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Artigo Original

Análise do índice de acurácia diagnóstica e terapêutica baseado na dermatoscopia do câncer da pele não melanoma

Isadora Melo Zambuzzi1; Carlos Henrique Lopes Vidal1; André Cesar Antiori Freire Pessanha2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2017931057

Data de recebimento: 10/07/2017
Data de aprovação: 20/09/2017
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

Introdução: O câncer da pele não melanoma está entre as neoplasias de maior incidência no Brasil, sendo considerado um problema de saúde pública. O diagnóstico se inicia pela suspeita clínica, incluindo a dermatoscopia, e, de forma definitiva, a análise histopatológica. A dermatoscopia contribui também para a demarcação de margens de segurança do tumor. Objetivo: Analisar a acurácia da dermatoscopia quanto ao diagnóstico do câncer da pele não melanoma e sua eficácia na definição das margens laterais desses tumores em biópsias excisionais. Métodos: Comparação da hipótese diagnóstica levantada mediante a dermatoscopia com o resultado histológico final e comprometimento de margens laterais. Resultados: Foram avaliados de 2015 a 2017, dados de 70 lesões suspeitas de câncer da pele não melanoma em um grupo de 50 pacientes. A comparação da hipótese diagnóstica com o resultado histológico final após biópsia excisional mostrou índice de acerto de 79,6% para os casos suspeitos de carcinoma basocelular e de 23,8% para os de carcinoma espinocelular. As margens de segurança foram respeitadas em 74% dos carcinoma basocelular e 60% dos carcinoma espinocelular. Conclusões: O diagnóstico de câncer da pele não melanoma depende de dermatologistas e patologistas experientes, sendo fundamental a interação entre ambos. A dermatoscopia contribuiu para o diagnóstico do carcinoma basocelular de forma mais importante do que para o do carcinoma espinocelular.


Keywords: NEOPLASIAS; DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL; MARGEM


INTRODUÇÃO

O câncer da pele não melanoma (CPNM) está entre as neoplasias mais comuns, sendo a sua ocorrência maior do que a de todos os outros tipos de câncer somados,1,2 constituindo, portanto, um problema de saúde pública devido à sua incidência crescente e aos consequentes custos inerentes ao tratamento.3

Os tumores representantes do CPNM são os carcinomas basocelular (CBC) e espinocelular (CEC),4-6 este representando cerca de 20% dos casos de câncer da pele e aquele, aproximadamente 70%.6 Em geral, causam maior morbidade do que letalidade, mas ambos têm potencial metastatatizante (0,5% para o CBC e 20% para o CEC).7 A suspeita diagnóstica desses tumores se inicia pelo aspecto clínico e é auxiliada pelos parâmetros dermatoscópicos.8 A dermatoscopia do CBC pode apresentar os seguintes sinais, com elevada especificidade: áreas em "raio de roda", grandes ninhos ovoides azul-acinzentados, múltiplos glóbulos azul-acinzentados, áreas "em folha" (ou "em dedo de luva"), telangiectasias arboriformes e ulcerações (menos específicas).9 Já a do CEC geralmente não é tão específica a ponto de diferenciá-lo de suas variantes iniciais (queratose actínica e doença de Bowen) e em alguns casos até de outras entidades como queratose seborreica, verruga vulgar e queratoacantoma. Vasos glomerulares e áreas amarelo-esbranquiçadas são achados dermatoscópicos vistos no CEC.10,11

O padrão ouro para o diagnóstico do CPNM, tanto do CBC quanto do CEC, é o exame histopatológico.5 Existem, entretanto, meios não invasivos para examinar as lesões previamente e estratificar seu risco, sendo a dermatoscopia um deles.12,13 Sua importância consiste na necessidade de minimizar custos com biópsias desnecessárias, definir um posicionamento médico para o paciente e, em alguns casos, reduzir a morbidade cirúrgica. Por outro lado, a dermatoscopia contribui para o diagnóstico precoce (lesões iniciais ou pequenas) e tratamento adequado (definição de margens cirúrgicas). Esses são fatores-chave para um prognóstico mais favorável no CPNM.14

O estudo objetiva realizar a autoavaliação de um serviço acadêmico da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) quanto ao índice de acerto clínico-dermatoscópico no CPNM e analisar o grau de eficácia da biópsia excisional na supressão da etapa incisional considerando os casos de acerto para CPNM.

 

MÉTODO

Estudo realizado no Serviço de Dermatologia da Universidade de Mogi das Cruzes, São Paulo, Brasil, de 2015 a 2017, no qual foram avaliadas 70 lesões suspeitas de CPNM em um grupo de 50 pacientes.

Os critérios de inclusão para as lesões foram CPNM de baixo risco (tumores de até 1cm e bem delimitados) e perspectiva de reconstrução sem complexidade, ou seja, fechamento borda a borda para facilitar a ampliação de margem em caso de comprometimento. A margem lateral implementada foi de 3mm e a margem profunda atingindo o tecido celular subcutâneo com bisturi em ângulo de 90º em relação à pele.

Os critérios de exclusão utilizados foram tumores maiores que 1cm, mal delimitados, recidivados e periorificiais.

As lesões foram registradas em banco de dados com as seguintes informações: hipótese diagnóstica, idade, sexo e topografia da lesão. Após essa etapa foi realizada a comparação da hipótese diagnóstica levantada mediante dermatoscopia com o resultado histológico final e comprometimento das margens cirúrgicas.

O índice de acurácia diagnóstica dermatoscópica foi definido pelo grau de concordância da hipótese diagnóstica com o laudo histológico final. O índice de acurácia terapêutica com auxílio da dermatoscopia foi definido como o percentual de casos de CPNM apresentando margens cirúrgicas livres de comprometimento neoplásico.

A montagem do banco de dados, bem como a análise de seu conteúdo, foi feita a partir do programa Microsoft Excel. A análise estatística foi feita de forma quanti-qualitativa e descritiva.

A pesquisa foi realizada dentro dos parâmetros contidos na Resolução 466/12 e suas complementares do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, que dispõe sobre sigilo e confiabilidade dos dados coletados. O Comitê de Ética em Pesquisa – CEP/UMC aprovou o protocolo da pesquisa número 50776615.8.0000.5497 e parecer 1.463.323.

 

RESULTADOS

Foram avaliadas 70 lesões de pele com HD de CPNM em um grupo de 50 pacientes, sendo 27 homens (54%) e 23 mulheres (46%) com média de idade de 70 anos (Tabela 1). Desse levantamento, a HD de CBC representou 70%, e a de CEC, 30%.

O índice de acurácia diagnóstica para CBC foi 79,6%, e para CEC, 23,8% (Tabela 2).

A tabela 3 mostra os outros diagnósticos histológicos encontrados que não correspondiam às hipóteses clínicas de carcinoma basocelular.

A tabela 4 mostra os outros diagnósticos histológicos encontrados que não correspondiam às hipóteses clínicas de carcinoma espinocelular.

Quanto à localização corpórea das lesões, as regiões mais acometidas foram cabeça e pescoço, seguidas de membros superiores e mãos (Tabela 5). A topografia mais prevalente de CBC foi cabeça e pescoço (63%), e a de CEC, membros superiores (48%).

Dos diagnósticos corretos de CBC, 74% apresentaram margens cirúrgicas livres de comprometimento em comparação com 60% de CEC. Não houve descrição de margens cirúrgicas em sete lesões de CBC e uma lesão de CEC (Gráfico 1).

 

DISCUSSÃO

A correta descrição clínica e a dermatoscópica são ferramentas para a suspeita do CPNM. O estudo anatomopatológico corresponde ao diagnóstico definitivo.15,16 Para tumores de baixo risco, conforme caracterizados na metodologia, procurou-se avaliar a correlação entre tal avaliação clínica e a histopatologia em um serviço de dermatologia da SBD, composto de residentes e preceptores.

Na avaliação epidemiológica do estudo tivemos uma suspeita de 70% de CBC para 30% de CEC (relação 2,3), proporção próxima à descrita na literatura (70% para 20%, relação 3,5),6 Quanto aos resultados encontrados a proporção de CBC para CEC foi de 39:8 ou 4,875. Portanto neste estudo houve prevalência relativa maior de CBC comparativamente ao CEC quanto aos resultados histológicos.

Observa-se nesta pesquisa que o índice de acerto para CBC foi maior que o de CEC. Esse achado pode ser justificado por aspectos dermatoscópicos mais específicos para aquela neoplasia comparativamente a esta.17 Dermatoses com características clínicas e dermatoscópicas semelhantes ao CEC como queratose actínica (QA),15 queratoacantoma (QAc)15,18 e verruga vulgar (VV)19 compuseram percentual importante entre os diagnósticos encontrados nas suspeitas de CEC. Portanto, somente 23,8 % de acerto de CEC fica relativizado. Considera-se que o CEC, somado a esse grupo de dermatoses símiles clínica e dermatoscopicamente, em alguns casos corresponde a 85% dos resultados encontrados na suspeita. Reconhecemos, entretanto, que os critérios clínicos utilizados para diferenciar CEC dessas outras dermatoses foram falhos com muita frequência neste estudo.

Erros de diagnóstico em suspeitas de carcinoma basocelular podem ser justificados por alguns fatores: aspectos clínicos inespecíficos e características vasculares dermatoscópicas semelhantes em alguns casos de CBC, QA e CEC; apesar de possível, tal diferenciação dermatoscópica,17 demanda maior experiência dos médicos assistentes na curva de aprendizado da dermatoscopia. Erro do tipo operador-dependente (médico patologista) ou até logístico laboratorial (possível troca de lâminas ou laudos) devem ser considerados.

Quanto às margens cirúrgicas, percebemos que para alguns casos de CPNM elas foram insuficientes levando-se em consideração a excisão de 3mm a partir do limite externo do tumor marcado dermatoscopicamente, com maior relevância para os CEC, justificando as margens de segurança maiores que a literatura médica preconiza para esse tumor em relação ao CBC. Uma explicação para isso está nos limites usualmente imprecisos do CEC, além de na inflamação que o acompanha.

Devemos incluir possíveis vieses de análise histopatológica do tipo operador-dependente. Muitos laudos foram inconclusivos quanto às margens de segurança.

 

CONCLUSÃO

O diagnóstico do CPNM depende de informações consistentes e bem fundamentadas, utilizando-se critérios clínicos, dermatoscópicos e principalmente histopatológicos. A acurácia dos dois primeiros depende de vasta experiência do dermatologista, e a do terceiro de um patologista experiente em pele e, se possível, em tumores cutâneos. Mais do que isso, é de fundamental importância a interação entre os dois profissionais. Em serviços de referência em oncologia cutânea o dermatologista assistente deve especificar com precisão o tipo da biópsia (incisional x excisional) e as características que levaram à suspeita clínica para que o médico patologista cumpra com igual precisão o seu papel.

A curva de aprendizado em dermatoscopia leva a um maior índice de acerto nas suspeitas clínicas. Esse recurso, entretanto, se mostrou falho na diferenciação do CEC com outras entidades verrucosas. O maior comprometimento de margens cirúrgicas nos casos de CEC corrobora para a realização de margens preconizadas maiores quando diante desse tumor, comparativamente ao CBC. No caso do CBC, a dermatoscopia contribuiu para seu diagnóstico de forma mais importante, porém não se mostrou patognomônica nem tampouco unânime na resolução da biópsia excisional.

 

PARTICIPAÇÃO NO ARTIGO:

André Cesar Pessanha:
Projeto da pesquisa, anotação de resultados e revisão final

Isadora Zambuzi:
Introdução e organização dos resultados

Carlos Vidal:
Elaboração de tabelas, discussão e submissão

 

Referências

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Trabalho realizado na Instituição: Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) - Mogi das Cruzes (SP), Brasil.


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