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Relato de casos

Carcinoma espinocelular em couro cabeludo inicialmente diagnosticado como queratoacantoma

Priscila Wolf Nassif1, Ivander Basatazini Junior1, Edgard José Franco Mello Junior1, Raissa Borém Pimenta Figueiredo1

Recebido em: 14/06/2009
Aprovado em: 12/01/2010
Trabalho realizado no Instituto Lauro de
Souza Lima - São Paulo
Conflitos de interesse: Nenhum
Suporte financeiro: Nenhum

Abstract

O queratoacantoma pode com muita facilidade ser confundido com carcinoma espinocelular, tanto clínica quanto histopatologicamente. Só o queratoacantoma, entretanto, pode regredir de maneira espontânea. Relata-se caso de paciente com lesão exofídica, ulcerada e infiltrada em couro cabeludo previamente diagnosticada como queratoacantoma. O exame histopatológico confirmou carcinoma espinocelular, e a tomografia de crânio evidenciou invasão da calota craniana. Procedeu-se à excisão cirúrgica com margens amplas e confecção de retalho de rotação, seguida de tratamento adjuvante com quimioterapia e radioterapia. Há muitos relatos na literatura de carcinomas espinocelulares erroneamente diagnosticados como queratoacantomas demonstrando a dificuldade nessa diferenciação. Enquanto não se estabelecem métodos eficazes para distinguir as duas entidades, o tratamento de escolha deve ser a excisão cirúrgica.

Keywords: CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS, CERATOACANTOMA, CIRURGIA


INTRODUÇÃO

O queratoacantoma (QA) é com muita facilidade confundido com o carcinoma espinocelular (CEC) tanto clínica quanto histopatologicamente. Só o QA, entretanto, pode regredir de maneira espontânea.1 Relata-se caso de paciente com lesão em couro cabeludo previamente diagnosticada como QA e posteriormente confirmada como CEC. Objetiva-se demonstrar caso exuberante de CEC em couro cabeludo e discutir a dificuldade da diferenciação diagnóstica entre as duas entidades.

CASO CLÍNICO

Apresentou-se à consulta paciente do sexo masculino, branco, de 69 anos, apresentando lesão vegetante em couro cabeludo, dolorosa, de crescimento progressivo evoluindo há dois anos. Trazia de outro serviço biópsia recente compatível com QA. Na história pregressa o paciente referia já ter apresentado quadro semelhante em couro cabeludo há três anos e que a lesão, então diagnosticada como QA, havia sido retirada mediante cirurgia. Também relatava ser diabético em uso de hipoglicemiante oral, tabagista e etilista. Ao exame dermatológico apresentava lesão ulcerada, vegetante, infiltrada, com bordos elevados, de aproximadamente 15cm de diâmetro na região frontoparietal (Figura 1). Ao exame físico não foram observadas linfoadenomegalias. A tomografia de crânio evidenciou invasão da calota craniana. O exame histopatológico realizado no serviço em que atuam os autores confirmou a hipóteses de CEC (Figura 2). Procedeu-se à excisão com margens amplas incluindo ressecção da tábua externa da calota craniana. Foi realizado amplo retalho de rotação proveniente da região temporal esquerda do couro cabeludo, objetivando a cobertura da área excisada da calota craniana, fechando parcialmente a lesão primária. As áreas não cobertas pelo retalho foram deixadas para cicatrizar por segunda intenção, utilizandose carvão ativado como coadjuvante do processo (Figuras 3, 4, 5 e 6). Posteriormente foi submetido a tratamento adjuvante com quimioterapia (três ciclos de 5-fluoracil e cisplatina) e 30 sessões de radioterapia externa (cobalto 200cGy ao dia), mas, sete meses após o tratamento cirúrgico, evoluiu a óbito por recidiva local do tumor com invasão do sistema nervoso central e das meninges.

DISCUSSÃO

O carcinoma espinocelular (CEC) é o segundo tipo de câncer mais comum na pele. O tumor apresenta-se inicialmente como pápula ou nódulo, com graus variados de hiperqueratose e ulceração, em áreas fotoexpostas de pacientes idosos. A doença tem sido associada com imunossupressão, exposição a agentes arsenicais, radiação, ulceração crônica e ao papilomavírus humano. Apesar de ser facilmente tratável, tem potencial de recorrer no local e provocar metástases, levando a significantes morbidade e mortalidade.2

Por outro lado, o QA é classicamente considerado neoplasia benigna da pele. Surge como lesão solitária em áreas fotoexpostas de pacientes idosos, evoluindo em poucas semanas para nódulo com bordos elevados e centro preenchido com queratina3 em aspecto de “vulcão”.2 Pode ocorrer resolução espontânea em seis meses, diferente do CEC.2

Connors e Ackerman se referem ao QA como neoplasia pseudomaligna.3

Alguns autores o consideram variante bem diferenciada do carcinoma espinocelular, já que é muito difícil sua distinção histopatológica. Além disso, existem alguns relatos de queratoacantomas que apresentaram evolução agressiva, com recorrência local e até metástases.2 Forslund acredita que o QA apresenta fase proliferativa e que a proliferação por si só pode ser considerada evento carcinogênico, o que explicaria a evolução de alguns desses tumores para CEC.4

Para compreender por que casos como o aqui apresentado são primariamente diagnosticados como QAs e posteriormente provam ser CECs há três hipóteses propostas por Goldenhersh e Olsen: 1- diagnóstico inicial equivocado, 2- lesão combinada (CEC contendo QA), e 3- transformação do QA em CEC.3 Explicação alternativa seria reconhecer que QA e CEC de fato constituem a mesma entidade.2,3

Há muitos relatos na literatura de tumores cutâneos de início diagnosticados clínica e histopatologicamente como QAs e que a posteriori provaram ser CECs, demonstrando a dificuldade dessa diferenciação.3

Em relação à cirurgia de lesões extensas no couro cabeludo, sobretudo quando há invasão de periósteo e tábua óssea, a reconstrução exige cobertura dessas áreas com retalhos. O restante da lesão, ou seja, o local em que o periósteo está íntegro, pode ser recoberto por retalhos, enxertos ou aguardar a cicatrização por segunda intenção.5

Quanto ao carvão ativado, é bem descrita sua ação coadjuvante, reduzindo o tempo de cicatrização nas feridas crônicas e diminuindo o risco de infecção local.6 Trata-se de cobertura estéril, composta de tecido de carvão ativado impregnado com prata, em invólucro poroso feito de fibras de náilon e selado em toda a sua extensão. O sistema de poros do tecido é capaz de reter bactérias que são então inativadas pela ação da prata, diminuindo a contagem bacteriana. Por ser cobertura primária requer outra, secundária, de gaze, que deve ser trocada diariamente ou mais de uma vez por dia; o carvão, por sua vez, deverá ser trocado assim que atingir o ponto de saturação. 7 No serviço em questão,usa-se o carvão ativado em trocas semanais, em grandes defeitos cirúrgicos, com o objetivo de acelerar o processo de cicatrização e diminuir o desnivelamento das feridas.

Enquanto não se estabelecem métodos totalmente eficazes para diferenciar QAs de CECs, sugere-se a remoção cirúrgica de lesões duvidosas pelo risco de evolução agressiva de alguns tipos de CECs.

Referências

1 . Magalhaes GT, Cruviel GT, Cintra GF, Ismael AP, de Moraes AM. Diagnosis and follow up of keratoacanthoma like lesions: clinical histologic study of 43 cases. J Cutan Med Surg. 200812(4):163-73.

2 . Rinker MH, Fenske NA, Scalf LA,Glass LF.Histologic variants of squamous cell carcinoma of the skin. Cancer Control. 2001 8(4):354-63.

3 . Goldenhersh MA, Olsen TG. Invasive squamous cell carcinoma initially diagnosed as a giant keratoacanthoma. J Am Acad Dermatol. 1984;10(2 Pt 2):372-8.

4 . Hurt MA. Keratoachantoma VS. Squamous cell carcinoma in contrast with keratoacanthoma is squamous cell carcinoma. J Cutan Pathol. 2004;31(3):291-2.

5 . Marchac,D. Deformities of the forehead, scalp, and cranial vault. In:McCarthy JG,May JW, Littler JW, editors. Plastic surgery. Philadelphia: Saunders Company;1990. p.1546-47.

6 . Soriano JV, López RJ, Cuervo FM, Agreda,S. Effects of an activated charcoal silver dressing on chronic wounds with no clinical signs of infection. J Wound Care. 2004 Nov;13(10):419, 421-3.

7 . Blanes L. Tratamento de feridas. Baptista-Silva JCC, editor. Cirurgia vascular: guia ilustrado. São Paulo; 2004.


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