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Artigo Original

Perfil dos filtros solares utilizados nos fotoprotetores no Brasil

Mariana Marteleto Godinho1; Bryan Hudson Hossy2; João Paulo Niemeyer-Corbellini3; Marcia Ramos-e-Silva4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20179305

Data de recebimento: 10/08/2016
Data de aprovação: 21/09/2017
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: Filtros solares são os ingredientes ativos dos protetores solares capazes de promover proteção contra as radiações ultravioleta. O mercado tem oferecido um número crescente desses ingredientes, tornando a fórmula dos fotoprotetores cada vez mais variada. Objetivo: Listar os principais filtros solares que fazem parte das formulações à venda no Brasil, assim como registrar a presença de outros ingredientes dos protetores solares. Métodos: Os autores visitaram quatro farmácias da cidade do Rio de Janeiro, (RJ), Brasil, e analisaram as fórmulas dos protetores solares com fator de proteção solar 30 encontrados. Os filtros solares encontrados nas formulações foram listados, e o percentual de cada um deles foi avaliado em relação ao total de todos os filtros presentes. A presença de extratos vegetais e antioxidantes também foi anotada. Resultados: Foram encontrados 30 fotoprotetores à venda com FPS 30 nos diferentes estabelecimentos, e todos foram analisados em sua composição. Neles havia 17 filtros solares, sendo o mais frequente nas formulações o dióxido de titânio, seguido pelo bis-ethylhexyloxyphenol methoxyphenol triazine. Conclusão: Este estudo apresenta o perfil dos filtros solares utilizados nos principais fotoprotetores à venda no Brasil e fornece dados para posterior avaliação de mudanças desse perfil ao longo dos anos, à medida que novos filtros solares sejam introduzidos no mercado.


Keywords: FILTROS SOLARES; FOTOPROTETORES; FOTOPROTEÇÃO; RAIOS ULTRAVIOLETA


INTRODUÇÃO

Os filtros solares são moléculas ou complexos moleculares responsáveis por promover fotoproteção contra radiações ultravioleta dos tipos A e B e luz visível, de acordo com seus espectros de ação.

Os protetores solares ou fotoprotetores são produtos formulados a partir da conjugação dos filtros solares, considerados ingredientes ativos, com veículos como loções hidroalcoólicas, óleos, aerossóis, cremes, emulsões e géis. Essa associação forma diversos compostos finais, com diferentes espectros de ação contra a radiação solar, textura e fotoestabilidade, entre outros aspectos.1,2

O uso do protetor solar tem-se tornado hábito crescente nas últimas décadas. Um dado que corrobora esse fato é o aumento de cerca de sete vezes na comercialização desses produtos entre 1992 e 2002.1 A cada dia as pessoas se tornam mais conscientes da importância da fotoproteção na prevenção do fotoenvelhecimento e de lesões pré-malignas e malignas fotoinduzidas.2

Com base nisso, a indústria vem ofertando um número crescente de fotoprotetores com formulações diversificadas e investe na produção de novos filtros solares.1

O constante surgimento desses novos filtros solares implicou a mudança da composição dos fotoprotetores ao longo dos anos. Filtros solares mais fotoestáveis e potentes são introduzidos nas fórmulas, enquanto outros, utilizados no passado, são excluídos, seja pelo fato de ser menos efetivos, conter potencial alergênico ou oferecer efeito estético pouco aceitável à formulação, por exemplo. Além disso, ingredientes considerados como antioxidantes têm sido incluídos com frequência nas formulações atuais dos fotoprotetores.

Diante disso e da necessidade de conhecer o perfil de filtros solares utilizados nas formulações de alguns dos principais protetores solares à venda no Brasil, este trabalho tem o objetivo de listar quais os princípios ativos presentes nas principais formulações encontradas no mercado. Esse conhecimento pode fornecer dados para posteriores análises na mudança desse perfil.

 

MÉTODOS

Os autores visitaram quatro farmácias da cidade do Rio de Janeiro, Brasil, duas de grande porte e duas de pequeno porte.

Todos os produtos classificados como protetores solares com fator de proteção solar 30 (FPS 30) encontrados nesses quatro estabelecimentos tiveram suas formulações avaliadas, de acordo com os rótulos fornecidos pelo fabricante.

Com base nas informações dos ingredientes contidos na embalagem, os filtros solares listados na composição foram separados do restante das demais substâncias de cada um dos produtos analisados e, ao final, foi estabelecido o percentual de presença de cada filtro solar em relação a todos os produtos.

A presença de extratos vegetais e antioxidantes também foi avaliada nas formulações.

Fotoprotetores labiais ou hidratantes com fator de proteção solar não foram incluídos nas análises.

 

RESULTADOS

Foram encontrados 30 fotoprotetores diferentes com FPS 30 e, neles, 17 filtros solares.

A relação dos filtros solares presentes nas formulações e o percentual de presença nas fórmulas estão listados na figura 1.

O filtro solar mais encontrado nas formulações foi o dióxido de titânio, presente em 70% dos protetores solares analisados, seguido pelo bis-ethylhexyloxyphenol methoxyphenol triazine (anisotriazina), presente em 66,6%.

Disodium phenyl dibenzimidazole tetrasulfonate e isoamyl p-methoxycinnamate foram os ingredientes ativos menos encontrados (3,3%).

O número de ingredientes ativos nos protetores solares variou de dois a nove, com média de seis.

A concentração dos filtros solares não pôde ser avaliada, já que esse dado não está disponível no rótulo dos produtos.

 

DISCUSSÃO

A opção pela análise dos produtos com FPS 30 se baseou nas recomendações da Academia Americana de Dermatologia, ao compilar estudos que mostram ser pouco efetivo o uso de fotoprotetores com FPS abaixo de 30, já que a quantidade do produto aplicada pelo consumidor sobre a pele fica em geral abaixo da recomendada e avaliada nos testes de medida de FPS de um fotoprotetor.3 Além disso, a avaliação de produtos com igual fator de proteção torna o estudo mais homogêneo e fidedigno.

Dos 17 filtros encontrados, 16 são liberados para uso pela Anvisa4 e dez pelo FDA3 (Tabela 1).3-9 Disodium phenyl dibenzimidazole tetrasulfonate foi o único filtro solar não liberado pela Anvisa encontrado nos fotoprotetores (3,3%).

Os autores não encontraram relato de pesquisa semelhante no Brasil, o que impede comparações atuais e ao longo do tempo do perfil de fotoprotetores. Foi possível, entretanto, comparar os dados encontrados com os referentes à composição dos fotoprotetores à venda na União Europeia (UE), sendo observadas algumas divergências.

Na análise europeia, realizada por Kerr,10 em 2011, foram encontrados 19 filtros solares nas formulações. Deles, 18 são liberados pela Anvisa e nove pelo FDA. A amostra de fotoprotetores analisados neste estudo foi maior e não se limitou apenas aos produtos com FPS 30. A média de FPS de todos os fotoprotetores analisados nesse estudo europeu foi de 30. A média de ingredientes ativos presentes foi de cinco e variou de um a oito nas formulações.

O filtro solar com maior percentual encontrado nos protetores solares da UE foi o butylmethoxydibenzoilmethane (96,4%). Esse dado reforça a necessidade e o esforço das indústrias farmacêuticas europeias em fornecer boa proteção UVA, além de manter boa eficácia contra UVB.10 No Brasil, conforme os resultados apresentados neste trabalho (Figura 1), ele é o quarto filtro solar presente nos fotoprotetores com FPS 30, juntamente com ethylhexyl methoxycinnamate (53,3%). A partir da análise realizada no presente estudo, entretanto, pode-se concluir que as indústrias farmacêuticas brasileiras também demonstram interesse em oferecer proteção eficaz contra UVA associada a UVB. Bis-ethylhexyloxyphenol methoxyphenol triazine e octocrylene, dois filtros combinados (com espectros de ação contra ambas as radiações), constituem o primeiro e segundo filtros solares orgânicos em percentual de presença nas formulações (66,6% e 56,6%, respectivamente).

Na UE houve aumento do percentual desses dois filtros nos bloqueadores solares na comparação entre 2005 e 2010.10

Dióxido de titânio, filtro solar mais frequente nas formulações brasileiras analisadas (70%), esteve presente em apenas 49% dos protetores solares europeus. Baixo potencial de sensibilização e espectro de atuação contra UVA, UVB e luz visível podem justificar o alto percentual de presença desse filtro nos fotoprotetores.2 Óxido de zinco, outro exemplo de filtro solar inorgânico, esteve presente em 6,6% das fórmulas nacionais e ausente na análise europeia, já que seu uso não é permitido nas formulações da UE.10

Reações alérgicas, dermatites de contato e de fotocontato alérgicas aos filtros solares são raras. Fotoalergias de contato são mais relacionadas à benzofenona-3 (oxibenzona).2 Apesar desse possível efeito adverso, esse ingrediente ativo foi encontrado em 23,3% das formulações dos fotoprotetores vendidos no Brasil. Na União Europeia esse percentual é menor: 15,1%.10

Relatos atuais sobre o octocrylene como ingrediente fotoalergênico emergente apontam para o fato de possível aumento de casos de fotoalergia relacionados a esse filtro solar.10 Sua presença nos fotoprotetores europeus aumentou em 23% em 2010 e constitui o segundo ingrediente ativo mais frequente nas fórmulas europeias atuais; em 2005 ocupava o quarto lugar.10 Esse aumento pode ser responsável pelo aumento no número de casos de fotoalergia na UE. No Brasil, ele é o terceiro filtro em percentual de presença nos protetores solares analisados (56,6%), porém não há como avaliar o aumento de sua presença nas fórmulas nacionais por falta de dados comparativos. Cabe, entretanto, um alerta aos dermatologistas no sentido de ser um dos potenciais filtros causadores de reações fotoalérgicas relacionadas aos fotoprotetores, e, caso seja constatada essa relação, sua concentração nas formulações subsequentes tenderá a diminuir. Um exemplo de situação semelhante ocorreu com o filtro Paba. Na década de 1970 esse era o principal filtro utilizado nas fórmulas dos fotoprotetores. Hoje, tendo sido comprovados como alergênicos, Paba, amildimetil Paba e benzofenona-10 não são mais comercializados.2

Outro dado interessante do estudo foi o encontro de extratos vegetais em número significativo dos fotoprotetores. Deles, Camellia sinensis, extrato do chá-verde, foi o mais presente nas fórmulas. Possui potente efeito antioxidante e efeito fotoprotetor contra fotoenvelhecimento e fotoimunossupressão.11-13 Polipodium leucotomos foi encontrado em apenas um dos protetores solares do estudo. Evidências científicas apontam para seu efeito fotoprotetor pelo uso tópico ou sistêmico da substância.13

Outros extratos presentes foram Aloe barbadenses (aloe vera), daucos carota oil (óleo de cenoura), camomila, Glyciriizia inflata, Calendula officinales (calêndula), Zinger oficinalles, Citrus vulgares, cucurbita pepo seed oil (óleo de semente de abóbora), Prunus cerasus (cereja), Malphiguia pruncifolia fruit extract e Cassia alata leaf extract. Esses extratos de plantas atuariam como protetores contra os radicais livres gerados pela radiação UV, que participam do processo de fotoenvelhecimento e carcinogênese. Outro componente com efeito antioxidante presente em 66% dos produtos foi o tocoferol (vitamina E).14

O talco, também considerado, assim como o dióxido de titânio e óxido de zinco um filtro solar inorgânico,15 foi encontrado em apenas um dos 30 protetores solares analisados.

 

CONCLUSÃO

Este estudo permite traçar um perfil dos filtros solares presentes na composição dos principais protetores solares com FPS 30 à venda no Brasil e fornece bases para posteriores análises nas mudanças dessa composição à medida que novos ingredientes ativos sejam introduzidos no mercado e novas formulações sejam criadas.

 

PARTICIPAÇÃO NO ARTIGO:

Mariana Marteleto Godinho:

Coleta de dados nas farmácias, análise dos dados e redação do trabalho.

Bryan Hudson Hossy:

Análise dos dados, elaboração da tabela e da figura e redação do trabalho.

João Paulo Niemeyer-Corbellini:

Análise dos dados, escrita do trabalho e revisão final do trabalho.

Márcia Ramos-e-Silva:

Escrita do trabalho e redação final

 

Referências

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4. Resolução – RDC n°47, de 16 de março de 2006 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). última visualização em 21/02/2015. http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/14c345804aee4083b759bfa337abae9d/Resolu%C3%A7%C3%A3o+RDC+n%C2%BA+47,+de+16+de+mar%C3%A7o+de+2006.pdf?MOD=AJPERES

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Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.


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