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Relato de casos

Lasers e preenchimentos: possíveis complicações

Bruna Sabatovich Villarejo Iosifovich1; Bruna Melhoranse Gouveia2; Maria Paulina Villarejo Kede2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201792919

Data de recebimento: 18/10/2016
Data de aprovação: 08/06/2017
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

O tratamento das cicatrizes de acne, queixa dermatológica comum e motivo de ansiedade para os pacientes é desafiante, consistindo geralmente em múltiplas abordagens seriadas. Descreve-se um caso em que foram indicados preenchimento com ácido hialurônico e laser fracionado de CO2, tendo ocorrido complicação inusitada, devido ao curto intervalo de tempo entre a utilização das técnicas.
Discutem-se a necessidade de relação médico/paciente estreita e confidente para conter a ansiedade dos pacientes e de estudos que determinem o intervalo ideal entre as abordagens terapêuticas no tratamento das cicatrizes de acne.


Keywords: ACNE VULGAR; TERAPIA A LASER; RELAÇÕES MÉDICO/PACIENTE; ÁCIDO HIALURÔNICO; SEGUIMENTOS


INTRODUÇÃO

A acne vulgar é dermatose inflamatória prevalente que pode evoluir com cicatrizes permanentes. Múltiplas abordagens foram descritas de acordo com as características de cada lesão. Para as lesões distensíveis, o preenchimento com ácido hialurônico é a primeira linha de tratamento.1 Para as lesões não distensíveis, das técnicas cirúrgicas e peelings consagrados,2 uma das opções mais potente e eficaz é o laser ablativo e fracionado de CO2.3

Essas técnicas podem ser combinadas e seriadas em pacientes com múltiplos tipos de cicatrizes. A literatura, porém, não cita protocolos determinando intervalos e número de sessões.

O ácido hialurônico é polissacarídeo componente estrutural da pele, subcutâneo e tecido conjuntivo.4 O Restylane® (Galderma, São Paulo, Brasil), aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para correção de rugas severas e sulcos profundos é uma das numerosas marcas mundialmente comercializadas de ácido hialurônico com cross-linked de 1,4-butanodiol diglicidil éster (BDDE).

O laser ablativo e fracionado de CO2 é intensamente absorvido pela água dos tecidos, gera fenômenos térmicos nas estruturas que contêm esse elemento e induz turnover epidérmico e estímulo ao colágeno, propiciando melhoras em pacientes com fotoenvelhecimento, estrias e cicatrizes de acne. Quanto aos efeitos colaterais, são esperados dor, edema e eritema, que duram em torno de 10 dias, e fenômenos tardios, como hiperpigmentação, hipopigmentação e cicatrizes. Outras complicações possíveis são infecções bacterianas, fúngicas ou virais, dermatite de contato por agentes tópicos utilizados no procedimento e prurido.1

O objetivo desta publicação é o relato de complicação inusitada, resultante do tratamento combinado de injeções de ácido hialurônico com aplicação de laser fracionado de CO2 em paciente portadora de cicatrizes de acne.

Não foi encontrada na literatura descrição semelhante.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 35 anos, fototipo III, com hábito de exposição solar intensa e diária, sem comorbidades, em uso de anticoncepcional, apresentava acne grau II desde os 15 anos. Aos 17 anos, foi submetida a tratamento com isotretinoína oral, obtendo a remissão da acne com dose acumulada de 120mg/kg. Aos 20 anos, passou a fazer uso de oxandrolona na dose de 20mg/dia com ciclos trimestrais apresentando ciclos repetidos de recidiva e remissão da acne. Procurou avaliação para tratamento de suas cicatrizes em período de remissão. Ao exame, apresentava cicatrizes distensíveis e não distensíveis nas regiões malares (Figura 1). Foram indicados laser ablativo fracionado CO2 (duas sessões mensais) e preenchimento com ácido hialurônico (três sessões mensais). Devido à ansiedade da paciente, a primeira sessão do laser de CO2 foi realizada cinco dias após o preenchimento com ácido hialurônico. No período imediatamente posterior à sessão de laser, praticado com potência e densidade usuais, foram observados edema, eritema e crostas enegrecidas com exsudato, correspondendo à extrusão do ácido hialurônico desidratado (Figura 2). Após cinco dias houve regressão do edema, eritema e exsudato com persistência, durante mais oito dias, das crostas e da descamação (Figura 3). Duas semanas depois apresentou recidiva da acne com lesões papulosas e eritematosas nas regiões malares (Figura 4). Três meses após a sessão de CO2, apresentou remissão completa do quadro (Figura 5).

 

DISCUSSÃO

A acne é doença comum na adolescência, com frequência elevada (85%), sendo frequente sua regressão espontânea após os 20 anos de idade.1 As complicações mais relevantes são cicatrizes na pele e sequelas psicossociais, geralmente persistentes.2 Nesse contexto, a acne pode desencadear condições psicodermatológicas tais como baixa auto-estima, isolamento social e depressão. Em um estudo, os cinco sintomas mais citados foram a manipulação frequente das lesões, ansiedade (88,3%), desgosto por ter acne (70%), medo de a acne nunca cessar, e insatisfação quanto à aparência física (63,3%). No caso relatado, a paciente apresentava ansiedade, e essa condição psicodermatológica foi a propulsora do imediatismo da conduta médica.5

Na literatura, há estudos que avaliam a segurança do uso de radiofrequência e luz pulsada após tratamento com ácido hialurônico injetável,3 porém, não há citações sobre sua associação ao laser de CO2. A profundidade de penetração do laser de CO2 depende do conteúdo de água tecidual e atinge entre 20 e 30µm. O laser atua produzindo calor e gerando coagulação até 85°C, carbonização acima de 85°C e vaporização aos 100°C. É provável que essa transferência de calor tenha sido responsável pela desidratação do ácido hialurônico, gerando as crostas enegrecidas como as observadas no caso relatado.4 É interessante notar que houve regeneração completa do tegumento após três meses, o que indica que as crostas não corresponderam a tecido cutâneo necrótico, mas possivelmente ao ácido hialurônico degenerado pelo calor. Não foi observada hipercromia pós-inflamatória. Esse efeito colateral era muito comum após o uso de CO2 ablativo não fracionado, mas tornou-se raro com o uso do laser fracionado.2

Ressalta-se, também, que as cicatrizes esperadas em casos de ablação térmica cutânea excessiva não ocorreram nessa paciente, confirmando a hipótese de que as crostas escuras corresponderam à ação do calor na epiderme, derme superficial e no próprio ácido hialurônico previamente injetado na pele.1 Em outro estudo foi injetado ácido hialurônico (Restylane®, Suécia) em pele de porco, e após duas semanas a mesma área foi tratada com laser ablativo. Observou-se na avaliação histopatológica que não houve mudança morfológica no ácido hialurônico, mas que a sua duração diminuiu, bem como que sua presença prejudicou a eficácia do laser.4

 

CONCLUSÃO

O tratamento das cicatrizes de acne é desafiante e às vezes decepcionante, consistindo geralmente em múltiplas abordagens seriadas. Esse fato determina a necessidade de relação médico/paciente estreita e confidente para conter a ansiedade e, às vezes, a frustração do paciente. Por outro lado, não há estudos que determinem o intervalo ideal entre as abordagens terapêuticas no tratamento dessas cicatrizes. Assim, no contexto de múltiplas intervenções, é imprescindível o estabelecimento de protocolos organizados em etapas, cujos intervalos devem ser rigorosamente respeitados, para que sejam evitadas complicações como a relatada na presente publicação.

 

PARTICIPAÇÃO NO ARTIGO:

Maria Paulina Villarejo Kede:

Realização dos procedimentos (preenchimento e laser)
Relato de caso

Bruna Sabatovich Villarejo Iosifovich:

Registro fotografico e
Revisão da literatura da introdução, discussão e referências bibliográficas

Bruna Melhoranse Gouveia:

Follow up da paciente
Revisão do artigo na discussão e referências bibliográficas

 

Referências

1. Kede MPV, Sabatovich O. Dermatologia estética. 3th ed. Rio de Janeiro: Atheneu; 2015.

2. Rivera AE. Acne scarring: a review and current treatment modalities. J Am Acad Dermatol. 2008;59(4):659-76.

3. Goldman MP, Alster TS, Weiss R. A randomized trial to determine the influence of laser therapy, monopolar radiofrequency treatment, and intense pulsed light therapy administered immediately after hyaluronic acid gel implantation. Dermatol Surg. 33(5):535-42.

4. Farkas JP, Richardson JÁ, Brown S, Hoopman JE, Kenkel JM. Effects of common laser treatments on hyaluronic acid fillers in a porcine model. Aesthet Surg J. 2008;28(5):503-511

5. Ribas J, Oliveira CMPB, Ribeiro JCS. Acne vulgar e bem estar em acadêmicos de Medicina. An Bras Dermatol. 2008;83(6):520-5.

 

Trabalho realizado no Espaço Kede e Sabatovich - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.


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