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Tratamento de verrugas virais com bleomicina intralesional

Leandro Fonseca Noriega1; Leticia dos Santos Valandro2; Nilton Gioia Di Chiacchio1; Marina Lino Vieira1; Nilton Di Chiacchio1

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201810103

Data de recebimento: 01/11/2017

Data de aprovação: 02/01/2018


Trabalho realizado no Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo - São Paulo (SP), Brasil.

Suporte Financeiro: Nenhum

Conflito de Interesses: Nenhum


Abstract

A verruga viral representa uma das dermatoses mais prevalentes. O quadro clínico varia de lesão única com cura espontânea até múltiplas lesões recalcitrantes. O sulfato de bleomicina é uma droga de ação citotóxica, aprovada para o tratamento quimioterápico de algumas malignidades. Há mais de 45 anos existem trabalhos demonstrando sua utilidade na dermatologia, em especial na terapia intralesional para verrugas virais, que constitui excelente opção para as lesões em topografias de difícil manejo e para os casos não responsivos a outras abordagens.


Keywords: Bleomicina; Tratamento farmacológico; Verruga viral


INTRODUÇÃO

A bleomicina foi originalmente isolada do fungo Streptomyces verticillus, em 1962, por Umezawa et al.1 Esse glicopeptídeo possui efeito antibacteriano e antiviral, porém sua maior utilidade deve-se ao efeito citotóxico. Foi aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento, por via sistêmica, do carcinoma testicular, da efusão pleural maligna, do linfoma de Hodgkin e não Hodgkin. Como quimioterapia adjuvante foi aprovado para o tratamento de algumas formas avançadas de carcinoma espinocelular cutâneo.2-4

Apesar de não ser aprovado para terapia intralesional, na dermatologia existem muitos relatos de casos e estudos que demonstram eficácia e segurança no tratamento de diversas doenças, como, por exemplo, verrugas virais, queloides, hemangiomas, malformações vasculares e algumas neoplasias malignas (carcinoma basocelular, queratoacantoma, carcinoma espinocelular e sarcoma de Kaposi).3,5,6

Farmacodinâmica

Conhecendo-se sua baixa absorção quando administrada por via oral, nos casos de tratamento sistêmico deverão ser utilizadas as vias endovenosa, intramuscular ou subcutânea, a depender do protocolo de abordagem.3

Devido a sua baixa absorção transepidérmica, é necessária dose muito elevada para que seja atingida mínima concentração tecidual, quando de sua aplicação por via tópica.3 Assim, a injeção intralesional torna-se alternativa para o tratamento de lesões localizadas. Após uma sessão de infiltração intralesional, considera-se que a absorção sistêmica seja mínima.7,8

James et al.9 dosaram o nível sérico de bleomicina em sete pacientes com verrugas virais palmares, após a injeção de uma unidade (U) da droga. A concentração plasmática variou entre 7,5 e 113,5ng/ml e de 4,9 a 34,8ng/ml após 45 e 120 minutos, respectivamente.

Sua excreção é principalmente renal, porém se sugere que exista a participação hepática.3,10 Também ocorre a destruição enzimática por meio da bleomicina hidrolase, enzima presente em diversos tecidos, porém em concentrações variáveis.3

Mecanismo de ação

Atua principalmente via clivagem da cadeia de DNA. Na presença de oxigênio, Fe2+ e um agente redutor, a bleomicina transfere elétrons do Fe2+ para o oxigênio, criando espécies reativas de oxigênio. O radical livre causa dano oxidativo aos nucleotídeos, clivando a cadeia de DNA.3 Também ocorre degradação do RNA celular.11 Outro mecanismo de ação relacionado à boa resposta terapêutica nas verrugas virais é o dano endotelial.11 Não foi descrito efeito direto da bleomicina sobre o papiloma-vírus humano (HPV).

Por ser substância hidrofílica, sua permeabilidade através da membrana celular é baixa. Mizuno e Ishida12 demonstraram que a associação da bleomicina com lidocaína, procaína, tetracaína, dibucaína, butacaína ou etanol gera maior efeito citotóxico. Essas substâncias causariam desestruturação das membranas celulares e consequentemente maior permeabilidade transmembrana.3,12

Forma farmacêutica

A preparação disponível comercialmente é o sulfato de bleomicina na forma de pó liofilizado, em frasco/ampola com 15U.3,4

Verrugas virais

A verruga viral cutânea é doença benigna comum, causada pelo HPV, que acomete com maior frequência a região das mãos e dos pés (Figura 1).13,14 A apresentação e a gravidade podem variar desde lesão única com resolução espontânea até múltiplas lesões de curso crônico. Acomete qualquer faixa etária, com prevalência variável entre 5 e 30% nas crianças e adultos jovens.13-15

Imunossuprimidos apresentam importante predisposição, com lesões de longa duração e menor resposta ao tratamento.13,15

Além das alterações estéticas e funcionais, devemos lembrar da associação entre a infecção por HPV e o carcinoma espinocelular cutâneo.15 Assim, é importante realizar a biópsia de lesões verrucosas crônicas nos adultos, posto que elas podem representar neoplasias epiteliais malignas.

Crioterapia, ácido salicílico, ácido lático, glutaraldeído, imiquimode, eletrocauterização, excisão cirúrgica, curetagem, podofilotoxina, cantaridina, 5-fluorouracil (tópico ou intralesional), imunoterapia, terapia fotodinâmica e pulsed dye laser são citados como opções terapêuticas.3,13,14

A topografia, o tamanho, o número de lesões e a falha nos tratamentos prévios influenciam a escolha da abordagem terapêutica.

Bleomicina intralesional para o tratamento das verrugas virais

A primeira descrição de bleomicina intralesional para o tratamento de verruga viral ocorreu na década de 1970, e desde então diversos estudos evidenciaram suas eficácia e segurança. Para muitos autores essa é uma excelente opção terapêutica para lesões em topografias de difícil abordagem, em especial a região periungueal (Figuras 2 e 3), e para lesões recalcitrantes, mesmo em imunossuprimidos.3,8,9,11,13,14,16,17

Dhar et al.18 analisaram 73 pacientes, entre cinco e 50 anos, com o total de 155 verrugas, comparando os usos de crioterapia e bleomicina intralesional. A taxa de cura no grupo da bleomicina foi de 94,9%; no grupo tratado com crioterapia foi de 76,5%.

Em estudo semelhante, Adalatkhah et al.19 demostraram cura em 86% e 68% dos casos tratados com bleomicina e crioterapia, respectivamente. Rossi et al.20 evidenciaram taxa de cura de 82%, sendo 2,5 vezes maior do que no grupo placebo.

Além das verrugas vulgares e palmoplantares, há estudos mostrando eficácia no tratamento das verrugas anogenitais, com taxa de cura de até 70%.21

Uma vez que o uso da bleomicina intralesional é modalidade considerada off-label, não existe uma forma padronizada de diluição. A maioria dos autores descreve o uso dessa droga em concentração variável de um a 1,5U/ml:

- 15ml de soro fisiológico (SF) 0,9% para 15U bleomicina = 1U/ml.2

- 5ml de água destilada para 15U de bleomicina. Posteriormente misturar 1/3 dessa solução + 2/3 de lidocaína 2% = 1U/ml.18,22

- 4 ml de SF 0,9% + 6ml de lidocaína 2% para 15U bleomicina = 1,5U/ml.21

Deve-se inserir a agulha na base da lesão, infiltrando-a até que ocorra o branqueamento local.18,21 Esse é um importante sinal de que a droga foi injetada corretamente.3

A maioria dos artigos menciona que a dose ideal deve variar entre 0,1 e 0,3U/lesão, sendo 3U a dose máxima recomendada por sessão. Habitualmente são necessárias duas ou três sessões, com intervalo de três a quatro semanas.3,18,21,23

Na primeira semana após o procedimento, para lesões localizadas nas mãos e/ou nos pés, espera-se que ocorra a formação de crostas hemáticas e enegrecidas. Isso se deve à diminuição absoluta do fluxo sanguíneo, que resulta em necrose e posterior desaparecimento da lesão (Figura 4). Em geral, ocorre resolução no prazo de duas a quatro semanas. Nas verrugas faciais ocorrem a regressão gradual e o desaparecimento da lesão sem a formação de crosta.3,11 Provavelmente o fluxo sanguíneo diminui após injeção, porém não é completamente interrompido, devido à rica vascularização dessa topografia. A indução de apoptose endotelial e o dano direto ou indireto no queratinócito podem resultar em regressão da verruga sem necrose ou escara.11

A aplicação de uma gota da solução de bleomicina na superfície da lesão, seguida de múltiplas puncturas, representa uma alternativa à terapia intralesional, descrita pela nomenclatura múltipla punctura translesional.4,15 Khalid et al.15 aplicaram essa técnica em 15 pacientes, utilizando solução de bleomicina 0,1U/ ml e agulha 27G. A dose utilizada variou entre 0,3 e 0,6ml por sessão. Após quatro semanas uma nova sessão foi realizada nos casos persistentes ou recidivados. Eles observaram que 46,6%, 73,3% e 86,6% apresentaram boa resposta após um, três e seis meses do procedimento, respectivamente.

Efeitos colaterais

A dor representa um dos principais fatores limitantes desse tratamento, podendo durar até 72 horas, com pico de intensidade no momento da injeção.3 Esse seria um dos motivos de alguns autores utilizarem a lidocaína como diluente, reduzindo a dor durante e no pós-procedimento imediato.18,21-23

Outros efeitos colaterais comuns na terapia intralesional com bleomicina são: eritema, edema, exulceração, formação de crostas hemáticas e escara.2,3,16

Pode ocorrer hipopigmentação ou hiperpigmentação transitórias (especialmente em pacientes de fototipos IV, V ou VI), cicatrizes atróficas ou hipertróficas e hematomas. Menos frequentemente foram descritos fenômeno de Raynaud, necrose digital, distrofia ungueal e perda da unha, após infiltração de verrugas periungueais.2-4,8 Apesar de raramente, também pode ocorrer dermatite flagelada na terapia intralesional.3,24

Não há relatos de complicações sistêmicas com o uso da bleomicina intralesional, com exceção de sintomas gripais-like, descritos apenas no tratamento de hemangiomas ou malformações vaculares.7,21,25

Opções para reduzir a dor durante a infiltração intralesional3,26

- Aplicação de anestésico tópico ou infiltração local

- Utilizar agulhas de menor diâmetro (27 ou 30G)

- Substituir a agulha, quando várias puncturas forem necessárias

- Esticar ou pinçar a pele adjacente

- Aplicar gelo ou dispositivos específicos de vibração

- Injetar lentamente

- Evitar grande volume por área de aplicação

Contraindicações

Hipersensibilidade ou reação idiossincrática ao medicamento, fenômeno de Raynaud, doença vascular periférica, gestação (categoria D) e amamentação.3,27

Não existem estudos de segurança em relação ao uso dermatológico intralesional na faixa etária pediátrica.3

 

CONCLUSÃO

Apesar de ser descrita há vários anos como opção terapêutica eficaz e segura para a abordagem de verrugas virais, a infiltração intralesional de bleomicina permanece uma opção off-label. Estudos evidenciaram elevada taxa de cura mesmo nos casos refratários a outras terapias, nas lesões em topografias de difícil abordagem e nos pacientes imunossuprimidos. A dor constitui o principal limitante desse procedimento.

Ressaltamos a importância da análise histopatológica das lesões verrucosas com longo período de evolução nos adultos, pois podem representar um carcinoma espinocelular e não uma simples verruga viral.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Leandro Fonseca Noriega | ORCID 0000-0002-2972-3718
Concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do manuscrito, obtenção, análise e interpretação dos dados.

Letícia dos Santos Valandro | ORCID 0000-0002-2225-1973
Concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do manuscrito, obtenção, análise e interpretação dos dados.

Nilton Gioia Di Chiacchio | ORCID 0000-0001-5944-7737
Concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do manuscrito, obtenção, análise e interpretação dos dados.

Marina Lino Vieira | ORCID 0000-0002-0477-1406
Concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do manuscrito, obtenção, análise e interpretação dos dados.

Nilton Di Chiacchio | ORCID 0000-0001-9536-2263
Concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do manuscrito, obtenção, análise e interpretação dos dados.

 

REFERÊNCIAS

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