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Relato de casos

Tratamento de psoríase vulgar pela microinfusão de medicamentos na pele (MMP®) usando ciclosporina e metotrexato

Aline Lissa Okita1; Samir Arbache2; Dirlene Melo Palmeira Roth1; Luciana Gasques de Souza1; Mariana Morais Tavares Colferai1; Denise Steiner1

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20181011098

Data de recebimento: 04/10/2017

Data de aprovação: 09/03/2018 Trabalho realizado em Departamento de Dermatologia da Universidade de Mogi das Cruzes – Mogi das Cruzes (SP), Brasil.


Suporte financeiro: Nenhum

Conflito de interesse: O autor Samir Arbache está envolvido com a empresa Traderm que comercializa produtos relacionados à técnica MMP®. Os autores Aline Lissa Okita, Dirlene Melo Palmeira Roth, Luciana Gasques de Souza ministram aula no curso da técnica MMP®


Abstract

Medicações sistêmicas orais como ciclosporina (CYA) ou metotrexato (MTX) para tratamento de psoríase tem biodisponibilidade limitada devido à absorção incompleta gastrointestinal e metabolização de primeira passagem hepática. Além disso, estão associados a efeitos adversos. A aplicação de CYA ou MTX através da Microinfusão de Medicamentos pela pele (MMP®) para tratamento de psoríase vulgar mostrou resposta terapêutica com redução significativa de lesões, sem indução de efeitos colaterais. Neste relato, descrevemos 4 casos de psoríase vulgar tratados com MMP® com CYA ou MTX.


Keywords: Ciclosporina; Metotrexato; Psoríase


INTRODUÇÃO

Psoríase é doença inflamatória crônica e recorrente da pele com prevalência mundial de aproximadamente 2%, associada a alto grau de morbidade e impacto na qualidade de vida. A apresentação mais comum é a psoríase vulgar que acomete de 85 a 90% dos casos.1-3 Devido às suas diversas apresentações clínicas, o tratamento deve ser individualizado, considerando-se a localização das lesões, o impacto na qualidade de vida e a coexistência de artrite psoriásica.

Três modalidades são principalmente usadas, isoladamente ou em combinação: agentes tópicos, fototerapia e medicações sistêmicas. Tanto a fototerapia quanto as medicações sistêmicas são usadas em casos moderados a graves, definidos como aqueles com 10% ou mais de acometimento da área corpórea (Índice BSA - Body Surface Area); ou 10 pontos ou mais no Psoriasis Area Severity Index (Pasi) ou no Dermatology Quality of Life Index (DLQI). As medicações sistêmicas mais comumente utilizadas são o metotrexato (MTX), a acitretina e a ciclosporina (CYA).4,5

O MTX é substância teratogênica usada de forma oral, subcutânea ou intramuscular. Além de estar associado à intolerância gastrointestinal, apresenta risco de mielossupressão e hepatotoxicidade.6 Sua biodisponibilidade é limitada por via oral devido à absorção incompleta pelo trato gastrointestinal (TGI) além da metabolização na primeira passagem hepática, liberando na circulação sistêmica pequenas concentrações da droga apesar da ingestão de altas doses. A reduce folate carrier 1 (RFC1), proteína transportadora transmembrana ubíqua, pode limitar a absorção oral do MTX quando saturada, o que ocorre a partir de 15mg de MTX.78

A CYA, um inibidor da calcineurina, disponível para uso oral ou intravenoso, tem resposta rápida como tratamento da psoríase, porém pode ser nefrotóxica e aumentar os níveis pressóricos, além de estar associada a efeitos colaterais como distúrbios hidroeletrolíticos, hiperlipidemia, entre outros. Sua biodisponibilidade também é limitada na forma oral devido à baixa absorção e metabolização de primeira passagem hepática.9-14

Buscando manter e eventualmente melhorar a eficácia terapêutica mas com diminuição dos efeitos colaterais dos tratamentos sistêmicos, propomos o tratamento de pacientes com psoríase vulgar pela microinfusão de medicamento pela pele (MMP®), descrita por Arbache15,16 com o uso de MTX (Thevametho® fabricado pela Pharmachemie BV em Haarlem, Holanda e importado pela Teva Farmacêutica Ltda de São Paulo, Brasil, ampola estéril de 25mg/ml) e CYA (Sandimmun® Novartis, ampola estéril de 50mg/ml).

 

RELATOS DE CASO

Caso 1: paciente do sexo masculino, 38 anos, ingestão de bebida alcóolica frequente, portador de psoríase vulgar com lesões nos membros superiores e tronco há nove anos. Relatava uso prévio de acitretina e metotrexato, suspensos por efeitos colaterais. Recebeu quatro aplicações com intervalo de duas semanas da MMP® com CYA em concentração de 12,5mg/ml nas lesões do antebraço direito. A ciclosporinemia sérica oito horas após a intervenção não foi detectável, e os exames laboratoriais e níveis pressóricos foram mantidos dentro da normalidade. Não houve queixa de efeitos adversos pelo paciente. Ocorreu a remissão de todas as lesões, tanto as tratadas no antebraço direito quanto as não tratadas no braço esquerdo e no dorso (Figura 1)

Caso 2: paciente do sexo masculino, 27 anos. Psoríase em placas há cinco anos. Lesões nas regiões anterior e posterior da perna direita, resistentes à terapia tópica. Recebeu três sessões da MMP® com MTX 25mg/ml distribuído nas lesões. Duas semanas após a primeira aplicação, houve diminuição da descamação e da espessura e remissão do prurido (Figura 2). Após três aplicações de duas em duas semanas, houve remissão completa das lesões. Não foram detectados níveis de metotrexato sérico no dia seguinte à aplicação nem queixas de efeitos colaterais.

Caso 3: paciente do sexo masculino, 58 anos, hipertenso, antecedente de AVC com hemiparesia à esquerda há 12 anos, em uso contínuo de captopril, AAS, atenolol e amlodipina. Portador, há 17 anos, de psoríase em placas localizadas, resistentes a tratamento tópico. Recebeu cinco sessões de MMP® com CYA em concentração de 12,5mg/ml de duas em duas semanas na lesão do dorso com melhora de aproximadamente 90% da lesão (Figura 3). Paciente teve boa tolerância ao procedimento, sem necessidade de analgesia tópica. A ciclosporinemia sérica após seis horas foi indetectável. Os exames laboratoriais e os níveis pressóricos se apresentaram inalterados. O paciente continua em tratamento.

Caso 4: paciente do sexo masculino, 22 anos, com psoríase em placas há dois anos, tendo apresentado melhora prévia com MTX oral, porém não teve aderência ao tratamento, apresentando recidiva das lesões. Pasi inicial: 10,4. Foi realizada uma aplicação da MMP® com MTX nas lesões do dorso e do braço esquerdo (Figura 4). Após uma semana, as lesões estavam menos espessas e descamativas, e, após duas semanas, foram observadas apenas máculas no local das lesões tratadas e melhora das lesões a distância (Figuras 5 e 6). Segue em tratamento.

Os pacientes foram devidamente informados sobre os detalhes do tratamento e assinaram o Termo de Consetimento Livre e Esclarecido.

 

DISCUSSÃO

O tratamento da psoríase moderada a grave envolve medicações associadas a possíveis efeitos colaterais.4 Como alternativa, alguns estudos investigaram a possibilidade de uso de MTX tópico, o que diminuiria a ocorrência de tais efeitos. Por ser uma molécula hidrossolúvel, sua capacidade de permear o estrato córneo é limitada, e seu uso na pele íntegra, ineficaz.17, 18 Por isso, técnicas como eletroporação, iontoforese e lasers ablativos foram utilizados para aumentar sua permeação através da pele com resposta terapêutica no tratamento da psoríase.18-20

De forma similar, estudos de uso tópico de CYA foram ineficazes na pele íntegra.21-25 Griffiths et al. conseguiram resposta terapêutica após injeção intralesional de 2ml de CYA na concentração de 17mg/ml nas lesões de psoríase, três vezes por semana, com níveis indetectáveis de ciclosporinemia sérica. Apesar da aplicação de quantidade considerável da medicação, devido à característica lipofílica da CYA, ela rapidamente se redistribuiria pelos tecidos, tornando-se indetectável em níveis plasmáticos. O principal efeito colateral no estudo foi a dor do procedimento.26

Pela técnica da MMP® 27 foi possível infundir o medicamento diretamente nas lesões com excelente tolerância do paciente após anestesia tópica. A droga injetada percutaneamente tem potente efeito local e consegue evitar o metabolismo de primeira passagem hepática, atingindo a circulação sistêmica em concentração baixa indetectável, porém suficiente para obter resposta terapêutica, tratando pacientes com psoríase moderada a severa e também lesões resistentes a outras terapias sem efeitos colaterais.

 

CONCLUSÃO

O tratamento com a técnica da MMP® utilizando solução de MTX ou CYA demonstrou boa tolerabilidade, nenhum efeito adverso, resposta rápida já notada em duas semanas e eficácia tanto em lesões tratadas isoladamente quanto em lesões a distância que não receberam a aplicação.

A MMP® com CYA ou MTX pode ser uma nova modalidade de tratamento para psoríase em placas resistentes, em localizações de difícil tratamento e em pacientes com risco de complicações associadas ao tratamento sistêmico. Serão necessários estudos para definir protocolos e ensaios clínicos randomizados a fim de determinar a eficácia, efetividade e eficiência da MMP® para o tratamento da psoríase com MTX e CYA.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Aline Lissa Okita | ORCID 0000-0002-3796-137x

Desenho do estudo, produção e coleta de dados para o estudo, análise dos dados, redação do artigo, revisão do artigo e aprovação do artigo final.

Samir Arbache | ORCID 0000-0003-4409-4937

Desenho do estudo, revisão do artigo e aprovação do artigo final.

Dirlene Melo Palmeira Roth | ORCID 0000-0003-1007-5498 Revisão do artigo e aprovação do artigo final.

Luciana Gasques de Souza | ORCID 0000-0001-5160-7572

Revisão do artigo e aprovação do artigo final.

Mariana Morais Tavares Colferai | ORCID 0000-0002-1667-4988 Produção e coleta de dados, Revisão do artigo e aprovação do artigo final.

Denise Steiner | ORCID 0000-0001-6450-9234

Revisão do artigo e aprovação do artigo final.

 

REFERÊNCIAS

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