Alopecia em barba causada por desoxicolato para tratamento de gordura submentoniana

Data de recebimento: 27/06/2017
Data de aprovação: 27/09/2017
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Segundo relato de caso da literatura de alopecia em região de barba observada após terceira sessão de injeções de desoxicolato a 1% para redução de gordura submentoniana.

Keywords: ALOPECIA; GORDURA SUBCUTÂNEA; ÁCIDO DESOXICÓLICO

Recentemente um relato de alopecia após injeções de ATX-101 para redução de gordura submentoniana foi publicado, alertando para a possibilidade desse efeito colateral estético detectado por estudo de caso único no período pós-marketing, fase IV, do Kybela^® (Allergan, USA) nos Estados Unidos da América, com seguimento, durante um ano, de alopecia permanente, após sessão única.¹ A despeito do número de pacientes estudados no período pré-venda em um ambiente controlado, o verdadeiro perfil de segurança de uma medicação ocorre pela vigilância contínua por meio de relatos voluntários de efeitos adversos.² Relatos de caso são extremamente importantes para a detecção de efeitos colaterais não previstos pelos desenhos de estudos fase II e III, alertando prontamente a indústria no sentido de avaliar ativamente o risco real do evento: neste caso, em paciente do sexo masculino com barba na região submentoniana. Há também a necessidade de inclusão desse possível efeito colateral nos termos de consentimento dos consultórios médicos.

Um caso muito similar ocorreu na clínica privada do autor do presente relato (Figura 1), sendo observado pelo próprio paciente um mês após a terceira sessão de injeções de desoxicolato a 1%, preparado em frasco estéril contendo 22ml de água destilada com álcool benzílico 0,9% (Bacteriostatic Water 30ml, Hospira), adicionando-se 1ml de lidocaína 2% com epinefrina 1:200.000 (Xylestesin, Cristalia, São Paulo, Brasil), 6,1ml de desoxicolato a 4,75% (desoxicolato de sódio, Pineda^®, São Paulo, Brasil). Foi injetado com seringa de 3ml (Luer LokTM, Becton Dickson), acoplada em agulha 0,3x13mm (30G 1/2, Becton Dickson) um volume de 0,2ml por ponto na gordura pré-platismal (agulha entre 2/3 e totalmente inserida, perpendicularmente após tração da pele com beliscão da mão oposta). A marcação dos pontos é realizada a cada 1cm, em área delimitada pelos seguintes reparos anatômicos: margem superior 1,5cm caudal da margem mandibular, margem inferior 1cm cranial ao osso hioide, margens laterais, 1cm medial à banda platismal que se insere na área denominada jowl. Apesar de a alopecia submentoniana estar mantida em cada retorno para nova sessão, nos últimos três meses, o paciente decidiu dar continuidade ao tratamento, pelo excelente resultado progressivo na diminuição da gordura submentoniana. Também foi observada alopecia na região de pomo de adão, não injetada.

Como nenhum caso relatado foi submetido a biópsia, podemos apenas especular sobre os possíveis mecanismos dessa alopecia aparentemente não cicatricial. A difusão da solução de desoxicolato no tecido subcutâneo pode propiciar sua ação química direta nas paredes celulares das estruturas dos bulbos e papilas foliculares do tecido subcutâneo superficial. A inflamação e fibrose subcutânea desencadeadas pela lise de adipócitos poderiam também afetar o ciclo capilar. Também há possibilidade de alopecia areata difusa, desencadeada pela inflamação da paniculite química subjacente. Não se descarta a possibilidade de injeção inadvertida de silicone medicinal, que lubrifica os êmbolos das seringas para o adequado deslizamento sobre a parede interna dos tubos. Como a posição da seringa durante a injeção submentoniana é inclinada para cima, havendo solubilização do silicone, este pode ser deslocado à porção superior do líquido a ser injetado, devido a sua densidade, mais baixa do que a da água. O lubrificante das seringas, quando injetado no subcutâneo, pode causar lipogranuloma fibrosante com consequente alopecia.

No Brasil o ATX-101 ainda não está disponível (Kybella ^®/ Belkyra^®). Os únicos produtos disponíveis contendo desoxicolato são adquiridos de farmácias de manipulação especializadas em injetáveis, havendo a preocupação sobre potencial risco mais elevado de contaminação micobacteriana do que com produtos industrializados. Infelizmente, dermatologistas brasileiros, que desbravaram o campo da efetividade de injeções contendo desoxicolato para tratamento de panículos adiposos^3,4 ainda aguardam o fornecimento pelo laboratório responsável pela comercialização do produto.

Levando em consideração a possibilidade de alopecia, em pacientes que usam barba ou que não toleram o edema causado pelo desoxicolato, há a alternativa de indicar a técnica da “lipoatrofia cosmética” proposta em 2009 por Hexsel,⁵ que utiliza quantidades diminutas de triancinolona como substância ativa, com efeitos duradouros, mas aparentemente temporários, e com crescimento capilar como um possível efeito colateral.

 

PARTICIPAÇÃO NO ARTIGO:

Carlos Gustavo Wambier:

Escrita e revisão crítica

 

Referências

1. Souyoul S, Gioe O, Emerson A, Hooper DO. Alopecia after injection of ATX-101 for reduction of submental fat. JAAD Case Rep. 2017; 3(3):250-2.

2. Suvarna V. Phase IV of Drug Development. Perspect Clin Res. 2010; 1(2):57-60.

3. Hexsel DM, Serra M, Dal'Forno TO, do Prado DZ. Cosmetic uses of injectable phosphatidylcholine on the face. Otolaryngol Clin North Am. 2005;38(5):1119-29.

4. Rittes PG. The use of phosphatidylcholine for correction of lower lid bulging due to prominent fat pads. Dermatol Surg. 2001; 27(4):391-2

5. Hexsel D, Soirefmann M, Rullan P, Dal'Forno TO. Cosmetic lipoatrophy of the face. J Am Acad Dermatol. 2009 Mar 1;60(3 Suppl 1):AB185.

 

Trabalho realizado na Instituição: Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) - Ponta Grossa (PR), Brasil.