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Relato de casos

Herpes-zóster oftálmico apos injeção de onabotulinotoxina para tratamento cosmético - Relato de caso

Mariana Boechat de Souza1; Maria Claudia Almeida Issa2; Caren dos Santos Lima3; Heliana Freitas de Oliveira Góes4; André Mattos5

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201793840

Data de recebimento: 14/11/2016
Data de aprovação: 26/02/2017
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

Episódios de herpes-zóster após procedimentos têm sido documentados recentemente na literatura. Uma vez que o uso da toxina botulínica atualmente se faz presente em diversas especialidades médicas, é crucial o estudo de seus efeitos colaterais e complicações. Uma revisão da literatura mostrou 65 casos de reativação de zóster após procedimentos, sendo três relacionados a injeções de toxina botulínica tipo A (dois para tratamento de rítides faciais e um para migrânea crônica). Em nosso caso, uma mulher de 43 anos previamente hígida apresentou herpe-zóster na face e couro cabeludo após injeções de toxina botulínica tipo A com fins estéticos, tendo recuperação completa após tratamento antiviral.


Keywords: HERPES-ZÓSTER OFTÁLMICO; HERPES-ZÓSTER; TOXINAS BOTULÍNICAS TIPO A; PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS DERMATOLÓGICOS


RELATO DE CASO

Uma mulher saudável de 43 anos de idade, com ausência de história prévia de herpes, recebeu toxina botulínica tipo A (onabotulinumtoxina A) para tratamento cosmético. O total de 40 unidades foi injetado nas regiões frontal, glabelar e periorbital, sem efeitos colaterais imediatos. Após três dias, a paciente reclamou de dor e parestesia na pálpebra esquerda e na área frontal esquerda, que se disseminaram para as regiões parietal e temporal ipsilaterais, acompanhadas com ardor no olho esquerdo e acuidade visual preservada. Doze horas após esses primeiros sintomas, o quadro progrediu com edema e pápulas eritematosas; foi tratada com antibióticos orais, após hipótese diagnóstica de celulite. No quarto dia, houve piora do edema e do eritema, com o aparecimento de algumas vesículas na fronte, na glabela e no lado esquerdo do couro cabeludo, seguidas de erosões superficiais e edema periorbitário (Figura 1). Cinco dias após, a paciente foi examinada por um dermatologista, que diagnosticou herpes-zóster no primeiro ramo do nervo trigêmeo esquerdo. A paciente foi tratada com 1g de cloridrato de valaciclovir três vezes ao dia durante sete dias, creme oftalmológico de aciclovir aplicado quatro vezes ao dia durante sete dias e 40mg/dia de prednisolona oral durante cinco dias. Após dez dias, os sinais e sintomas haviam sido quase que completamente resolvidos, porém a paciente ainda reclamava de dor e edema na pálpebra esquerda, que foram tratados com antibiótico tópico para blefarite durante mais sete dias (Figura 2). Os exames oftalmológicos não revelaram outras alterações.

Revisão da literatura

TOXINA BOTULÍNICA

A toxina botulínica tipo A (TBA) bloqueia a acetilcolina pela clivagem da proteína-25 associada ao sinaptosoma, a qual participa da formação do receptor exocítico solúvel da proteína de ligação do fator sensível a N-etil-maleimida (Snare), essencial para a fusão de vesículas contendo acetilcolina com a membrana pré-sináptica. Esse bloqueio resulta na denervação química seletiva dos músculos. A injeção periférica local de toxina botulínica tipo A também resulta na redução de várias substâncias que sensibilizam os nociceptores, tais como a substância P e o peptídeo relacionado com o gene da calcitonina, que desempenham papel significativo na inflamação neurogênica.1 O Food and Drug Administration (FDA) aprovou o uso de TBA para o estrabismo em 1979, para o blefaroespasmo em 1985, para o espasmo hemifacial em 1989 e, finalmente, para as rugas dinâmicas glabelares em 2003.2

Na revisão da literatura, foram encontrados 65 casos de reativação do herpes-zóster após procedimentos, a maioria deles em pacientes jovens sem fatores de risco específicos, o que sugere que a presença de herpes-zóster relacionado a trauma não seja incomum. Apenas três casos de herpes-zóster após aplicação de TBA foram relatados. Em um estudo de caso-controle, Thomsd et al. demonstraram a presença de aumento do risco de surto de zóster no local relacionado ao trauma durante o mês seguinte.3 Juel-Jensen relatou 38 surtos de zóster relacionados ao trauma em uma série de casos envolvendo 100 pacientes portadores de zóster.4 Em uma ampla revisão da literatura, Gadient et al.5 indicaram várias causas associadas à reativação do zóster, tais como: radioterapia para câncer de mama (41 pacientes), tratamento odontológico e cirurgia orofacial (seis pacientes); colocação de cateter venoso central (dois pacientes); lipoaspiração do dorso e flanco; reparo cirúrgico de fratura orbital; injeção intra-articular de corticosteroides; cirurgia a laser para miopia; criocirurgia para queratoses actínicas; biópsia hepática na hepatite C; enxerto de pele após queimaduras; simpatectomia torácica; bloqueio do nervo axilar; reconstrução mamária sob bloqueio nervoso intercostal; e intubação endotraqueal para esofagogastrostomia.5

HERPES-ZÓSTER

Após a infecção primária (varicela), o vírus varicela-zóster (VVZ) permanece dormente no gânglio da raiz dorsal; sua reativação causa o herpes-zóster, clinicamente caracterizado pelo surgimento repentino de vesículas em um dermátomo específico, unilateralmente, mais comum nas distribuições torácica e craniana, sendo geralmente seguido de sintomas prodrômicos como dor, disestesia, mal-estar e prurido.6

TOXINA BOTULÍNICA E HERPES-ZÓSTER

O mecanismo de reativação do VVZ não está claro. Os fatores primários de risco para a reativação do herpes-zóster são imunossupressão, idade avançada, doenças sistêmicas e certas doenças malignas. O VVZ não é incomum após grandes cirurgias devido ao estresse imunológico. Após pequenos procedimentos, a reativação da varicela provavelmente está relacionada ao trauma ou inflamação local.3,6,7 Estudos in vivo mostram que citocinas específicas, tais como a IL-6 e a alfa-TNF, assim como a proteína viral VP16, são relacionadas com a reativação do tipo 1 do vírus herpes simplex, enquanto o VVZ pode ser desencadeado de forma semelhante.5,8 Gadient et al.5 sugeriram que os agentes geradores de estresse (radiação, laser, agentes químicos, térmicos e mecânicos) exercem influência epigenética local na transcrição viral, permitindo a sua reativação.

Conforme relatado por Gadient e Graber,5,6 suspeita-se que a administração repetida de TBA cause a reativação do VVZ. Por outro lado, nenhum caso de herpes-zóster foi relatado em outro estudo com 513 indivíduos tratados com TBA para enxaqueca crônica (seguimento de 56 semanas).9

 

DISCUSSÃO

De acordo com a literatura, o presente relato de caso descreve o quarto caso de surto de herpes-zóster relacionado à injeção de TBA. Até então, apenas três casos tinham sido atribuídos a esse procedimento (dois após tratamento cosmético com TBA na fronte, glabela e áreas periorbitárias;6 e um após TBA utilizado para tratar enxaqueca crônica).5 No caso cosmético, o herpes-zóster foi diagnosticado após uma semana6 e na enxaqueca, 48 horas após o tratamento.5

Em um caso, uma mulher de 55 anos de idade, sem história prévia de herpes-zóster nem quaisquer fatores de risco, recebeu 50 unidades de toxina onabotulínica tipo A para o tratamento de linhas de expressão facial nas áreas glabelar, frontal e periorbitária.6 A paciente havia passado por oito tratamentos anteriores com TBA. Diferentemente do nosso caso, no qual a paciente havia sido submetida pela primeira vez ao tratamento, sete dias após as injeções, a paciente queixou-se de inchaço, prurido e dor na região frontal esquerda e glabela, apresentando eritema e edema pouco demarcados, com erosões superficiais na região, não exatamente no mesmo local das injeções. No presente relato de caso, as lesões ocorreram três dias após na região frontal esquerda e na glabela, tal como naquela paciente. Após o diagnóstico de herpes-zóster oftálmico, a paciente recebeu 1g de cloridrato de valaciclovir três vezes ao dia durante dez dias, o que resultou na completa resolução dos sintomas após uma semana. Seis meses depois, o tratamento com TBA foi repetido com igual propósito (cosmético), sendo que a paciente recebeu antivirais orais, com ausência de recorrência do herpes-zóster.6

O mesmo estudo também relata o caso de uma mulher de 48 anos sem história prévia de herpes-zóster ou de qualquer fator de risco nem uso prévio de toxina botulínica de qualquer tipo, como no presente relato de caso. A paciente foi tratada com TBA nas áreas glabelar, frontal e periorbitais.6 Seis dias após o tratamento, houve parestesia na orelha externa direita, dor de cabeça constante do lado direito e, no sétimo dia, desenvolveram-se vesículas na glabela e no lado direito da região frontal. Os sintomas e sinais clínicos foram semelhantes aos do presente relato de caso, exceto pelo fato de que a área contralateral foi afetada. O tratamento com valaciclovir oral foi bem-sucedido.

O terceiro caso, relatado por Gadient et al.,5 foi o de uma mulher de 72 anos de idade que recebeu injeções de TBA a cada três meses durante três anos para tratar enxaqueca crônica, com ausência de incidentes. Foi o primeiro relato publicado sobre herpes-zóster após a utilização de TBA para tratar enxaqueca crônica. Dois dias após o procedimento, a paciente desenvolveu edema periorbital e uma possível celulite, tendo sido tratada com antibióticos orais, assim como no presente relato de caso. O herpes-zóster foi diagnosticado apenas uma semana depois e, por essa razão, a paciente não foi tratada com antivirais.

 

CONCLUSÃO

Embora os mecanismos exatos da reativação do VVZ permaneçam desconhecidos, essa condição foi relatada após procedimentos menores e relacionados a trauma ou inflamação local. Os surtos de herpes-zóster após a aplicação de TBA foram documentados recentemente na literatura, não apenas com objetivos cosméticos, mas também para o tratamento da enxaqueca crônica. Como a aplicação de TBA é um procedimento muito comum, é importante que os dermatologistas estejam atentos, evitando erros diagnósticos.

 

PARTICIPAÇÃO NO ARTIGO:

Mariana Boechat de Souza:

Revisão de Literatura, redação e submissão do artigo

Maria Claudia Almeida Issa:

Avaliação e acompanhamento clínico, diagnóstico e tratamento.

Caren dos Santos Lima:

Revisão de Literatura e redação do artigo

Heliana Freitas de Oliveira Góes:

Revisão de Literatura e redação do artigo

André Mattos:

Avaliação e acompanhamento clínico, diagnóstico e tratamento.

 

Referências

1. Apalla Z, Sotiriou E, Lallas A, Lazaridou E, Ioannides D. Botulinum toxin A in postherpetic neuralgia: a parallel, randomized, double-blind, single-dose, placebo-controlled trial. Clin J Pain. 2013;29(10):857-64.

2. Carruthers A, Carruthers J, editors. Botulinum Toxin. 2nd ed. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2008.

3. Thomas SL, Wheeler JG, Hall AJ. Case-control study of the effect of mechanical trauma on the risk of herpes zoster. BMJ. 2004;328(7437): 439.

4. Juel-Jensen BE. The natural history of shingles. Events associated with reactivation of varicella-zoster virus. J R Coll Gen Pract. 1970;20(101):323-7.

5. Gadient PM, Smith JH, Ryan SJ. Herpes Zoster ophthalmicus following onabotulinmtoxinA administration for chronic migraine: a case report and literature review. Cephalalgia. 2015;35(5):443-8.

6. Graber EM, Dover JS, Arndt KA. Two cases of herpes zoster appearing after botulinum toxin type a injections. J Clin Aesthet Dermatol. 2011;4(10):49-51.

7. Yawn BP, Gilden D. The global epidemiology of herpes zoster. Neurology. 2013;81(10):928-30.

8. Shimeld C, Easty DL, Hill TJ. Reactivation of herpes simplex virus type 1 in the mouse trigeminal ganglion: an in vivo study of virus antigen and cytokines. J Virol. 1999;73(3):1767-73.

9. Aurora SK, Dodick DW, Diener HC, DeGryse RE, Turkel CC, Lipton RB, et al. OnabotulinumtoxinA for chronic migraine: efficacy, safety, and tolerability in patients who received all five treatment cycles in the PREEMPT clinical program. Acta Neurol Scand. 2014;129(1):61-70.

 

Trabalho realizado na Universidade Federal Fluminense (UFF) – Niterói (RJ), Brasil.


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