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Relato de casos

Complicação pós-tratamento de paquidermodactilia com triancinolona

Aloísio Carlos Couri Gamonal1; Dário Nascimento Ferreira Alves2; Sônia Maria Neumann Cupolilo3; Dominique Fonseca Rodrigues Lacet4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201792959

Data de recebimento: 01/01/2017
Data de aprovação: 08/06/2017
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Paquidermodactilia é forma rara, benigna e adquirida de fibromatose digital caracterizada por espessamento de partes moles nas regiões laterais das articulações interfalangeanas proximais, tipicamente dos II, III e IV dedos de ambas as mãos. É associada, em grande parte dos casos, a microtraumas digitais repetidos. Relatamos o caso de um paciente de 22 anos de idade, com apresentação clínica típica da doença. O tratamento com infiltrações de triancinolona levou a redução parcial do espessamento, além de hipopigmentação e hiperemia, não tendo sido uma boa opção. Apesar de rara e benigna, essa condição clínica típica deve ser considerada, evitando-se investigações desnecessárias e onerosas, assim como tratamentos inapropriados.


Keywords: DERMATOSES DA MÃO; NEOPLASIAS DE TECIDOS MOLES; DEDOS; ADULTO JOVEM; GLUCOCORTICOIDES; TRANSTORNOS TRAUMÁTICOS CUMULATIVOS; FIBROMA; RESULTADO DE TRATAMENTO


INTRODUÇÃO

A paquidermodactilia (PDD) foi inicialmente descrita por Bazex et al. em 1973 como “paquidermia digital das primeiras falanges”.1 Dois anos depois, Verbov, com base nos vocábulos gregos paqui (grosso), dermo (pele) e dactilia (dedo), a nomeou como sendo uma variante do verdadeiro coxim interfalangeano.2 PDD é forma rara, benigna e adquirida de fibromatose digital, caracterizada por espessamento de partes moles nas regiões laterais das articulações interfalangeanas proximais (IPs). Um artigo de revisão identificou apenas 161 casos relatados, sendo mais comum em homens na puberdade e jovens adultos.3

 

RELATO DO CASO

Paciente de 22 anos de idade, do sexo masculino, estudante universitário, alega aumento progressivo de volume na base de seus dedos das mãos nos últimos cinco anos. Refere repetidos microtraumas na adolescência pelo hábito de “estalar” e manipular os dedos. Nega sintomas ou sinais sistêmicos. O exame clínico revelou aumento do volume dos dedos na base das articulações IPs, acometendo II, III e IV dedos de ambas as mãos (Figura 1). A alteração era assintomática, sem perda de mobilidade dos dedos, sendo a principal queixa de origem estética. O exame anatomopatológico de biópsia fusiforme de pele do III dedo da mão esquerda, na região interfalangeana proximal (IP), revelou hiperceratose compacta e discreta acantose na epiderme, além de espessamento de fibras colágenas e discreta hialinização nas dermes papilar e reticular, com ausência de processo inflamatório na derme e particularidades nos anexos cutâneos (Figura 2). A radiografia das mãos e punhos evidenciou aumento de partes moles adjacentes às articulações IPs dos dedos, sem comprometimento ósseo ou de espaços articulares (Figura 3). O diagnóstico de paquidermodactilia foi então estabelecido, e o paciente informado de seu caráter benigno, fato que não evitou o pedido de tratamento por razões estéticas.

Decidiu-se pelo tratamento com solução de triancinolona acetonido, 20mg/ml. Como abordagem inicial, foi realizada infiltração na área comprometida em região IP do IV dedo da mão esquerda para observar se haveria alguma reação adversa à solução, o que não ocorreu. Duas semanas depois, o procedimento foi repetido nas regiões IPs dos II, III e IV dedos de ambas as mãos. No retorno após três meses, uma discreta redução de volume pôde ser observada na região IP do IV dedo da mão esquerda e região IP do II dedo da mão direita, com áreas eritematosas (secundárias à neovascularização) e hipopigmentadas, efeitos colaterais comuns do corticoide. O paciente optou por realizar mais uma sessão nas regiões por ele consideradas piores: IP do IV dedo da mão esquerda e IPs dos II e IV dedos da mão direita. Dois meses após, uma maior, porém sutil, redução de volume foi observada, com aumento, entretanto, da hiperemia e hipopigmentação. A comparação entre os períodos prévio e posterior ao tratamento pode ser observada nas figuras 4, 5 e 6.

 

DISCUSSÃO

A etiologia exata da PDD é desconhecida. É provável consequência de microtraumas repetidos associados a atrito, entrelaçamento e hábito de “estalar” os dedos, como no caso desse e outros pacientes.4,5,6 No entanto, há relatos sem história de microtraumas ou manipulação das mãos, de causa desconhecida.6,7

A apresentação típica da PDD é edema e espessamento assintomático dos tecidos moles periarticulares nas articulações IPs dos dedos II-IV, ocorrendo simetricamente em ambas as mãos, sem anormalidades ósseas, sinovite ou limitações de movimentos. O espessamento é principalmente de localização radial e ulnar. Pode haver liquenificação e descamação sobre as regiões acometidas.5 Em alguns casos, pode haver dor.7 A PDD unilateral também já foi descrita.8 Menos comumente, os polegares também podem estar espessados.6 Nosso paciente teve manifestação típica, bilateral e simétrica, em regiões IPs do II ao IV dedos.

A PDD já foi descrita em associação com: contratura de Dupuytren, síndrome de Asperger, síndrome de Ehlers-Danlos, síndrome do túnel do carpo, esclerose tuberosa, ginecomastia, sindactilia dos pés, atrofia maculosa varioliforme e síndrome de Tourette.3

O diagnóstico diferencial inclui diversas patologias: coxim interfalangeano verdadeiro, pseudocoxim interfalangeano, placas colagenosas das mãos, fibromatose digital juvenil, fibromatose hialina juvenil, fibrose nodular da pele, acromegalia, doença da tireoide, condições inflamatórias fibrosas, entre outras.5

Histologicamente, há hiperceratose, acantose, espessamento da derme, aumento de fibroblastos e depósitos de colágeno; espessamento de membrana basal e de glândulas sudoríparas écrinas, deposição intensa de mucopolissacarídeos, pobre demarcação entre derme papilar e reticular, deposição de mucina entre fibras colágenas tipos III e V aumentada com redução de colágeno tipo I.3

Radiografias e ressonância nuclear magnética (RNM) das mãos mostram aumento de partes moles sem envolvimento ósseo ou anormalidades articulares, assim como no presente caso.3,7

Chen e colaboradores6 propuseram os seguintes critérios diagnósticos:

• paciente assintomático

• ausência de rigidez matinal

• ausência de dor à movimentação e sensibilidade à palpação

• espessamento dos dedos radial ou ulnar e não circunferencial

• testes laboratoriais com resultados inespecíficos

• radiografias simples mostram somente aumento de partes moles.

Com tais achados típicos, investigações adicionais, como RNM ou biópsia de pele, são raramente necessárias para o diagnóstico. Em nosso caso, os achados histopatológicos foram úteis para excluir doenças similares e corroborar os achados clínicos e radiográficos da PDD.

Não há tratamento eficaz e bem estabelecido para PDD no momento. Há relatos de regressão do espessamento após suspensão da manipulação digital.4 Relata-se que a administração oral de Tranilast, droga antialérgica, durante seis meses, melhorou o espessamento.7 Infiltrações com triancinolona reduziram o volume com duas sessões em um mês com pequena hipopigmentação.9 No nosso paciente, as infiltrações resultaram em redução parcial com posterior hipopigmentação e hiperemia, não sendo uma boa opção do ponto de vista estético. A excisão cirúrgica pode também ser uma opção.10

Conclui-se que infiltrações de triancinolona, podem não ser uma boa opção pela possibilidade de hipopigmentação e hiperemia secundárias ao tratamento, além da pequena redução do volume. Apesar de rara e benigna, essa condição clínica típica deve ser considerada, evitando-se investigações desnecessárias e onerosas, assim como tratamentos inapropriados.

À Dra. Annair Freitas do Valle nossos agradecimentos pela aplicação da medicação.

 

PARTICIPAÇÃO NO ARTIGO:

Aloísio Carlos Couri Gamonal

Realização do diagnóstico clínico, da conduta terapêutica e acompanhamento.

Dário Nascimento Ferreira Alves

Realização do diagnóstico clínico, da conduta terapêutica e acompanhamento.

Sônia Maria Neumann Cupolilo

Confirmação histopatológica.

Dominique Fonseca Rodrigues Lacet

Confirmação histopatológica.

 

Referências

1. Bazex A, Dupré A, Teillard J. Pachydermie digitale des premieres phalanges par hyperplasie conjonctive dermique et aplasie hypodermique. Bull Soc Fr Dermatol Syphiligr. 1973;80:455-8.

2. Verbov J. Letter: Pachydermodactyly: a variant of the true knuckle pad. Arch Dermatol. 1975;111(4):524.

3. Paravina M, Stanojevic´ M, Jovanovic´ D, Ljubisavljevic´ D. Pachydermodactyly: a case report and literature review. Serbian Journal of Dermatology and Venereology. 2014;6(4):174-85.

4. Requena CB, Miot HA, Marques ME, Miot LD. Case for diagnosis. Pachydermodactyly. An Bras Dermatol. 2014;89(2):359-60.

5. Beltraminelli H, Itin P. Pachydermodactyly--just a sign of emotional distress. Eur J Dermatol. 2009;19(1):5-13.

6. Chen CK, Shyur SD, Chu SH, Huang LH, Kao YH, Liu LC. Pachydermodactyly: three new cases in Taiwan. J Microbiol Immunol Infect. 2015;48(3):340-4.

7. Higuchi C, Tomita T, Yoshikawa H. Pachydermodactyly treated with tranilast in a young girl. Case Rep Orthop. 2014:132854.

8. Cabanillas M, Monteagudo B, León-Muíños E, Suárez-Amor O. Pachydermodactyly in a young girl: cutaneous manifestation of a psychiatric disorder? Pediatr Dermatol. 2010;27(3):306-8.

9. Pereira JM, Pereira FCN, Pereira VCN. Interphalangeal pads on pachydermodactyly. An Bras Dermatol. 2004;79(3):313-21.

10. Dias JM, Costa MM, Romeu JC, Soares-Almeida L, Filipe P, Pereira-da-Silva JA. Pachydermodactyly in a 16-Year-Old Adolescent Boy. J Clin Rheumatol. 2012;18(5):246-8.

 

Trabalho realizado no Núcleo de Pesquisa em Dermatologia (Nupede) do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF) - Juiz de Fora (MG), Brasil.


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