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Relato de casos

Necrose de parafinoma peniano após injeção de óleo mineral por profissional não médico

Maria Claudia de Almeida Issa1; Diego Cerqueira Alexandre2; Roger Domingos Almeida3; Sandra Maria Barbosa Durães1

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201792887

Data de recebimento: 14/08/2016
Data de aprovação: 22/02/2017
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Parafinoma decorre da implantação de óleo mineral na pele, sendo caracterizado por reação inflamatória do tipo corpo estranho com período de latência variável. As lesões iniciais são nódulos endurecidos, que podem ulcerar, fistulizar ou necrosar. Esta técnica foi muito utilizada para fins estéticos no século XX, não sendo mais realizada por médicos. Contudo, ainda é empregada por profissionais não médicos ou pelos próprios pacientes, principalmente na região genital, para melhoria da prática sexual. Relata-se caso de implante de óleo mineral no pênis, realizado por profissional não médico para fins estéticos, que evoluiu com necrose após três anos.


Keywords: GRANULOMA DE CORPO ESTRANHO; ÓLEO MINERAL; NECROSE; PÊNIS


INTRODUÇÃO

O parafinoma é ocorrência adversa posterior à aplicação de substâncias oleosas minerais, vegetais ou animais no tecido subcutâneo ou na pele. É caracterizado histopatologicamente por reação granulomatosa do tipo corpo estranho, não alérgica.1-3 O período de latência entre a infiltração da substância e o início da reação é bastante variável, podendo durar de alguns dias até muitos anos.3-6 Essa técnica foi muito utilizada no século XX para fins cosméticos.1,6

As complicações dessa prática são relatadas desde 1906 e contribuíram para seu abandono em vários países. Atualmente, ela continua sendo realizada por profissionais não médicos ou pelos próprios pacientes, principalmente para alargamento do pênis, em países asiáticos e do leste europeu.4,6,7 As lesões iniciam-se por nódulos endurados, solitários ou confluentes, formando placas no tecido subcutâneo e na pele. Algumas vezes há formação de úlceras e fístulas que secretam material purulento ou oleoso, e nos casos mais avançados, ocorre necrose da área afetada.3,7-10

 

REVISÃO DA LITERATURA:

Parafinoma ou oleoma, também conhecido como granuloma por óleo mineral, é o padrão histopatológico que ocorre após a injeção de substâncias com cadeias saturadas de hidrocarbonetos na pele ou no tecido subcutâneo. Devido à incapacidade de as enzimas humanas degradarem esse material, uma reação granulomatosa do tipo corpo estranho desfigurante pode ocorrer, na qual os componentes do tecido subcutâneo são substituídos por cistos de vários tamanhos. Eles são observados clinicamente por nódulos endurecidos, que podem também estar relacionados à obstrução da drenagem linfática, provocada pelo material não absorvível. Essa lesão pode ocorrer em alguns dias ou só se manifestar anos após a injeção dessa substância.1-6

A injeção de materiais não absorvíveis como óleos é prática antiga e obsoleta usada desde o início do século XX com o objetivo de corrigir imperfeições e melhorar a aparência estética.3,6,10 O primeiro relato de uso desses materiais para fins cosméticos é de 1899, quando Gersuny injetou óleo mineral dentro da bolsa escrotal de um menino após orquiectomia bilateral por tuberculose.1-8

Essa prática foi abandonada por médicos devido às desastrosas reações adversas, porém ainda continua sendo realizada por profissionais não médicos e pelos próprios pacientes.2,5,6,9 Das técnicas utilizadas por esses profissionais para o alargamento peniano, as mais comuns são a inoculação de substâncias semilíquidas e a implantação de esferas penianas. Essas esferas são constituídas por metal ou plástico, medem mais ou menos 1cm e contém em seu interior material líquido não absorvível como óleo mineral. São introduzidas no tecido subcutâneo acima da fáscia de Buck (Figura 1).10

Embora haja relatos de efeitos imediatos e bons resultados estéticos como aumento de volume para modificação do contorno corporal, a infiltração de óleo mineral desencadeia complicações a curto e longo prazos :inflamação da pele, edema, abscesso, linfangite, úlceras, migração local, invasão do corpo cavernoso, fimose, parafimose, disfunção erétil, distúrbios urinários e em casos avançados, até necrose da pele do corpo do pênis.3,6-10 Mais raramente, a inflamação associada à inoculação de óleo mineral pode levar ao desenvolvimento de carcinoma de células escamosas.1,6,10

O tratamento de escolha é cirúrgico com o objetivo de remover o parafinoma. Antibióticos e corticoides orais podem ser necessários independentemente das abordagens cirúrgicas. Em caso de necrose, o desbridamento cirúrgico ou químico está indicado, associado ao tratamento de suporte, que pode ser feito com corticoides, tetraciclina ou colchicina, devido à dificuldade em remover todo o conteúdo injetado.3,5,6,8-10

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino de 38 anos, branco e tatuador profissional, há três anos, foi submetido à aplicação de esferas de óleo mineral no pênis por um profissional não médico (tatuador), com o objetivo de modificar a superfície do pênis. Após dois anos, percebeu rompimento das esferas, com aplainamento dos implantes, e consequente endurecimento da pele do corpo. Não procurou assistência médica de imediato. Com a evolução da lesão, decidiu procurar um cirurgião plástico, que realizou desbridamento cirúrgico. Não houve boa evolução, resultando em necrose da pele do corpo do pênis.

Um mês após o procedimento, o paciente foi atendido em ambulatório, queixando-se de muita dor local, porém sem queixas urinárias e sem febre. Ao exame, observaram-se áreas de endurecimento e eritema violáceo na face dorsal, e necrose na região ventral do corpo do pênis. Notava-se também edema do corpo do pênis e da glande (Figura 2), sem adenomegalia ou descarga meatal. Bolsa escrotal poupada. No dia da consulta estava em uso de cefalexina 500mg 6/6h, há cinco dias. Optou-se por manter a cefalexina, acrescentando-se colagenase com cloranfenicol tópico, prednisona (60mg/dia) e dipirona oral.

Após uma semana, retornou queixando-se ainda de muita dor local e febre (37,8°). A face dorsal permanecia com edema, endurecimento, eritema violáceo e necrose dos tecidos superficiais. Porém, a face ventral do pênis apresentava melhora, sem necrose e com algumas áreas de granulação. Foi examinado pela equipe da urologia que descartou lesões uretrais, a princípio. Iniciou-se uso de ciprofloxacina 500mg 8/8h e clindamincina 600mg 8/8h, ambos por via oral. A prednisona foi mantida na mesma dose, trocando-se o tratamento tópico por hidrogel 2%, por seu efeito de desbridamento químico seletivo. Após 21 dias, o paciente retornou com melhora das lesões em ambas as faces do pênis (Figura 3). Foi suspensa a antibioticoterapia por via oral e realizado desmame do corticoide.

O paciente também foi avaliado pela cirurgia plástica, que optou por abordar cirurgicamente a lesão. Primeiramente, foi realizado um túnel subcutâneo na bolsa escrotal para passagem do pênis. Num segundo tempo cirúrgico, houve a realização de enxerto com a pele da bolsa escrotal, que evoluiu com necrose. Em seguida, o tratamento com hidrogel 2% foi reintroduzido, por mais três meses, totalizando quatro meses de uso. Houve completa resolução da ferida, mediante a cicatrização por segunda intenção (Figura 4).

 

DISCUSSÃO

As complicações decorrentes do parafinoma podem manifestar-se dentro de alguns dias após a injeção ou anos depois, como no caso aqui descrito, em que ocorreram dois anos depois do implante. Normalmente, nota-se a presença de nódulos endurecidos, que podem ulcerar e fistulizar, fazendo diagnóstico diferencial com as úlceras genitais de diferentes etiologias. Ainda que raramente, pode ocorrer necrose comprometendo a função urinária e sexual do órgão.3,6-10 No caso relatado, o paciente apresentava a uretra peniana aparentemente íntegra, de acordo com a avaliação realizada por médico urologista, sem dificuldade para urinar apesar do edema. Também foi mantida a função de ereção do pênis, apesar do relato de dor. A equipe da urologia propôs a realização de uretrocistoscopia após melhora clínica da necrose para avaliação mais fidedigna do canal uretral.

O tratamento recomendado varia conforme a apresentação clínica do quadro. Inicialmente, a cirurgia para a remoção dos nódulos endurecidos está indicada, devendo ser realizada o mais precocemente possível. No caso apresentado, o paciente procurou assistência médica somente após um ano de evolução. Em casos de complicações mais graves, como a necrose, o desbridamento químico ou cirúrgico deve ser realizado.5,6,8-10

 

CONCLUSÃO

Embora parafinomas sejam raros atualmente, os médicos devem estar atentos para seu reconhecimento, uma vez que muitos pacientes não admitem a prática de injeção de óleo mineral clandestinamente. Seu diagnóstico precoce é imprescindível para o bom prognóstico do órgão afetado. No caso dos implantes na genitália masculina, o acompanhamento multidisciplinar, com a urologia e a cirurgia plástica é necessário.

 

PARTICIPAÇÃO NO ARTIGO:

Maria Claudia de Almeida Issa

acompanhamento clínico do paciente e supervisão, orientação e correção do manuscrito.

Diego Cerqueira Alexandre

acompanhamento clínico do paciente e estruturação do manuscrito.

Roger Domingos Almeida

acompanhamento cirúrgico do paciente e estruturação das imagens.

Sandra Maria Barbosa Durães

acompanhamento clínico do paciente e supervisão, orientação e correção do manuscrito.

 

Referências

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6. Pehlivanov G, Kavaklieva S, Kazandjieva J, Kapnilov D, Tsankov N. Foreign-body granuloma of the penis in sexually active individuals (penile paraffinoma). J Eur Acad Dermatol Venereol. 2008;22(7):845-51.

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11. Testut L, Latarjet A. Tratado de Anatomía Humana. 9th ed. Barcelona: Salvat; 1959.

12. Platzer W, editor. Pernkopf Anatomy: Atlas of Topographic and Applied Human Anatomy. 3th ed. Munich: Urban & Schwarzenberg; 1989.

 

Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense (Huap/UFF) - Niterói (RJ), Brasil.


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