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Artigo Original

Efeito do microagulhamento na cicatriz de ferida cutânea induzida em ratos

Andressa Miléo Ferraioli Silva1; Wanessa Cardoso Praia1; Caroline da Silva Alves Palheta1; Rodrigo Paracampo Couteiro1; Andrew Moraes Monteiro1; Luciana Mota Silva1; Ismari Perini Furlaneto2,4; Josie Eiras Bisi dos Santos3,4; Miguel Saraty de Oliveira4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20181021184

Data de recebimento: 08/04/2018

Data de aprovação: 10/06/2018


Trabalho realizado na Universidade do Estado do Pará - Belém (PA), Brasil.

Suporte Financeiro: Pibic Fapespa

Conflito de Interesses: Nenhum


Abstract

Introdução: A saúde representa estado de completo bem-estar.As cicatrizes são exemplos de afecções que colocam em risco a integridade emocional do paciente, comprometendo sua qualidade de vida. Existem diversas alternativas terapêuticas visando amenizar distúrbios estéticos. O microagulhamento estimula a produção de colágeno, melhorando o efeito cicatricial da lesão provocada.
Objetivo: avaliar o efeito do microagulhamento na cicatriz de ferida cutânea induzida cirurgicamente em ratos.
Métodos: Foram utilizados 24 ratos, machos, distribuídos em cinco grupos de estudo. Em todos os grupos realizou-se a incisão cutânea induzida cirurgicamente no dorso do ani- mal, aguardando-se a cicatrização completa. Os grupos GC-14 e GC-30 foram controles para os grupos GCM-14 e GCM-30.
Resultados: Foi identificada reepitelização e ausência de tecido de granulação em 100% dos grupos. Com relação à proporção de fibrose, observou-se redução média de 19% no grupo GCM-14 e de 4% no grupo GCM-30. Houve estímulo à produção de colágeno tipo I e III nos grupos submetidos ao microagulhamento, observando maior quantificação de colágeno tipo I no grupo GCM-14 (62,1%) em relação a seu controle (37,8%).
Conclusões: o microagulhamento mostrou-se eficaz ao estimular maior produção de fibras colágenas em 14 dias, sugerindo tendência à melhora da cicatriz.


Keywords: Cicatriz; Colágeno; Modelos animais


INTRODUÇÃO

Atualmente, existem diversas alternativas terapêuticas que objetivam amenizar e converter danos gerados por procedimentos cirúrgicos eletivos ou traumas, que deixaram distúrbios estéticos, como as cicatrizes normotróficas. Assim, observa-se tendência à indicação de procedimentos pouco invasivos isolados ou em associação para amenizar esses distúrbios, tendo em vista a redução no risco de complicações e retorno mais precoce às atividades laborais.1

Orentreich et al. (1995)2 descreveram o termo “subcisão” como um meio de estimular tecido conectivo sob cicatrizes e rugas retraídas. A partir dessa ideia, surgiu a terapia de indução de colágeno (TIC) ou microagulhamento, técnica realizada por meio de dispositivo contendo número variável de microagulhas, de diferentes comprimentos, que causam microtraumatismos cutâneos e a formação de microcanais com múltiplas perfurações na pele. Esse instrumento é passado na pele em múltiplas direções cruzadas, várias vezes, causando sangramento mínimo, que é substituído por exsudado seroso, edema e eritema.3

O princípio do microagulhamento propõe o estímulo da produção de colágeno, sem provocar a desepitelização total, de forma rápida, minimamente invasiva e eficaz, tendo sido obser- vados resultados promissores da técnica em diversos estudos.4-6 Esse procedimento gera uma resposta de cicatrização da ferida pela liberação de fatores de crescimento e citocinas que levam à formação de novo colágeno e elastina na derme papilar.7

O mecanismo de ação tem como alvo a dissociação dos queratinócitos, o que resulta na liberação de citocinas como a interleucina - 1α, predominantemente, além da interleucina-8 interleucina-6,TNF-α e GM-CSF (fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos), resultando em vasodilatação dérmica e migração de queratinócitos para restaurar o dano epidérmico. O processo de cicatrização após o trauma com as agulhas, pode ser delineado didaticamente em três fases: na primeira, fase; a de injúria, ocorre presença de plaquetas e neutrófilos res- ponsáveis pela liberação de fatores de crescimento, que agem sobre os queratinócitos e fibroblastos, bem como os fatores de crescimento de transformação α e β (TGF-α e TGF-β), fator de crescimento derivado das plaquetas (PDGF), a proteína III ativadora do tecido conjuntivo e o fator de crescimento do tecido conjuntivo.8

Na segunda fase, a de cicatrização, os neutrófilos são substituídos por monócitos, e ocorrem angiogênese, epitelização e proliferação de fibroblastos, seguidas da produção de colágeno tipo III, elastina, glicosaminoglicanos e proteoglicanos. Parale- lamente, o fator de crescimento dos fibroblastos, o TGF-α e o TGF-β são secretados pelos monócitos. Aproximadamente cinco dias depois da injúria, a matriz de fibronectina está formada, possibilitando o depósito de colágeno logo abaixo da camada basal da epiderme. Na terceira fase ou de maturação, o colágeno tipo III, predominante na fase inicial do processo de cicatrização, vai sendo lentamente substituído pelo colágeno tipo I, mais du- radouro, persistindo por prazo que varia de cinco a sete anos.5

Portanto, a técnica de microagulhamento atuaria estimulando a produção de colágeno e, em consequência, melhoraria o efeito cicatricial da lesão provocada. Essa técnica seria uma alternativa que viabilizaria e potencializaria o tratamento de cicatrizes normotróficas.

 

OBJETIVO

Avaliar o efeito do microagulhamento na cicatriz de ferida cutânea induzida cirurgicamente em ratos da linhagem Wistar.

 

MÉTODOS

Amostra

Nesse estudo experimental, foram utilizados 24 Rattus norvegicus (Wistar), machos, com idade de 100 dias, pesando em média 250 a 300g, disponibilizados pelo Biotério do Instituto Evandro Chagas após aprovação pelo Comitê de Ética em Uso de Animais – CEUA da Universidade do Estado do Pará. Foram excluídos ratos com processos infecciosos manifestos ou com ferimentos que comprometeriam a área de pele abordada no estudo.Antes e após o procedimento, os animais foram mantidos em ambiente com temperatura controlada, 12 horas de ciclo claro-escuro, água e ração específica para ratos oferecidas ad libitum.

Os animais foram distribuídos randomicamente em cinco grupos de estudo. Em todos os grupos foi realizada a incisão cutâ- nea induzida cirurgicamente no dorso do animal, descrita no item técnica cirúrgica. Posteriormente, em todos os grupos foi aguardado período de três semanas para a cicatrização completa da ferida operatória por segunda intenção.A partir desse momento, ocorreram distinções nos procedimentos realizados em cada grupo.

Grupo 1 – Grupo-piloto (Gp)

Neste grupo foram utilizados 4 animais, submetidos aos procedimentos de pré-operatório e anestesia, técnica cirúrgica e pós-operatório específicos de cada um dos quatro grupos estabelecidos abaixo. Não foram incluídos na casuística da pesquisa, sendo utilizados para aprimoramento da técnica cirúrgica dos pesquisadores.

Grupo 2 – Grupo Cicatriz 14 dias (GC-14)

Neste grupo foram utilizados 5 animais, após realizar a incisão e aguardar o período de cicatrização completa da ferida operatória (três semanas), os animais foram submetidos à eutanásia 14 dias após o término da cicatrização. Nesse grupo não se realizou a técnica de microagulhamento, visto que serviu como controle para comparação com os demais grupos.

Grupo 3 – Grupo Cicatriz e Microagulhamento

14 dias (GCM-14). Neste grupo foram utilizados 5 animais. Após realizar a incisão e aguardar o perío- do de cicatrização completa da ferida operatória (três semanas), realizou-se a técnica de microagulhamento no local da cicatriz, e os animais foram submetidos à eutanásia 14 dias após o proce- dimento.

Grupo 4 – Grupo Cicatriz 30 dias (GC-30)

Neste grupo foram utilizados 5 animais. Após realizar a incisão e aguardar o período de cicatrização completa da ferida operatória (três semanas), os animais foram submetidos à eutanásia 30 dias após o término da cicatrização. Nesse grupo não se realizou a técnica de microagulhamento, visto que serviu como controle para comparação com os demais grupos.

Grupo 5 – Grupo Cicatriz e Microagulhamento 30 dias (GCM-30)

Neste grupo foram utilizados 5 animais. Após realizar a incisão e aguardar o período de cicatrização completa da ferida operatória (três semanas), realizou-se a técnica de microagulhamento no local da cicatriz, e os animais foram submetidos à eutanásia 30 dias após o procedimento.

 

PROCEDIMENTOS

Pré-operatório e anestesia

Os animais foram anestesiados com ketamina (70mg/kg) e xilazina (10mg/kg), por via intraperitoneal, constatando-se a anestesia na ausência do reflexo podálico, por meio da pressão interdigital, bem como ausência do reflexo de retração da pata.

Microagulhamento

Para a técnica de microagulhamento destinada aos grupos GCM-14 e GCM-30 utilizaram-se aparelhos da marca Dr. Roller® com microagulhas de 2,5mm de comprimento, o que é preconizado quando se necessita provocar injúria profunda na pele, sendo indicado para o tratamento de cicatrizes deprimidas. Para a realização da técnica, o instrumento foi posicionado entre os dedos indicador e polegar, e exercendo força moderada foram aplicados movimentos em quatro sentidos (horizontal, vertical e diagonais), até se obter um padrão uniforme de petéquias (dez vezes em cada). Para diminuir um possível viés, o procedimento foi realizado em todos os animais pela mesma pessoa. A hemostasia foi realizada por tamponamento com gazes estéreis, quando necessário.5

Técnica cirúrgica

Os animais foram anestesiados e fixados, com auxílio de esparadrapo, em prancha cirúrgica (20x30cm) na posição de decúbito ventral. Foi realizada tricotomia da região dorsal e posterior antissepsia da área cirúrgica com clorexidina 2%.

Em todos os animais foi realizada incisão cutânea de 4cm de comprimento, induzida cirurgicamente por meio de bisturi frio no dorso direito dos animais. A incisão abrangeu desde a camada mais superficial da pele até o limite do tecido celular subcutâneo, tendo como referências anatômicas a distância de 2cm da coluna vertebral e de 4cm da cauda do animal.

Após essa incisão cirúrgica, aguardaram-se três semanas até a cicatrização por segunda intenção. Esse período se baseou nas observações nos animais do grupo-piloto, que demonstraram ser este o período necessário para a epitelização e contração da ferida.9 Não foi realizada sutura ou outra técnica de síntese, para que se formasse uma cicatriz visível que permitisse visualizar o efeito do microagulhamento. A partir deste momento, ocorreram variações dos procedimentos nos diferentes grupos.

Todos os grupos (GC-14, GCM-14, GC-30 e GCM-30) foram igualmente submetidos à incisão cutânea com cicatrização por segunda intenção, descrita acima. Após três semanas, todos os animais dos grupos Cicatriz + Microagulhamento (GCM-14 e GCM-30) foram submetidos ao microagulhamento. A eutanásia dos animais do grupo GCM-14 foi realizada 14 dias após, e nos animais do grupo GCM-30 a eutanásia ocorreu 30 dias após o microagulhamento.

Os animais dos grupos Cicatriz (GC-14 e GC-30) não foram submetidos ao microagulhamento, sendo a eutanásia realizada após 14 dias no grupo GC-14 e após 30 dias no grupo GC-30, a partir do dia em que foi realizado o microagulhamento nos outros grupos. Assim, esses grupos foram utilizados como controle para comparação com os grupos que passaram pela técnica de microagulhas.

O presente estudo se propôs a analisar e comparar a quantidade de colágeno presente na cicatriz cutânea 14 dias e 30 dias após o microagulhamento, pois de acordo com a literatura, no período de duas semanas após esse procedimento há aumento dos níveis de citocinas que induzem a formação de colágeno.10 Em contrapartida, outros estudos demonstram que 30 dias após o microagulhamento ocorre a máxima produção de tecido conectivo2, justificando a utilização do grupo GCM-30. Dessa forma, a pesquisa comparou em qual período após o microagulhamento a produção de colágeno ocorreu de forma mais efetiva, mediante contagem das novas fibras colágenas induzidas pela técnica.

Cuidados pós-operatórios

Foi realizada limpeza da ferida por meio de solução de soro fisiológico 0,9% diariamente, durante sete dias, com objetivo de prevenir possíveis infecções da ferida ao longo do processo inicial de cicatrização.11

Histopatológico

Para análise histopatológica foi coletada uma amostra da pele de cada animal por biópsia com bisturi frio, deixando-se margem de 1cm entre a cicatriz e a incisão de coleta. Os fragmentos foram retirados e depositados, imediatamente, em formol a 10%.

Após a preparação dos tecidos em lâminas para estudo microscópico, elas foram corados com hematoxilina/eosina e coloração de Picrosirius, as quais demonstram fibras de colágeno recém sintetizadas.

A análise morfológica em microscopia óptica das amos- tras foi realizada por dermatopatologista especializada, assim como a quantificação das fibras colágenas por profissional qualificada do Laboratório Morfofuncional da Univerdidade do Estado do Pará - UEPA.

As lâminas para estudo do colágeno foram visualizadas em microscópio Zeiss, aumento de 100x, com luz polarizada, sendo obtidas três fotografias da área de fibrose de cada lâmina pelo programa Axion Vision. As microfotografias foram analisadas no programa Image J com o plugin Threshold Colour. Obtiveram-se o percentual de colágeno por análise de partículas de acordo com seleção e medidas de áreas com base na cor. Foram utilizadas a matriz 0-40 para cor vermelha (colágeno tipo I) e 45-120 para cor verde (colágeno tipo III), saturação 0-255 e brilho 5-225, segundo o protocolo padronizado por Bedoya et al. (2016).12

Os achados microscópicos foram observados e classificados em relação à presença ou não de reepitelização e tecido de granulação nas amostras de forma semiquantitativa como, 0: ausente, 1: escasso, 2: discreto, 3: moderado e 4: acentuado.13

 

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Os resultados da presente pesquisa foram obtidos através da análise estatística com o teste exato de Fisher para as variáveis morfológicas qualitativas (reepitelização, granulação e inflamação). As variáveis quantitativas, por sua vez, foram avaliadas pelo teste T de Student e Mann-Whitney, adotando-se como nível de significância p < 0,05. Para formatação de tabelas, gráficos e texto, foram utilizados os softwares Microsoft Office Excel e Microsoft Office Word, ambos na versão 2010.

 

RESULTADOS

A presença de reepitelização e ausência de tecido de granulação foi igual nos grupos GC e GCM, tanto no tempo de 14 dias após o microagulhamento quanto no tempo de 30 dias após este procedimento, sem diferença estatística.

A proporção de fibrose foi reduzida em média 19% no grupo GCM em relação ao grupo GC no tempo de 14 dias, enquanto no grupo GCM-30 teve redução média de 4% em relação ao grupo GC-30. Ambas as reduções, porém, não foram estatisticamente significativas.

Levando-se em consideração as medianas analisadas, a concentração do colágeno tipo I aumentou nos grupos GCM- 14 e GCM-30 em relação a seus respectivos controles, GC-14 e GC-30, porém esse aumento não se mostrou estatisticamente significativo. A concentração do colágeno tipo III também esteve aumentada no grupo GCM-14 em relação ao grupo GC-14 levando-se em consideração suas medianas, porém esse aumento não se mostrou estatisticamente significativo. Já no tempo de 30 dias, o grupo GCM-30 apresentou mediana inferior à do grupo GC-30, sem relevância estatística.

As figuras 1 e 2, obtidas atráves do estudo histopatológico, demonstram a proliferação de fibras colágenas nos grupos GC-30 e GCM-30, respectivamente. As fibras coradas em verde representam o colágeno tipo III e fibras coradas em vermelho representam o colágeno tipo I. Assim, é possível visualizar maior quantidade de fibras colágenas do tipo I (vermelho) no grupo GCM-30 (Figura 2), corroborando os resultados encontrados acima.

No grupo GCM-14, 75% dos animais tinham no máximo 62,1% de colágeno tipo I, enquanto no grupo GCM-30 esse valor foi igual a 64,5%, não havendo diferença estatística. Em relação aos grupos-controle, 75% dos animais do grupo GC-14 apresentaram, no máximo, 37,8% de colágeno tipo I, enquanto no grupo GC-30 esse valor foi igual a 63,4%.

Quanto ao colágeno tipo III, 75% dos animais do grupo GCM-14 tinham, no máximo, 19,8% de colágeno III, enquanto no grupo GCM-30 esse valor foi igual a 20,8%, não havendo diferença estatística. Em relação aos grupos-controle, 75% dos animais do grupo GC-14 apresentaram, no máximo, 18,4% de colágeno tipo III, enquanto no grupo GC-30 esse valor foi igual a 13,8%.

As figuras 3 e 4 representam a proliferação de fibras colágenas nos grupos GC-14 e GCM-14, respectivamente, sendo fibras em verde o colágeno tipo III e fibras vermelhas o colágeno tipo I.

 

DISCUSSÃO

Atualmente, o microagulhamento surge como alternativa altamente eficaz para correção de cicatrizes cutâneas em comparação aos clássicos tratamentos ablativos, como peelings químicos, dermoabrasão e lasers.5 De forma oposta a esses, a técnica que utiliza microagulhas visa o estímulo à produção de colágeno sem provocar a retirada total da epiderme, sendo denominada terapia de indução de colágeno (TIC), visto que os microtraumatismos provocados favorecem a liberação de mediadores químicos, visando à substituição do tecido danificado por tecido cicatricial.14

Dentre as variáveis analisadas neste estudo levou-se em consideração a reepitelização nas cicatrizes. De acordo com Campos et al.,15 o processo de reepitelização ocorre precocemente durante a cicatrização, isto é, ainda na fase proliferativa, que compreende as primeiras semanas do mecanismo cicatricial. Os achados do presente estudo corroboram com este autor, visto que todos os animais tiveram reepitelização completa da lesão induzida, pois já havia transcorrido o tempo necessário para a finalização do processo natural de reepitelização.

Por outro lado, os animais submetidos ao microagulhamento tiveram pequena perda da integridade da barreira cutânea no momento do procedimento, uma vez que o princípio da técnica consiste em perfurar a epiderme sem a remover, para deflagrar o processo de regeneração cicatricial proposto pelo microagulhamento. Assim, a reepitelização após a utilização das microagulhas ocorre de forma mais rápida (cerca de cinco dias), visto que a epiderme não foi totalmente removida, apenas perfurada.9

Diante disso, os animais dos grupos-controle (GC-14 e GC-30) tiveram a reepitelização da lesão ainda nas primeiras semanas, enquanto os animais submetidos ao microagulhamento (GCM-14 e GCM-30) tiveram nova reepitelização após esse procedimento. Entretanto não se obteve diferença estatística significativa dentro os grupos (p = 1), visto que no momento da analise histológica a reepitelização já havia sido completada por se tratar de mecanismo precoce tanto na cicatrização fisiológica quanto após a utilização de microagulhas.

Outra variável analisada foi a presença de tecido de granulação. A produção desse tecido se origina no início do processo de cicatrização (fase proliferativa) e é predominantemente constituído por fibroblastos que, por sua vez, darão origem ao colágeno, principal constituinte da cicatriz final. O tecido de granulação sofre, portanto, o processo de remodelagem ao longo do processo cicatricial, isto é, vai sendo substituído por fibras colágenas até que essas predominem na cicatriz.16

Assim, os resultados encontrados no presente estudo corroboram os da literatura, uma vez que todos os animais não apresentaram tecido de granulação ao final do experimento, comprovando, dessa forma, que a cicatrização estava finalizada.17-19

No que diz respeito à proporção de fibrose nas cicatrizes analisadas, os grupos que passaram pelo microagulhamento tiveram redução de fibrose em relação aos grupos-controles. O grupo GCM-14 apresentou redução em média de 19% da proporção de fibrose em relação à área total da ferida e no grupo GCM-30 a fibrose reduziu-se em média 4% (Gráfico 1).

Segundo Fergunson et al.,20 a molécula TGF-b3 induz resposta regenerativa da cicatriz, enquanto o TGF-b1 e o TGF-b2 induzem cicatriz fibrótica. Apesar de no presente estudo não terem sido analisados os efeitos do microagulhamento a nível molecular, pode-se inferir que o procedimento proporcionou redução da fibrose, corroborando a pesquisa de Aust et al.,10 que demonstrou ser a técnica de microagulhamento capaz de induzir a expressão de TGF-b3, que se mantém ao longo das duas semanas seguintes, bem como de diminuir a expressão de TGF-b1 e TGF-b2. Diante disso, justifica-se a maior redução fibrótica no grupo GCM-14, visto que as cicatrizes desse grupo foram analisadas exatamente duas semanas após o microagulhamento.

Além disso, o menor grau de redução de fibrose no grupo GCM-30 pode-se justificar pela única sessão de microagulhamento realizada neste estudo, desde que outros estudos preconizam sessões de microagulhamento com intervalos mensais para melhores resultados.21-23 Assim, futuras pesquisas devem ser realizadas para avaliar a proporção de tecido fibrótico nas cicatrizes após sessões mensais de microagulhamento para elucidar se aumentando o número de sessões a redução de fibrose ocorre de forma mais efetiva.

Segundo a literatura, diversos estudos como os de Cunha et al.,14 Tizzato et al.24 e Negrão et al.,25 realizados em 2015, bem como o de Palheta et al.,26 de 2016, relatam a atuação do microagulhamento na estimulação à produção de fibras de colágeno e reconstrução do tecido cicatricial na pele normal. Consequentemente, essa técnica fornece melhora na qualidade das cicatrizes. Assim, esperava-se nesta pesquisa encontrar resultados que indicassem quantidade maior de colágeno nos grupos submetidos à técnica de microagulhamento (GCM-14 e GCM-30).

Nesse sentido, houve aumento numérico da concentração de colágeno tanto do tipo III quanto do tipo I no grupo GCM-14 em relação ao grupo GC-14, que não foi submetido à técnica. Ao levar em consideração a mediana em % de colágeno tipo I, reafirma-se a capacidade de indução da produção de colágeno gerada pela técnica de microagulhamento. Embora esse aumento não tenha sido estatisticamente significativo, existe tendência ao resultado esperado (Gráfico 2).

Com base na literatura, a TIC gera um aumento do colágeno tipo I, mais forte e resistente, e diminuição da expressão do colágeno tipo III. Em vista disso, ao se analisar o grupo de maior período (GCM-30), o colágeno tipo III se mostrou menor em relação à mediana do grupo em que não foi feito o microagulhamento (GC-30). Tal dado sugere que a diminuição do colágeno tipo III é vista mais tardiamente após o procedimento, uma vez que em 14 dias o grupo que passou por microagulhamento (GCM-14) possuía fibras colágenas do tipo III numericamente maior em relação a seu controle (Figura 4), apesar de ambas não terem apresentado diferença estatisticamente significativa (Gráfico 3).

Dados importantes foram obtidos ao analisar o percentil da concentração de colágeno tipo I entre os grupos em ambos os períodos (Gráfico 4). A evolução entre os grupos GCM (14 e 30 dias) revela alto índice de colágeno tipo I já em 14 dias (GCM-14) após a sessão de microagulhamento em relação ao grupo GC-14 (Gráfico 4), não submetido à técnica. Em seguida, esse número se mantém quase constante até 30 dias (GCM-30). O resultado corrobora os estudos que afirmam a indução da produção de colágeno pela técnica e sugere resultados promissores já em período de 14 dias após o procedimento.

Entretanto, pode-se questionar se a realização e o número de sessões posteriores poderiam otimizar esse resultado em 30 dias, visto ser indicada a repetição de sessões para resultados mais promissores segundo estudo recente de Zeitter et al. Esses autores encontraram resultado mais eficaz com quatro sessões em comparação ao grupo que realizou apenas uma sessão em cicatrizes atróficas. Mais estudos, portanto, devem ser realizados para comprovar o número ideal de sessões para cicatrizes normotróficas.22

Enquanto que entre os grupos GC14 e GC30 os resultados não se mostraram constantes, o mesmo apresentou valores baixos de colágeno tipo I em 14 dias (GC-14) e houve aumento exponencial de 14 a 30 dias (GC-30), o que ocorre fisiologicamente no processo de cicatrização, sem, contudo, haver diferença estatisticamente significativa entre eles. Observou-se que com 14 dias o grupo que realizou microagulhamento previamente tinha maior quantidade de fibras colágeno tipo I em relação ao que não o fez. Em contrapartida, ao final de 30 dias ambos tinham quantidades semelhantes desse colágeno, necessitando-se de mais estudos com amostras maiores e que comprovem o número ideal de sessões com seus respectivos resultados a longo prazo.27

Com relação ao colágeno tipo III, ocorreu tendência diferente na comparação dos grupos. Apesar de os grupos GCM-14 e GCM-30 manterem quase constante seu padrão, observou-se diminuição do colágeno tipo III nos grupos GC-14 e GC-30. Tais dados podem ser atribuídos à substituição natural, já descrita na literatura, do colágeno tipo III pelo colágeno tipo I.

Outros estudos, que utilizem o microagulhamento com microagulhas de vários tamanhos e que avaliem a frequência e o intervalo entre tratamentos para melhores efeitos, constituiriam o próximo passo apropriado para confirmar ainda mais a eficácia da técnica de microagulhamento.28

 

CONCLUSÃO

Conclui-se, portanto, que a técnica de microagulhamento mostrou-se eficaz ao estimular as fibras colágenas na cicatriz decorrente da lesão induzida neste estudo experimental. Apesar de não apresentar diferença estatística nas análises realizadas, pode-se inferir que houve tendência à melhora da cicatriz, a partir da diminuição do tecido fibrótico, bem como maior produção de fibras colágenas, características que, comprovadamente, pro- movem regeneração da cicatriz a partir da utilização de microagulhas.

No que diz respeito aos períodos estudados, infere-se que 14 dias após o microagulhamento a produção de ambos os tipos de colágeno (I e III) é mais intensa em relação a seu controle, sendo fibras colágenas do tipo I mais expressivas. Em relação ao período de 30 dias, observou-se que aqueles submetidos ao microagulhamento tiveram troca efetiva do colágeno tipo III pelo tipo I, evento necessário e benéfico no processo de regeneração cicatricial.

Assim, o microagulhamento atua estimulando maior produção de fibras colágenas, principalmente do tipo I, em intervalo de tempo menor (14 dias) e que se mantém constante nos dias subsequentes. No período de 30 dias a troca dos colágenos é mais efetiva.

Nesse sentido, devem ser realizados outros estudos experimentais a fim de elucidar se sessões mensais de microagulhamento, e não apenas uma sessão, promoveriam melhores resultados, tanto estimulando mais fibras do tipo I quanto promovendo a troca efetiva do colágeno tipo III pelo tipo I a longo prazo.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Andressa Miléo Ferraioli Silva | ORCID 0000-0001-8276-0676
Contribuiu com a idealização do tema e escrita inicial do artigo, participando também da coleta e análise de dados, bem como da revisão intelectual e metodológica final da pesquisa. Além disso, esta aprovou a versão final do presente estudo

Wanessa Cardoso Praia | ORCID 0000-0003-1912-695X
Contribuiu com a idealização do tema e escrita inicial do artigo, participando também da coleta e análise de dados, bem como da revisão intelectual e metodológica final da pesquisa. Além disso, este aprovou a versão final do presente estudo

Caroline da Silva Alves Palheta | ORCID 0000-0001-8989-9101
Contribuiu com a idealização do tema, participou da escrita final e da revisão intelectual e metodológica do presente estudo, sendo a orientadora do estudo. Além disso, esta aprovou a versão final do presente estudo

Rodrigo Paracampo Couteiro | ORCID 0000-0003-2854-159X
Contribuiu com a análise dos dados da pesquisa, bem como com a escrita e revisão intelectual e metodológica final da pesquisa. Além disso, este aprovou a versão final do estudo

Andrew Moraes Monteiro | ORCID 0000-0002-3549-881X
Contribuiu com a idealização do tema e escrita inicial do artigo, participando também da coleta e análise de dados, bem como da revisão intelectual e metodológica final da pesquisa. Além disso, este aprovou a versão final do presente estudo

Luciana Mota Silva | ORCID 0000-0002-4417-7401
Contribuiu com a confecção de material e análise histopatológica, participando também da análise de dados, bem como da revisão intelectual e metodológica final da pesquisa. Além disso, esta aprovou a versão final do presente estudo

Ismari Perini Furlaneto | ORCID 0000-0001-9941-0162
Contribuiu com a análise dos dados da pesquisa, auxiliando na análise estatística dos resultados encontrados. Além disso, este aprovou a versão final do estudo

Josie Eiras Bisi dos Santos | 0000-0001-8512-3920
Contribuiu com a idealização do tema, participando também da análise de dados histopatológicos, bem como da revisão intelectual e metodológica final da pesquisa. Além disso, este aprovou a versão final do presente estudo

Miguel Saraty de Oliveira | ORCID 0000-0002-0971-8671
Contribuiu com a idealização do tema e escrita inicial do artigo, participando também da análise de dados, bem como da revisão intelectual e metodológica final da pesquisa. Além disso, este aprovou a versão final do presente estudo

 

REFERÊNCIAS

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