Paula Tavares Colpas1; Paulo Cesar Martins Alves1; Carolina Caliári Oliveira1; Ana Luiza Resende Pires2; Angela Maria Moraes2; Maria Beatriz Puzzi1
Data de recebimento: 08/01/2018
Data de aprovação: 28/02/2018
Trabalho realizado na Universidade Estadual de Campinas , Campinas -SP, Brasil.
Suporte financeiro: Fapesp, CNPq e Capes
Conflito de interesse: Nenhum
Introdução: Dermatomiosite juvenil (DMJ) é doença sistêmica que afeta a musculatura proximal e a pele de crianças. A doença ulcerada é um desafio terapêutico.
Objetivo: Avaliar a melhora da doença ulcerada na DMJ, pelo uso de terapia celular. Métodos: Realização de cocultura de fibroblastos e queratinócitos autólogos e aplicação dessas células nas úlceras juntamente com cola de fibrina e colocação de membrana de quitosana-alginato ou quitosana-xantana sobre as lesões.
Resultados: Menos de 12 horas após a terapia, o paciente referiu completa eliminação da dor e, dentro de dois dias, estava presente tecido de cicatrização. Algumas das úlceras estavam quase completamente cicatrizadas no final da primeira semana, e algumas das calcinoses desapareceram. Essa técnica não cura a doença, mas melhora a qualidade de vida, sendo possível criopreservar as células saudáveis do paciente para tratar novas lesões. Sendo as células de origem autóloga, elimina-se o risco de rejeição. Além disso, esse procedimento não necessita de debridamento das lesões nem hospitalização.
Conclusões: A aplicação de culturas autólogas de fibroblastos e queratinócitos em úlceras já é considerada tratamento efetivo em pacientes com queimaduras e outras feridas cutâneas e, agora mostrou-se também eficaz no tratamento de feridas na DMJ.
Keywords: Calcinose; Cicatrização; Dermatomiosite; Fibroblastos; Polissacarídeos; Queratinócitos; Terapia baseada em transplante de células e tecidos
A dermatomiosite juvenil (DMJ) é doença sistêmica rara e grave que afeta principalmente a musculatura proximal e a pele de crianças, com prevalência de três por um milhão na população. Sua etiologia não é completamente entendida, mas é sugerido que é causada por reação autoimune em indivíduos geneticamente suscetíveis a gatilhos ambientais.1,2 As manifestações cutâneas da DMJ podem ser graves e difíceis de tratar, com grande morbidade a longo prazo.2,3
A calcinose, caracterizada primariamente pela formação de depósitos de cálcio na pele, geralmente afeta de 10 a 70% dos pacientes pediátricos com DMJ, sendo, normalmente, diagnosticada nos primeiros três anos da doença. Juntamente com a própria dermatomiosite, a calcinose pode impactar negativamente a qualidade de vida do paciente, resultando em fraqueza, incapacidade funcional, atrofia muscular, úlceras cutâneas e, consequentemente, dor local e infecções secundárias.4 As calcificações distróficas ocorrem nos locais dos tecidos lesados, onde os níveis séricos de cálcio e fósforo estão normais. Embora possam surgir em qualquer local do corpo, normalmente as áreas mais afetadas são cotovelos, joelhos, tronco, mãos, pés, glúteos e cabeça. A calcinose geralmente é indolor, porém pode estar associada com sensibilidade à palpação e dor à compressão, podendo mostrar paniculite e ulcerações no exame anatomopatológico. Na superfície da pele, ocorre deposição do cálcio, podendo torná-la sítio para infecção.5
Na dermatomiosite juvenil, a gravidade da doença pode estar relacionada a calcinose cutânea, demora no início do tratamento e, potencialmente, a polimorfismos genéticos do TNF--a-308. Apesar da falta de informações sobre a patogênese da calcinose no DMJ, um possível mecanismo é a liberação de cálcio das mitocôndrias das células musculares afetadas pela miopatia. Macrófagos, citocinas pró-inflamatórias e a falha nas proteínas reguladoras do cálcio também foram implicadas, assim como a isquemia vascular que também desempenha um papel na calcinose. A deposição de cálcio pode ocorrer no subcutâneo ou nos grupos musculares e depois ulcerar, drenando um material semelhante a giz. A doença ulcerada é grave e pode ser mortal, refletindo importante vasculopatia da pele, com hipóxia tecidual e necrose.1,3,6
Como a calcinose na DMJ tende a aumentar com a progressão da doença, intervenção terapêutica precoce e agressiva tem sido sugerida como possível maneira de reduzir as seque-las cutâneas e musculares. Diversas medicações foram utilizadas, como corticosteroides, metotrexate, bifosfonatos, probenicida, warfarina, hidróxido de alumínio, colchicina, diltiazem, infliximab, imunoglobulina, hidroxicloroquina, ciclofosfamida e talidomida, mas sem consenso sobre a melhor terapia.1-5 O sucesso do uso dessas medicações geralmente está limitado ao controle da doença, sem se estender à sua cura. Além disso, os efeitos colaterais associados ao seu uso prolongado podem também agravar a condição de saúde do paciente.
Como não há um padrão ouro de tratamento nem um algoritmo terapêutico aceito para o manejo da DMJ, e considerando que a reparação da pele danificada se dá pela proliferação e crescimento das células da derme (essencialmente fibroblastos) e/ou das células da epiderme (queratinócitos e melanócitos), a terapia celular pode ser alternativa relevante ao tratamento da DMJ associada à calcinose. Resultados promissores foram reportados com o uso de terapia celular para tratamento de úlceras crônicas de diversas etiologias;7-17 consequentemente, um resultado positivo também poderia ser esperado para essa doença-alvo.
Biopolímeros, da classe dos polissacarídeos e proteínas, têm sido amplamente utilizados no desenvolvimento de curativos interativos e bioativos, não só sendo úteis como proteção para a ferida, mas também tendo importante papel na promoção da cicatrização. Formação de tecido de granulação e reepitelização, acompanhadas de angiogênese e deposição regular de fibras de colágeno, limitando a formação de cicatrizes e retração tecidual, foram observadas, por exemplo, com o uso da quitosana.18,19 A associação de diversos polímeros também é relevante, visto que permite o desenvolvimento de curativos com suas propriedades melhoradas, como maior absorção de fluidos. Estudos relevantes in vivo foram recentemente descritos com o uso de membranas confeccionadas pela associação de quitosana com xantana20 e alginato21 para o tratamento de úlceras cutâneas em ratos Wistar, combinando ou não células mesenquimais, mostrando um potencial que pudesse ser utilizado como curativo nas lesões da DMJ.
O objetivo deste estudo foi demonstrar uma terapia alternativa para o tratamento de úlceras crônicas em paciente com DMJ e calcinose, não responsivas às terapêuticas convencionais, utilizando cultura de células autólogas e subsequentemente cobertas com membranas de polissacarídeos biocompatíveis.
Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp — CEP: 444.726).
Paciente do sexo masculino com 18 anos de idade e diagnóstico de DMJ desde os cinco anos, em tratamento convencional com metotrexate e corticosteroides, portador de calcinose universal e úlceras cutâneas crônicas, algumas com exposição óssea, foi submetido a biópsia de pele de área não ulcerada no braço direito, após assinatura de Consentimento Livre e Esclarecido. Fragmentos de aproximadamente 2cm2 foram coletados e colocados em solução com soro fisiológico 0,9%, antibiótico e antifúngico (Anti-Anti 15240, lote 577999, GIBCO/Invitrogen) até ser transferidos para frascos de cultura. Durante toda a pesquisa, o paciente manteve o tratamento sistêmico do qual fazia uso.
Os fragmentos de pele foram colocados em frascos para cultura contendo meio para queratinócitos (KSFM-GIBCO/ Invitrogen) suplementado com 10% de soro fetal bovino (FBS - LGC Biotechnology) e L-glutamina 0,2mg/ml, penicilina 100UI/mL e estreptomicina 0,1mg/ml (GIBCO/Invitrogen), até o processamento. Depois, os fragmentos foram transferidos para placas de Petri contendo tripsina 2,5% e solução de EDTA 0,1% (GIBCO/Invitrogen) e incubados a 37ºC e 5% CO2 durante três horas, quando a derme foi separada da epiderme. A tripsina foi neutralizada com meio KSFM suplementado com 10% FBS. O sobrenadante (contendo as células da derme e da epiderme) foi filtrado (40mm Falcon/Corning) e centrifugado por 10 minutos a 400G.
O pellet de células foi ressuspenso em meio de cultura e transferido para frascos de cultura contendo concentração de 1x105 células/ml em 2ml de meio de cultura específico para cada tipo celular e depois incubado a 37ºC e 5% CO2 Os queratinócitos foram cultivados em meio KSFM (KSFM-GIBCO/Invitrogen) suplementado com 10% de soro fetal bovino (FBS - LGC Biotechnology) e L-glutamina 0,2mg/ml, penicilina 100UI/ml e estreptomicina 0,1mg/ml (GIBCO/Invitrogen). Os fibroblastos foram cultivados em meio 199 (Sigma-Aldrich), suplementado com 10% de soro fetal bovino (FBS - LGC Biotechnology) e L-glutamina 0,2mg/ml, penicilina 100UI/mL e estreptomicina 0,1mg/ml (GIBCO/Invitrogen). Os meios de cultura foram trocados três vezes por semana. Quando as células atingiram a confluência, as culturas foram tripsinizadas com tripsina com solução de EDTA por 10 minutos a 37ºC e 5% CO2. Assim como anteriormente, a tripsina foi neutralizada com soro fetal bovino 10%. Esse procedimento foi realizado até a obtenção de uma quantidade mínima de cada tipo celular, aproximadamente 5x106 de queratinócitos e 10x106 de fibroblastos. O processo todo levou entre 21 e 30 dias. As células foram criopreservadas em soro fetal bovino e solução de DMSO a -80ºC.
Todo o processo envolvendo a manipulação das células foi realizado em sala limpa (classe 10.000 ISO 7 - ISO 14644-1).
O preparo das membranas seguiu técnica já implantada no Departamento de Engenharia de Materiais e de Bioprocessos da Faculdade de Engenharia Química da Universidade Estadual de Campinas.
As membranas foram obtidas de acordo com adaptações dos métodos estabelecidos por Rodrigues et al.,22 Bueno e Moraes23 e adaptado por Pires e Moraes,24 no caso de dispositivos de quitosana-alginato (Q-A), e com base nos procedimentos desenvolvidos porVeiga e Moraes25 e Bellini et al.26 para as membranas de quitosana-xantana (Q-X).
Foram utilizados quitosana com grau de desacetilação de 96% (Sigma-Aldrich, lote de número 109K0043V), alginato de sódio de média viscosidade obtido de Macrocystis pyrifera (Sigma-Aldrich, lote de número 058K0126), goma xantana (Sigma- Aldrich, lote de número 108K0038), ácido acético glacial, cloreto de cálcio diidratado e hidróxido de sódio (Merck); além disso, a água utilizada foi destilada e deionizada em um sistema Milli-Q (Millipore).
As membranas de quitosana e alginato foram preparadas pela adição de alíquotas de 180ml de solução de quitosana a 1% (m/v) dissolvida em ácido acético a 2% (v/v) em 360ml de solução aquosa de alginato a 0,5% (m/v) na vazão de 200ml/h no reator de aço inoxidável mantido a 25°C, sob agitação de 500rpm. Após a mistura das soluções, a intensidade de agitação do material foi aumentada para 1000rpm durante 10 minutos adicionais. Em seguida, 26ml de solução aquosa de NaOH a 2M foram adicionados para aumentar o pH para 7, mantendo-se a agitação durante mais 10 minutos. Em seguida, 7,2ml de solução aquosa de CaCl2 a 2% (m/v) foram adicionados para reticular as carboxilas do alginato que não se complexaram à quitosana. A mistura obtida foi desaerada durante 120 minutos, transferida (em alíquotas de massas iguais) para quatro placas de Petri de poliestireno (diâmetro de 15cm) e seca em estufa a 60°C durante seis horas. Após a secagem, as membranas foram imersas em 150ml de solução aquosa de CaCl2 a 2% (m/v) durante 30 minutos, para a reticulação das carboxilas livres remanescentes do alginato, e então lavadas duas vezes durante 30 minutos com 200ml de água deionizada. A etapa final de secagem foi realizada à temperatura ambiente durante 24 horas.
No caso das membranas de quitosana e goma xantana, 200ml de solução aquosa de goma xantana a 1,5% (m/v) foram adicionados a 200ml de solução de quitosana a 1,5% (m/v) dissolvidos em ácido acético a 1,5% (v/v) na vazão de 30ml/h, a 25ºC e sob agitação (1000rpm). Em seguida, desaerou-se a suspensão e transferiu-se a mistura para uma placa de poliestireno de 15cm de diâmetro e fez-se a secagem do material a 37ºC durante período variável de 24 a 48 horas. A membrana foi lavada duas vezes durante 30 minutos com 200ml de água deionizada, uma vez com 250ml de tampão Hepes (Sigma-Aldrich) a 10mM para neutralizar o pH e finalmente, com 500ml de água deionizada. Uma etapa final de secagem foi realizada à temperatura ambiente durante 24 horas, prendendo-se as bordas para evitar o encolhimento da membrana.
As membranas foram esterilizadas com Oxyfume 30 (30% de óxido de etileno e 70% CO2) a 40°C durante oito horas, sob umidade relativa de 30 a 80% pela Central de Esterilização Comércio e Indústria Ltda - Acecil (Campinas, SP).
Microscopia eletrônica de transmissão foi feita para verificar o comportamento das células na membrana (Figura 1).
As células foram descongeladas e cultivadas durante pelo menos 72 horas antes da aplicação. No dia da aplicação, as células foram tripsinizadas, lavadas e contadas conforme protocolos anteriormente descritos por Rehder et al.,13, Souto et al.,27,15 Bosnardo16 e Dinato et al.17 Foi preparada uma cultura de fibroblastos no total de 1x107 células. Para a aplicação, aspergiram-se as células com a cola de fibrina (Beriplast P — CSL-Behring) sobre o leito da úlcera sob condições assépticas, em regime ambulatorial (Figura 2).
Após a aspersão das células, sobre a úlcera foram colocadas as membranas de polissacarídeos previamente intumescidas em solução fisiológica (Figura 3), a fim de proteger a área contra agentes que pudessem retirar o enxerto, visando auxiliar o processo de cicatrização.
O paciente foi acompanhado durante 20 meses, a cada sete dias no primeiro mês e, posteriormente a cada 15 ou 30 dias. Novas aplicações foram realizadas de acordo com a resposta do paciente, totalizando sete. A documentação fotográfica foi feita com câmera Nikon D5100, utilizando-se uma régua para determinar a área total da úlcera, delimitando-se suas bordas. As imagens foram processadas com a utilização do software Image J2, e as diferenças dos valores das áreas foram determinadas para cada úlcera usando o software GraphPad Prism5.
Também se utilizou um questionário de qualidade de vida (SF-36) antes do início do tratamento e ao final.
O paciente apresentava múltiplas úlceras cutâneas, variando de 0,5cm2 a 8cm2, distribuídas por todo o corpo, mas, principalmente nos membros inferiores (Figura 2). As lesões selecionadas para o tratamento foram as maiores e mais profundas, que causavam maior desconforto. O processo de cicatrização foi documentado fotograficamente nas semanas zero, três, 21, 28, 42, 64 (Figura 3) e 79 (Figura 4).
Menos de 12 horas após a aplicação das células e membranas, o paciente referiu completa melhora da dor e, dentro de dois dias, início do processo de cicatrização. Logo após, observou-se um filme brilhante na superfície das úlceras. Alguns dias depois, um intenso exsudato, atribuído a fibrina, tecido de granulação e presença de crosta foi visto em algumas lesões, com seu posterior fechamento centrípeto. Após uma semana de tratamento, algumas feridas estavam quase totalmente fechadas.
A taxa de cicatrização alcançada foi acima de 95%, com melhora contínua, mesmo após cinco meses da última aplicação (Gráfico 1). O paciente não apresentou mais dores nas áreas tratadas, com importante melhora na qualidade de vida (Gráfico 2).
É interessante notar que a calcinose desapareceu mesmo em áreas não tratadas diretamente.
A DMJ é desordem autoimune rara, que afeta principalmente os músculos e a pele. O principal tratamento é a administração de altas doses de corticosteroides combinados com outras drogas imunossupressoras. Aproximadamente 30% dos pacientes não conseguem controlar a doença, apesar de múltiplas intervenções,1-5 resultado visto em nosso paciente. A aplicação de células-tronco foi descrita como último recurso no tratamento de paciente com doenças autoimunes refratárias ao tratamento, porém com persistência da doença cutânea, incluindo a calcinose e as contraturas.28
O tratamento da doença ulcerada e refratária é bastante complexo, sendo as doenças autoimunes bastante desafiadoras. A engenharia de tecidos com foco nos queratinócitos e fibroblastos autólogos tem sido usada no tratamento de úlceras cutâneas desde a década de 1980. Inicialmente a técnica foi testada em pacientes com queimadura, mostrando bons resultados. Depois, a melhora na cicatrização foi observada em úlceras vasculares e diabéticas.16,17
Nos últimos anos, a engenharia de tecidos avançou significativamente com esse propósito, e uma das tendências na dermatologia é o uso de biomateriais compostos de biopolímeros em combinação com células cumprindo os requisitos de biossegurança e que são ativas no tipo de ferida tratada.20 Resultados positivos e relevantes foram vistos em nosso paciente com DMJ depois da aplicação dos fibroblastos e queratinócitos autólogos, aplicados com cola de fibrina, e seguidos pela cobertura de membranas feitas de quitosana com xantana ou alginato.
A proteção fornecida pelos curativos de quitosana-alginato e quitosana-xantana com estímulos negativos do ambiente desempenha um papel no processo de cicatrização. De acordo com Wang et al.,29 o curativo ideal deve ser flexível e possuir a habilidade de controlar a perda de água no local da feriada. Deve ser resistente à invasão bacteriana, prevenindo sepse, ter boa aderência na úlcera, como também ser não antigênico, atóxico e de fácil aplicação e remoção. Da perspectiva da engenharia, o material para o curativo deve também ter boas propriedades mecânicas para que sua integridade seja mantida durante o uso.24 As taxas de evaporação de água também são importantes, tanto para manter a umidade adequada no leito da ferida como para evitar acúmulo indesejado de secreção. Ambas as membranas utilizadas nesse trabalho atingiram essa expectativa, sendo efetivas na contribuição para acelerar a regeneração tecidual e promover rápida cicatrização. Além disso, as membranas são transparentes, permitindo a observação do leito da ferida, sem necessidade de removê-las.
O complexo quitosana-alginato parece ter ação positiva no processo de remodelação tecidual na cicatriz, aumentando as taxas de síntese de colágeno, enquanto também melhora a compactação das novas fibras e promove a presença de fibroblastos maduros.29 Além disso, essas membranas parecem estimular e regular as várias fases do processo de cicatrização,21 sendo útil no tratamento das úlceras cutâneas. Tanto a síntese de colágeno como a modulação da contração da ferida pela membrana de quitosana-alginato podem resultar em rápido fechamento da lesão.21 Resultados similares foram vistos nas membranas de quitosana-xantana, associadas a células mesenquimais.20
O papel da cola de fibrina não está claro nesse caso. O produto é um adesivo biológico que funciona por simular a fase exsudativa da cicatrização, sendo frequentemente utilizada na cirurgia plástica, como também em transplante de órgãos. Nossa hipótese do seu potencial benefício, nesse caso, é de que seja pela melhora da aderência das células e membranas à lesão, e pelas ações hemostática e antibacteriana.30-33 Em condições normais, logo após o ferimento, fibrina e fibronectina são depositadas na ferida. Lá a fibrina age como barreira hemostática, aderindo o tecido e as células em volta e estimulando a migração de fibroblastos, o que também deve ter ocorrido no presente caso. Redher et al.3 demonstraram que a aplicação apenas da cola de fibrina, sem a cultura de células, foi incapaz de reepitelizar a ferida, apesar da formação de crosta. Os autores não mencionaram a redução da dor com essa aplicação.
A matriz de fibrina libera fatores de crescimento, como o fator de crescimento vascular endotelial (VEGF), fator de crescimento de fibroblasto (FGF) e fator transformador de crescimento b (TGF-β), e essas proteínas podem estar relacionadas com a melhora da dor, logo após o início do tratamento. Além da ação antibacteriana, o aumento da migração e proliferação de células endoteliais pode contribuir para uma melhora da irrigação vascular e também promover um ambiente ideal para migração, proliferação e diferenciação dos fibroblastos e queratinócitos melhorando a cicatrização.31
A melhora da calcinose não está clara, e o fenômeno de Koebener não foi observado após o início do tratamento, mesmo na área da biópsia.
A terapia celular com fibroblastos e queratinócitos autólogos foi usada nesse trabalho para um tratamento mais efetivo das úlceras em paciente com DMJ, com melhor resultado funcional e estético, como também levando a uma recuperação mais rápida e eliminação da dor, permitindo que o paciente retomasse seus estudos. O desenvolvimento de uma estratégia baseada em terapia celular representa um avanço no tratamento de úlceras de diferentes etiologias,17 e o uso das membranas de Q-A e Q-X em associação com as células autólogas é muito vantajoso, porque as membranas podem funcionar com uma barreira física, prevenindo contaminações externas,20 além de um potencial papel na cicatrização. Não foi observada diferença de performance na taxa de cicatrização com as diferentes membranas.
Os implantes descritos aqui foram efetivos quando comparados aos tratamentos convencionais de enxerto de pele de áreas doadoras saudáveis,16,17,35 mesmo que algumas das úlceras não tenham cicatrizado em sua totalidade, provavelmente devido à extensão e profundidade. As culturas celulares podem ser criopreservadas e, eventualmente, utilizadas em uma nova aplicação. As células autólogas são ótimas candidatas, pois com elas elimina-se completamente o risco de rejeição. Outro aspecto positivo é a não necessidade de hospitalização ou debridamento das lesões.
Esse foi o primeiro caso descrito mostrando o uso de culturas autólogas de fibroblastos e queratinócitos associados a membranas de quitosana-alginato ou quitosana-xantana para o tratamento de úlceras cutâneas associadas a dermatomiosite juvenil.
Neste trabalho demonstrou-se uma estratégia efetiva no tratamento de doença cutânea causada pela dermatomiosite juvenil, embora não tenha sido completamente curada. Talvez a combinação do transplante de células-tronco com células cutâneas autólogas possa ser a cura para um paciente como esse, que apresenta doença extensa e debilitante. Apesar de ser técnica sofisticada e restrita, mostrou estratégia terapêutica válida que pode ser utilizada na DMJ como também em úlceras de diferentes etiologias.
Paula Tavares Colpas | ORCID 0000-0002-1389-0749
Investigadora principal do artigo, responsável pela revisão de literatura, escrita, correções e aprovação final.
Paulo César Martins Alves | ORCID 0000-0002-6833-0343
Responsável pela cultura celular e revisão do manuscrito.
Carolina Caliari Oliveira | ORCID 0000-0001-7906-9809
Responsável pela cultura celular e revisão do manuscrito.
Ana Luiza Resende Pires | ORCID 0000-0001-8247-6288
Responsável pela produção de membranas e revisão do manuscrito.
Angela Maria Moraes | ORCID 0000-0002-5813-332X
Orientação e revisão do estudo.
Maria Beatriz Puzzi | ORCID 0000-0001-8248-7884
Orientação e revisão do estudo.
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