consecutivos. Apenas o farmacêutico responsável tinha conhecimento do conteúdo. Para análise estatística foram realizados os testes de Wilcoxon e ¿2 de McNemar-Bowker. Resultados: Das 13 pacientes, 10 apresentaram melhora clínica global do melasma. Na hemiface tratada com hidroquinona a 4%, a melhora foi total em quatro pacientes, e parcial em seis (p = 0,004). Na hemiface tratada com Skin Whitening Complex 5%, a melhora foi total em duas pacientes, e parcial em seis (p = 0,007). Não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois tratamentos (p = 0,223). Conclusões: Embora o tratamento com hidroquinona 4% apresente melhor resultado clínico, não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois tratamentos. O SWC 5% mostrou-se eficiente e seguro no tratamento do melasma.

Keywords: MELANOSE/TERAPIA, HIPERPIGMENTAÇÃO, HIDROQUINONAS


INTRODUÇÃO

Melasma é condição clínica comum, adquirida, caracterizada por hiperpigmentação macular progressiva e simétrica, localizada em áreas fotoexpostas, de coloração variável, do castanhoclaro ao cinza. Mais comumente envolve proeminências malares, fronte, lábio superior, região nasal, queixo, pescoço, colo e antebraços. As lesões geralmente são bem demarcadas e simétricas. Cerca de 90% dos pacientes são do sexo feminino,1 mas a doença também pode acometer homens com antecedentes familiares ou fotoexposição intensa.2 Não se conhece sua real prevalência, porém é mais frequente em países ensolarados. Pode afetar qualquer raça ou fototipo, sendo, entretanto, mais comum em asiáticos, hispânicos e nos pacientes com fototipos IV a VI de Fitzpatrick.3,4 Apesar de sua etiopatogenia não ser inteiramente conhecida, múltiplos fatores estão envolvidos, especialmente a influência hormonal associada a gravidez, contraceptivos orais, terapia de reposição hormonal, radiação ultravioleta A e B, predisposição genética, drogas fototóxicas, anticonvulsivantes e disfunção tireoidiana.5-7 O melasma é classificado clinicamente em centrofacial, forma mais comum de apresentação, malar e mandibular. Histologicamente, é classificado quanto à localização do pigmento, podendo ser epidérmico, dérmico ou misto.8

O tratamento do melasma, tópico ou oral, permanece um desafio por ser condição refratária e recorrente.O objetivo do tratamento é reduzir a síntese de melanina, inibir a formação de melanossomas e promover sua degradação. Independentemente do despigmentante utilizado, a fotoproteção de amplo espectro é essencial para prevenir a formação de nova melanina e para diminuir a oxidação da melanina pré-formada. Entre as opções de tratamento tópico, a hidroquinona ainda é considerada o tratamento mais eficaz. Entre seus efeitos adversos estão a dermatite de contato alérgica ou irritante, a hipopigmentação “em confete”, a hiperpigmentação pós-inflamatória, a descoloração ungueal, as telangiectasias, a atrofia epidérmica e a ocronose.9-11 Seu uso na gravidez não está indicado, pertencendo à categoria C de risco pela regulamentação americana – Food and Drug Admnistration (FDA). Outros tópicos são descritos na literatura, como a vitamina C, que promove a conversão da melanina em leucomelanina, usada nos casos mais leves de melasma; o ácido azelaico, ácido dicarboxílico que inibe competitivamente a tirosinase e interfere diretamente com a biossíntese de melanina, não afetando melanócitos normais; os peelings químicos (solução de Jessner, ácido salicílico, ácido glicólico,ATA)12 e o arbutin, que diminui a síntese de melanina por inibição da atividade da tirosinase.13 Skin Whitenig Complex (SWC) é complexo despigmentante que contém extrato de uva-ursina, que compete com a enzima tirosinase; Aspergillus biofermentado, que quebra o cobre iônico, essencial para a atividade da enzima tirosinase; extrato de grapefruit, rico em ácido cítrico e málico, com ação esfoliante; e extrato de arroz, rico em oligossacarídeos, com função hidratante.O SWC é liberado para uso em concentrações de 2 a 5%.14

A hidroquinona é o padrão ouro no tratamento do melasma, mas não pode ser utilizada por tempo indiscriminado. Portanto, faz-se necessário conhecer a eficácia de outros produtos despigmentantes. Através deste estudo, foi possível avaliar a eficácia e segurança do SWC e compará-lo com os efeitos da hidroquinona no tratamento do melasma facial.

PACIENTES E MÉTODOS

Desenho do estudo

Trata-se de estudo prospectivo, comparativo e duplo-cego sobre as modificações clínicas induzidas pelo SWC 5% e a hidroquinona 4% no tratamento do melasma em pacientes do sexo feminino. Nesse protocolo foram observadas as recomendações éticas da declaração de Helsinki de 2000.

Pacientes

Foram selecionadas pacientes no período de março a julho de 2005, com queixa clínica de melasma, acompanhadas no ambulatório de Dermatologia Corretiva da Santa Casa de Misericórida do Rio de Janeiro (Instituto de Dermatologia professor Rubem David Azulay). Os critérios de inclusão foram: sexo feminino, idade entre 25 e 50 anos, fototipo III a VI de Fitspatrick, com presença de melasma clinicamente evidente, sem tratamento prévio por no mínimo seis meses. Os critérios de exclusão foram: uso de contraceptivos, presença de doenças endócrinas, alergia à hidroquinona, gravidez e lactação.

Métodos

Uma ficha individual, para anotações das consultas realizadas, foi preenchida com as informações das pacientes e com as avaliações feitas pelo médico pesquisador quanto aos efeitos clínicos e possíveis efeitos colaterais. Durante o estudo, as pacientes não fizeram uso de qualquer medicamento tópico e foram orientadas a usar protetor solar com FPS 60 em veículo cremoso.As pacientes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido após explicação detalhada sobre o estudo e foram acompanhadas no Ambulatório de Dermatologia Corretiva da Santa Casa de Misericórida do Rio de Janeiro a cada 15 dias durante três meses. O exame dermatológico foi realizado pelo médico pesquisador, e o registro fotográfico por fotógrafo profissional (Fujy S2 10.2 megapixels), em estúdio fotográfico, reproduzindo-se sempre as mesmas condições de distancia e iluminação. Os critérios de avaliação foram clínico e fotográfico (fotos digitais padronizadas com e sem ultravioleta), utilizando-se a diminuição da intensidade da cor da lesão como parâmetro de melhora. O grau de melhora da cor foi baseado na escala utilizada por Torok e colaboradores, 15 aplicada separadamente nas duas hemifaces. Essa escala considera: 0- lesão de melasma com pigmentação equivalente à pele vizinha normal ou com mínimo de hiperpigmentação residual; 1- discreta pigmentação (lesão de melasma levemente mais escura do que a pele vizinha normal); 2- moderada pigmentação (lesão de melasma moderadamente mais escura do que a pele vizinha normal); 3- intensa pigmentação (lesão de melasma marcadamente mais escura do que a pele vizinha normal) (Quadro 1). Não seguimos a escala de avaliação do Masi (Melasma Area Score Index), que faz a avaliação clínica da intensidade do melasma em toda a face, pois neste estudo foi feita a avaliação da face de forma segmentar, em duas hemifaces.

O grau de melhora global, avaliado pelo investigador no período prévio e após três meses de tratamento, foi aplicado separadamente nas duas hemifaces e obedeceu à escala utilizada por Torok e colaboradores,15 que classifica em: 0- melhora completa, sem evidências de hiperpigmentação; 1- melhora parcial, pequena evidência de hiperpigmentação; 2- sem melhora, hiperpigmentação significativamente evidente (Quadro 2).

Tratamento

As pacientes receberam dois tubos contendo gel-creme, identificados como “lado direito da face” e “lado esquerdo da face”, ambos manipulados pela Dermatus Cosmética Médica Ltda (RJ-Brasil). Só o farmacêutico responsável conhecia o conteúdo de cada tubo. As pacientes foram orientadas a aplicar os produtos específicos em cada hemiface duas vezes ao dia (manhã e noite) e usar fotoproteção FPS 60 em creme, durante três meses. Não foi permitido o uso de nenhum outro produto tópico ou oral durante todo o estudo.

Efeitos colaterais

Os efeitos colaterais como eritema e descamação foram avaliados pelo médico observador. A escala utilizada foi a de valor numérico de zero a 10 e definida em leve (1 a 3), moderada (4 a 6) e intensa (superior a 7).

Análise estatística

Os testes estatísticos utilizados foram os de Wilcoxon e de X2 de Mc Nemar, de acordo com a escala de mensuração das variáveis. O nível de significância estatística foi estabelecido como p < 0,05. O programa utilizado para a análise dos dados foi o SPSS (Statistical Package for the Social Sciences – versão 13.0).

RESULTADOS

Treze pacientes, com idade entre 29 e 46 anos, fototipos III a VI completaram o estudo; 10 delas apresentaram melhora clínica global do melasma (Figuras 1A e 1B). Na hemiface direita, tratada com hidroquinona a 4%, a melhora foi total em quatro pacientes (Figuras 2A e 2B), incluindo paciente com fototipo V, e parcial em outras seis (Figura 3) (p = 0,004). Na hemiface esquerda, tratada com SWC 5%, a melhora foi total em duas pacientes e parcial em outras seis (Figuras 4A e 4B e 5A e 5B) (p = 0,007) (Tabela 1). A melhora também pode ser observada pela fotografia através de luz ultravioleta (Figura 6). Apenas três pacientes não apresentaram nenhum grau de melhora em ambas as hemifaces. Duas pacientes apresentaram melhora isolada no lado tratado com hidroquinona. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois tratamentos (p = 0,223) (Tabela 2).

Não se observaram efeitos colaterais na hemiface tratada com SWC, porém duas pacientes apresentaram eritema e descamação leves no lado tratado com hidroquinona, o que não impediu a continuidade do tratamento proposto.

A percepção, pelas pacientes, dos efeitos clínicos e colaterais dos tratamentos foi concordante com a análise de observação clínica dos médicos pesquisadores.

DISCUSSÃO

Vários agentes despigmentantes são descritos na literatura para o tratamento do melasma, havendo poucas publicações a respeito do SWC – complexo despigmentante que apresenta vantagens, como sua estabilidade na formulação, o fato de não ser irritante e poder ser usado em mulheres grávidas. Um estudo controlado randomizado, duplo-cego16 foi realizado em 2003, com 30 mulheres divididas em dois grupos. O Grupo 1 recebeu hidroquinona 4% em um lado da face e placebo no outro, enquanto o Grupo 2 recebeu SWC 5% em uma hemiface e placebo na outra.Após três meses houve melhora global de 72% da hemiface tratada em relação ao placebo. O Grupo 1 apresentou melhora de 76,9% com 25% de efeitos adversos leves, e o Grupo 2 apresentou melhora de 66,7% sem efeitos adversos, não havendo diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p = 0,673).

Neste estudo as duas substâncias foram usadas na mesma paciente, não sendo utilizado placebo.O lado tratado com hidroquinona também apresentou melhor resultado global comparado ao lado tratado com SWC. Não houve, entretanto, diferença estatisticamente significativa entre os dois tratamentos.Também não foram percebidos efeitos colaterais com o SWC. Os resultados obtidos foram semelhantes aos descritos na literatura.

CONCLUSÃO

Por ser tratamento de longa duração, é preciso muitas vezes, ao tratar o melasma, fazer alternância de substâncias despigmentantes. Apesar de vários despigmentantes estarem disponíveis no mercado, poucos estudos sobre eficácia e segurança são descritos. Os resultados aqui divulgados mostram que, apesar de o tratamento com hidroquinona apresentar melhor resultado clínico, não houve, com base no tamanho da amostra estudada, diferença estatisticamente significativa entre os dois procedimentos. Dessa forma, o SWC pode ser considerado terapia alternativa, principalmente para casos que apresentem contraindicação ao uso de hidroquinona e para gestantes. O SWC pode ser incluído no arsenal terapêutico do melasma para uso isolado ou combinado a outras substâncias tópicas ou orais.

Referências

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